Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Raquel Brito
Publicado em 14 de dezembro de 2023 às 06:00
Precursor. Generoso. Mestre. É dessa forma que quem conviveu com Luiz Alberto Silva dos Santos, conhecido simplesmente como Luiz Alberto, se refere ao político e militante, que morreu nesta quarta-feira (13), vítima de um infarto. >
Vanguarda do movimento negro contemporâneo na Bahia e no Brasil e uma voz ativa pela igualdade racial no Brasil, Luiz Alberto Silva dos Santos foi um dos co-fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) na Bahia, em 1978. Coordenou o Movimento entre 1995 e 1998.>
Na década de 80, ajudou a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Para Edmilson Barbosa, secretário de Comunicação da CUT, o papel de Luiz foi crucial para a formação do sindicato como ele é hoje: a maior Central Sindical do Brasil e da América Latina.>
“A trajetória dele dentro do movimento sindical foi justamente colocar as pautas de forma pedagógica para a classe trabalhadora e para a população negra e dizer: ‘olha, nós também podemos estar em outros espaços’, não apenas naquelas funções que ainda tinham resquício do processo de escravidão”, afirma. >
Na política, exerceu cinco mandatos como deputado federal pelo PT entre 1997 e 2015, sendo os três últimos consecutivos. Entre suas pautas principais, estavam a defesa dos direitos da população negra e das demarcações e titulações dos quilombos. >
Foi autor do PL 1442/2003, que visava transformar o Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, em feriado nacional. O projeto foi arquivado em 2009. >
Ademario Costa, que foi assessor parlamentar no mandato de Luiz e atualmente coordena as Relações Institucionais do Movimento Negro Unificado (MNU), diz, com admiração, que o papel de Luiz no cenário baiano foi singular. “Luiz foi um precursor para os militantes negros. Ele foi a principal expressão parlamentar que nós tivemos na história do MNU na Bahia. É a questão racial que pauta o seu mandato”, afirma.>
O ativismo racial é parte integral de quem Luiz foi: desde o primeiro mandato, todos os assessores parlamentares da sua equipe eram negros, numa atuação que Ademario descreve como ‘afrocentrada’, focada na valorização da raiz africana na Câmara.>
“Não tem nenhuma instituição negra na Bahia que não tenha a marca da atuação parlamentar política e ativista de Luiz Alberto. Desde a culinária de Alaíde do Feijão até a batida do Olodum à ancestralidade do Ilê Ayê. E tudo isso tendo o MNU como sua organização principal, que inspirava suas outras atuações”, diz. >
Foi Luiz também um dos criadores da Frente Parlamentar pela Defesa da Igualdade Racial, em 2003. A articulação reuniu mais de cem parlamentares de siglas como PV, PT, PSDB e PCdoB.>
A deputada estadual Olívia Santana, do PCdoB, era uma parceira de luta. Mesmo que, em suas palavras, eles tivessem “direções diferentes”, a admiração por ele era um fator constante. Juntos, foram à África do Sul em 2001, para a Conferência de Durban. >
“Eu sentia de Luiz uma alegria diante da vida. Ao mesmo tempo que ele tinha uma enorme indignação em relação à estrutura racista, ele também tinha uma força muito grande e uma alegria muito grande”, diz a deputada e fundadora da União de Negros Pela Igualdade (UNEGRO), que esteve com Luiz Alberto pela última vez nesta terça-feira (12). >
Luiz Alberto nasceu na comunidade quilombola Baixa do Guaí, em Maragogipe, no recôncavo baiano, em 1953. Se mudou cedo para Salvador e logo começou a trabalhar como técnico químico na Petrobras, na atual UN-BA, região de exploração de petróleo e gás. O envolvimento com a luta sindical não tardou a aparecer: fez parte do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro) e do Sindicato Único dos Químicos e Petroleiros.>
“A gente foi passando por várias fases e em todas essas fases Alberto esteve presente. Participando das assembleias, de greves, de negociações e da condução de mobilizações e greves que nós fizemos, principalmente na década de 80 e 90”, diz o Diretor do Sindipetro, Radiovaldo Costa, que acompanhou de perto a atuação de Luiz. Costa, que o conhecia há mais de 30 anos, relata que o amigo tinha facilidade em transitar no movimento sindical, tamanha era sua dedicação aos direitos dos operários. >
Foi Luiz Alberto, também, um dos líderes da greve mais longa da história do movimento sindical petroleiro: a Greve de 1995, que durou 32 dias. O movimento, que teve como objetivo pressionar a Petrobrás a repor as perdas salariais da categoria e protestar contra a redução de direitos, teve a adesão de mais de 90% da categoria, de acordo com o Sindipetro.>
Conhecido, na época, como ‘Luiz Operário’, ele uniu a luta operária à luta negra. O pioneirismo é assunto principal para quem teve a chance de conviver com ele. Entre os exemplos mais notáveis está o título de primeiro secretário de Promoção da Igualdade Racial da Bahia (Sepromi), cargo que desempenhou em 2007 e 2008, durante o governo de Jaques Wagner.>
Ocupava atualmente o cargo de assessor especial da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado. Para Felipe Freitas, atual secretário da pasta, a atuação de Luiz como assessor é uma demonstração da generosidade do veterano. Emocionado, ele conta que conheceu o veterano quando tinha apenas 15 anos e era líder de movimento estudantil.>
“Ele foi fundamental para o meu crescimento. Tinha uma clareza muito grande da questão racial para pensar o Brasil. E, nesses 12 meses, ele se posicionou como alguém que trabalhava para que eu aparecesse e não ele, de uma maneira muito pouco comum na política, inclusive. Eu não me lembro de ter visto na política muitas pessoas como Luiz”, afirma.>
Em novembro, Luiz Alberto foi lançado como pré-candidato à prefeitura de Maragogipe, no Recôncavo Baiano. Radiovaldo, que esteve com o amigo no último sábado (10), conta que a pré-candidatura empolgava o ex-deputado. “Ele falava dos projetos, das ideias que queria debater com a população, do que queria levar para a cidade. E aí recebemos essa notícia. Ele tinha muito vigor, muita vontade de viver e de continuar lutando”, diz.>
Para Olívia, o maior desejo de Luiz era participar da luta. “E o fez até o fim da vida dele. Ele foi um militante daqueles imprescindíveis à luta. Porque você sabe que vai encontrá-lo nas ruas, nas praças, dentro da mata quilombola. Em qualquer lugar que for necessário, Luiz Alberto vai estar. Estaria de forma material e continuará, mesmo tendo ido embora fisicamente, o seu legado”. >
*Com orientação de Monique Lôbo.>