Professora da Cidade Baixa conta como nasceu e foi fortalecida a amizade com Santa Dulce

Dupla se uniu em prol dos mais pobres e mobilizaram a campanha pela construção do Complexo Hospitalar Irmã Dulce

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  • Larissa Almeida

Publicado em 6 de agosto de 2024 às 08:00

Pró Lia com alunos da Escola Santa Rita Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Ao andar nas ruas do bairro de Roma, na Cidade Baixa de Salvador, não há quem não associe a professora Lia Costa, de 80 anos, também conhecida carinhosamente como Pró Lia, com Santa Dulce dos Pobres. A ligação não ocorre por semelhança física ou pelo acaso. É que, quando questionada sobre quais palavras usaria para definir Irmã Dulce, somente ela pôde responder “Santa Chata” – numa demonstração clara da intimidade, cultivada durante anos de amizade com a freira baiana. O apelido, inclusive, é a chave para o início da relação das duas, que nasceu por conta da insistência de Dulce – em diferentes campos.

“Ela chegava em frente da Escola Santa Rita, com o carro, saltava e perguntava ‘Rita, o que é que a gente vai comer hoje?’. Nossa amizade começou quando ela ficava ainda no Largo de Roma, pedindo amparo a um e a outro para ajudar aos pobres. Ela se apegou a mim porque, além de existir identificação por sermos mulheres, gostava de trabalhar com os pobres e dava muito valor às pessoas que estavam sofrendo. Então, eu ficava tentando ajudar ”, conta Lia.

Naquela época, Irmã Dulce vasculhava o bairro em busca de um local para abrigar os doentes que eram assistidos por ela. Foi assim que, antes de tudo, ela conheceu Evandro, padeiro e marido de Lia. Ao inaugurar a padaria, ele prometeu doar a primeira fornada à freira, mas recebeu uma resposta às avessas quando foi cumprir a promessa.

“Os padeiros fizeram o pão errado e solou todo. Ele levou assim mesmo e, quando chegou, ela disse ‘esse pão não presta, não’. Ele disse que ia recolher, mas ela impediu, dizendo que iria fazer uma sopa com eles. Depois, ele fez outra fornada e então ela agradeceu, e depois daí, passou a pedir os pães com frequência”, relata.

Quando frequentava a padaria, Santa Dulce conversava vez ou outra com Lia. Em toda oportunidade, ela insistia em chamar a professora de Rita – em associação a escola que Lia comandava. “Eu dizia ‘meu nome não é Rita, não’. Me chamam de Lia, mas meu nome mesmo é Maria José. Mas, para ela, eu era Rita”, lembra, aos risos.

A consolidação da amizade veio com o atendimento do pedido de Dulce, que queria ajuda dos pais dos alunos para obter materiais de construção com o intuito de erguer um espaço para os doentes. Foi assim que Lia organizou uma procissão, que contou com a participação de, aproximadamente, 300 alunos carregando tijolos nas mãos ou sobre a cabeça. A ação chamou a atenção da população e conseguiu o feito pretendido. “No outro dia, começou a chegar gente para doar bloco, cimento e areia. Dessa forma, ela foi levantando a construção”, relata a professora.

Tendo como base da relação a cooperação mútua na hora de ajudar o próximo, Lia tem Irmã Dulce, hoje, como sua protetora. “Logo depois que ela foi canonizada, eu ia para a missa toda terça-feira. Em uma dessas terças, eu estava consertando umas plantas e, na hora da missa, eu não achei a chave do carro. Procurei em todo lugar e cheguei a achar que alguma criança tinha engolido a chave. Eu decidi ir a pé e, quando cheguei na missa, cheguei perto do altar dela e disse ‘eu vim para a missa a pé, graças a senhora, que é tão exigente. Minha chave do carro sumiu, então, pelo amor de Deus, me diga onde está, porque eu não toquei nela hoje”, disse.

“Na mesma hora, eu ouvi Irmã Dulce dizer: ‘está dentro da carne, dentro do congelador’. Eu nem assisti a missa. Fui para casa, gritei pelo meu genro e disse para ele abrir o congelador. Na hora que abriu, estava lá. Foi uma das coisas que mais me impressionou. Eu acredito que ela ainda está aqui, olhando por nós”, completa.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro