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Raquel Brito
Rodrigo Daniel Silva
Publicado em 19 de abril de 2024 às 05:00
Com a regulamentação da legislação feita em um evento pomposo na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o edital estadual da Lei Paulo Gustavo lançado pela Secretaria de Cultura da Bahia (Secult-ba) tem enfrentado duras críticas dos produtores culturais baianos, que denunciaram diversas irregularidades ao Ministério Público Federal (MPF). >
Ao CORREIO, o MPF informou que a representação foi encaminhada ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) por se tratar, segundo o órgão federal, de um tema de âmbito estadual. O MP-BA foi questionado sobre o andamento da denúncia, mas informou apenas que recebeu as reclamações. A acusação dos profissionais recebeu o apoio da subseção de Vitória da Conquista da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA).>
As principais críticas dos produtores culturais ao edital são: falta de pareceres técnicos embasados, incongruências nas bancas de heteroidentificação e dificuldades para conseguir se comunicar com a Secult.>
A produtora audiovisual Mariana Régis relatou que inscreveu um curta-metragem, em parceria com o irmão, no primeiro edital de 2023. No universo de zero a 100, a obra recebeu a baixíssima pontuação de 22, o que intrigou a artista. Para ela, o pior foi que o resultado veio sem uma justificativa fundamentada, o que a impede de ingressar com um recurso embasado. “Nós solicitamos um parecer e o que chegou foi super genérico. Só falou que o projeto não atendia às exigências do edital”, disse.>
Um grupo no WhatsApp foi criado para reunir as reclamações dos produtores culturais sobre o edital. “Teve pareceres ainda mais genéricos que os nossos, pessoas que não receberam avaliações, mesmo solicitando várias vezes e mandando até seis e-mails. Não dá nem para entender por que os projetos não foram inspecionados, por que tiveram uma pontuação baixa”, acrescentou.>
Cineasta e produtor cultural, Fabrício Gomes também contou que seu projeto foi desclassificado sem justificativa. “Eu solicitei pareceres à Secult, e pela Lei Paulo Gustavo e a própria normativa da Secretaria de Cultura, os pareceres devem constar a fundamentação das notas. Alguns proponentes alegaram que receberam o parecer, mas outros não, o que configura também uma quebra de isonomia”, salientou.>
A Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) é uma lei de incentivo à cultura. Com recursos federais, ela representa o maior investimento direto já realizado no setor cultural do Brasil, destinando R$ 3,862 bilhões para a execução de ações e projetos culturais em todo o território nacional. Os editais seguem três linhas de análise. São elas: conteúdo, fins e contexto do projeto; viabilidade técnica; e consonância com a Lei Orgânica da Cultura.>
Transparência >
O gestor de projetos Afonso Silvestre, que teve propostas reprovadas em música e publicação de livro, ressaltou que, ao cobrar por transparência nos editais, os produtores culturais não estão exigindo a classificação dos seus produtos. Eles querem, na verdade, saber onde erraram até mesmo para corrigir em inscrições futuras.>
Afonso Silvestre ainda fez um relato sobre as bancas de heteroidentificação que participou. “Em dois projetos, eu não fui aceito como pardo, que é o que de fato sou. No terceiro, a explicação que eu tive é que (a avaliação) é a opinião pessoal de cada parecerista. Mas eu acho que eu não estou dialogando com parecerista nenhum, eu estou dialogando com a Secult. Tem que haver alguma coisa para equilibrar isso”, afirmou.>
Pontuação extra>
Os editais contavam com pontuação extra para grupos específicos, como mulheres, povos e comunidades tradicionais, pessoas LGBTQIAP+, idosos, pessoas em situação de rua e os que residiam fora da capital baiana há pelo menos dois anos. Também teria prioridades os projetos que focassem em temas, como sistema prisional e desenvolvimento de ações nos espaços culturais ou nos colégios do governo do Estado.>
No caso de Fabrício, ele contou que deveria ter recebido pontuação extra por produzir seu filme no interior do estado. O cineasta disse, entretanto, que os pontos não foram registrados no resultado. “Eu mantive contato com a Secult oficialmente, por e-mail do edital e por telefone também. Ficaram de me retornar e não me deram nenhuma resposta. Esses indutores ficaram sem ser computados. Nós alertamos a Secult sobre esse erro e também solicitamos, via recurso, a correção. Não houve resposta adequada”, afirmou.>
Outra reclamação dos produtores foi em relação à mudança na forma de apresentar recurso em caso de desclassificação. Enquanto no edital constava um modelo específico de formulário para recursos, após a divulgação dos resultados, a Secult anunciou no Instagram que as solicitações deveriam ser feitas pela plataforma Prosas, voltada para seleção e monitoramento de projetos sociais.>
Perguntado pela reportagem durante um evento do governo no final de março sobre as denúncias, o secretário estadual de Cultura, Bruno Monteiro, disse que desconhecia os detalhes e não podia se manifestar sobre os pontos em si. Os produtores culturais, todavia, divulgaram uma carta pública com as queixas.>
“Os editais da Paulo Gustavo são democráticos e priorizaram a inclusão cultural, a valorização das manifestações culturais em toda a Bahia, o ineditismo de ter mais fazedores de cultura do interior do estado beneficiados. Há mais investimentos, mas o nosso compromisso é com a pulverização desses investimentos. Nós não queremos o recurso nas mãos de poucos, nós queremos o recurso nas mãos de todas e todos que fazem a cultura acontecer”, disse Bruno Monteiro, no evento.>
Procurada, a assessoria de comunicação da Secretaria de Cultura não respondeu até o fechamento desta edição.>
*Colaborou a repórter Millena Marques>