Procura por sustento e maus tratos na família são os fatores que mais levaram pessoas às ruas na capital

Ida e vivência nas ruas torna consumo de drogas um escape para a população em situação de rua

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  • Larissa Almeida

Publicado em 9 de janeiro de 2024 às 08:00

Ayara de Jesus (à esquerda) vive há meses nas ruas do Centro Histórico após conflitos familiares Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Quando Ayara de Jesus, 19 anos, perdeu a mãe e passou a ter conflitos na família, decidiu buscar sustento nas ruas. Mulher trans, ela diz que vive de ‘bicos’, seja vendendo acarajé ou se aventurando com todo tipo de negócio lícito no caminho de pedras do Pelourinho. É lá que ela foi acolhida no albergue onde passa as noites que precedem os dias árduos de trabalho.

“Fui destinada e levada até aqui. Eu não posso contar com minha família porque eles têm interesse em dinheiro e, como eu não tenho, tudo é motivo para dizer que eu não posso mais ficar mais lá. Passei por alguns constrangimentos e agora eu só quero buscar aquilo que for melhor para mim”, afirma.

Assim como Ayara, a maior parte das pessoas que vão viver nas ruas de Salvador são motivadas por procura por sustento. O outro principal motivo são os maus tratos na família, como é o caso do flanelinha Edimar de Almeida, 27 anos, que brigou seriamente com o tio por uma acusação de roubo e decidiu sair do convívio familiar para evitar agressões aos 14 anos.

“Ele chegou a me ferir e a me ameaçar, então foi uma situação de maltrato. Estou agora numa situação que não é muito boa. Durmo em qualquer lugar do Centro Histórico e como no lugar que vende comida a R$1”, conta.

Segundo Lucas Vezedek, técnico em atividades educacionais do Projeto Axé – iniciativa que, junto com a Prefeitura, realizou o Censo –, normalmente as duas razões estão entrelaçadas. “Os conflitos familiares vão estar relacionados à questão da sobrevivência e do sustento, porque as pessoas que vão para as ruas entendem que podem buscar uma vida melhor, mas encontram lá uma série de gravação de direitos. Isso é uma leitura de contexto de um país que produz muita pobreza e desigualdade social”, ressalta.

Ele destaca que um importante aspecto do Censo diz respeito à pobreza produzida em Salvador. Diferente de outras cidades, como Brasília que tem uma população de imigrantes em situação de rua, a capital baiana produz a própria pobreza. “90% das pessoas em situação de rua aqui são de Salvador e as outras são de regimes metropolitanos e interior do estado”, pontua.

A ida para a rua e a falta de oportunidades acaba tornando propício o uso de drogas por essa população. De acordo com o Censo, álcool, cigarro e maconha são os mais utilizados pelas pessoas em situação de rua de Salvador. “Após encontrar a desigualdade social e a falta de trabalho instaladas, as drogas entram nesse cenário”, aponta Lucas.

O psicólogo Antônio de Oliveira, especialista em população em situação de rua, afirma que o ambiente familiar conturbado acaba sendo uma das causas para o consumo de drogas. Uma vez que o consumo é regular e se torna vício, as pessoas acabam tendo dificuldade inclusive para sair das ruas. “Contatei uma pessoa que está há 20 anos trabalhando Piedade, é funcionário público, caiu no mundo das drogas, tem uma filha formando em Medicina, foi ajudado, mas voltou para as ruas por conta do vício. É uma triste realidade”, finaliza.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo