Pretos e pardos representam 97% dos presos em flagrante em Salvador, aponta Defensoria

Dados foram divulgados, nesta quarta-feira (9), em relatório produzido pelo órgão

  • Foto do(a) author(a) Gilberto Barbosa
  • Gilberto Barbosa

Publicado em 10 de outubro de 2024 às 05:30

Pena para o tráfico de drogas no Brasil pode chegar a 15 anos de prisão
Pardos e pretos são a maioria dos presos em flagrante na capital baiana Crédito: Shutterstock

O Relatório das Audiências de Custódia de Salvador, divulgado nesta quarta (9) pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), aponta que 2.898 pessoas passaram por audiências de custódia em Salvador em 2023. Entre os custodiados, 2.771 foram pessoas autodeclaradas pretas ou pardas, o que corresponde a 96,9% do total. Os autodeclarados brancos representaram 3,1%, com 90 detidos.

Quanto as decisões finais das audiências, o levantamento identificou que a liberdade provisória foi concedida a 57,60% daqueles que se declararam como pretos e/ou pardos e a 65,56% dos autodeclarados brancos. Já a prisão preventiva foi decretada para 36,23% dos negros e para 27,78% dos brancos, enquanto o relaxamento da prisão foi dado para 5,12% e 4,44% de negros e brancos, respectivamente.

Para o pesquisador em Segurança Pública e Execução Penal e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Misael França, esse dado reflete o caráter seletivo do sistema criminal. "Que insiste em criminalizar a negritude periférica em prol dos privilégios das classes dominantes. Isso devido à racialização da sociedade brasileira, que se expressa na atuação policial contra essas minorias sociais. Como consequências, estão a estigmatização constante da negritude, sempre associada à periculosidade e, ainda, a desagregação de famílias negras, levadas a sérias dificuldades ante a prisão de jovens em idade produtiva", avalia.

No recorte etário, cerca de 63,18% dos presos tinham menos de 29 anos, somando 1.831 casos. As pessoas entre 30 e 41 responderam a 737 sessões, seguidos pela faixa entre 42 e 53 anos, com 250 casos. Entre os detidos, 1.248 declararam ter renda mensal inexistente ou de até um salário-mínimo, com a representação reduzindo de maneira significativa nas faixas mais altas.

O número de pessoas de baixa renda pode ser mais alto já que a DPE-BA não possui a informação do rendimento mensal de 1.571 pessoas. No que tange a escolaridade, 1.020 pessoas declararam ter o ensino fundamental incompleto e outros 338 não concluíram o ensino médio.

“Esses dados dos jovens de baixa renda causam um desconforto por serem uma sinalização de que as políticas públicas nos municípios e no estado devem ter uma atenção direcionada para esse público. É importante possibilitar espaços de educação, visando uma redução a médio e longo prazo da população carcerária e dos índices de criminalidade”, analisa a Defensora-Pública Geral Firmiane Venâncio.

“Verificamos uma manutenção do status e da realidade das pessoas presas na capital baiana que reflete essa desigualdade social e esse racismo estrutural e gera essa clientela preferencial que ingressa no sistema de justiça”, reforça Diana Furtado, diretora da Escola Superior da Defensoria Pública (Edesp).

Gênero

Quanto ao recorte de gênero, 157 mulheres passaram pelas audiências em 2023, o que representa 5,4% do total, sendo que 91,5% delas se autodeclararam pretas ou pardas (140 casos). Além disso, 80,25% das flagranteadas foram presas por crimes contra o patrimônio ou por violação à lei de drogas. 

“A gente nota que esses crimes são patrimoniais e relacionados a lei de drogas. Nós analisamos que essas mulheres são tensionadas pelos seus companheiros para ingressar na criminalidade, principalmente quando estão entrando no sistema prisional para visitas”, relata Diana.

Misael França concorda. Ele acrescenta que, neste cenário, as mulheres que visitam os companheiros e familiares em presídios se tornam "moedas de troca". "Reproduzindo o patriarcado que está na base da sociedade. Apesar de muitas liderarem facções criminosas, ainda são instrumentalizadas por seus parentes presos, para a manutenção de vícios e poder no ambiente prisional", afirma.

O relatório realizado pela Defensoria Pública baiana traçou o perfil das pessoas que passaram por audiência de custódia no último ano. A coordenadora da Defensoria Especializada Criminal e de Execução Penal Alexandra Soares conta que a pesquisa ajuda o órgão a traçar projetos voltados para a inclusão social.

Coletiva realizada pela Defensoria Pública para divulgar os dados do Relatório das Audiências de Custódia de Salvador
Coletiva realizada pela Defensoria Pública para divulgar os dados do Relatório das Audiências de Custódia de Salvador Crédito: Divulgação

“Essa pesquisa nos permite dialogar com os executivos estadual e municipal para que possamos levar políticas públicas aos bairros como escolas inclusivas, integrais, acesso a saúde, com o objetivo de retirar o jovem do mundo de violência”, explica.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro