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Jesus está entre nós: veja histórias inusitadas de baianos que têm o nome do filho de Deus

Tradição do nome religioso surgiu na Idade Média, mas é atualizada com mudanças no perfil religioso do brasileiro

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 25 de dezembro de 2024 às 05:00

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Delegado baiano registrado como Jesus teve o nome escolhido pelo pai, que era muito religioso Crédito: Marina Silva/CORREIO

Seu nome é Jesus, filho mais velho de Maria, mas ele tem zero pretensões de ser um salvador. O trabalho do delegado é colocar bandidos atrás das grades, o que não o poupa de pedidos por clemência — não exatamente religiosos. Como aquele em que um ladrão fugitivo suplicou ao ser encontrado pela equipe coordenada pelo baiano da cidade de Serrinha:

“Jesus, pelo amor de Deus, não me entregue a Jeová”. Nem Jesus, nem Jeová (um investigador da Polícia Civil batizado com um dos nomes atribuídos a Deus) puderam ceder ao pedido. A súplica, em todo caso, era uma piada pronta. “Não teve como não rir", recorda o delegado de 48 anos. “Tenho algumas histórias com esse meu nome".

Isso era algo esperado. Jesus, afinal, é uma das 704 pessoas registradas com esse nome religioso na Bahia, a sexta menor proporção do país. A maior parte delas (20%) nasceu entre os anos 1950 e 1960.

Os nomes religiosos têm saído de cena em um contexto de mudanças socioeconômicas e do perfil religioso do brasileiro, acreditam os próprios “Jesus” baianos e registradores civis. O nome “Jesus” vem do hebraico Yeshua, que significa "Yahweh é salvação" ou "Deus é salvação". Para os cristãos, Jesus é o filho de Deus, e o dia 25 de dezembro foi o escolhido para simbolizar seu nascimento — razão pela qual católicos e parte dos protestantes celebram o Natal nesta data.

É por isso que há conhecidos do Jesus de Serrinha que juram que o aniversário dele é na noite do Natal. Pensam que ele se chama assim por ter nascido em um dia considerado sagrado por cristãos. “Mesmo dizendo e jurando que não é meu aniversário, me dão parabéns”, conta.

O nome dele, é claro, é uma homenagem, mas não ao Natal. O pai de Jesus, Carlos Reis, era um homem religioso. Quando a esposa, Maria, engravidou do primeiro filho do casal, não houve dúvidas: Jesus seria o nome do bebê.

Mas Carlos gostava de nomes compostos, era um pouco “excêntrico”, segundo o filho. “Acho que achava o próprio nome muito simples, e queria compensar um pouco", diz, com bom humor, o primogênito. No dia 4 de junho de 1976, nasceu Jesus Pablo Lima Oliveira Reis Barbosa.

“Pablo” também tem origem religiosa: é a variação espanhola de Paulo, um dos apóstolos mais celebrados do cristianismo. O Jesus de Serrinha, no entanto, não escolheu onde seria Jesus ou Pablo. “Sempre fui bem resolvido com meu nome". No interior, os colegas elegeram Pablo. Já em Salvador, para onde ele se mudou aos 14 anos, venceu o Jesus — ou alguma variação, tipo Jésus ou “Jisus” (pronúncia em inglês do nome).

Em Barrocas, uma das cidades baianas onde ele trabalhou como delegado, policiais arriscavam trocadilhos com o nome do chefe. Brincavam ser da “equipe de Jesus", como se fossem apóstolos. 

Se utilizassem apenas esse título para se apresentar a colegas, os policiais poderiam ser reconhecidos sem esforço. Desde o início da carreira, Jesus só foi apresentado a um policial homônimo, na ativa em Minas Gerais. Fora do serviço, ele conheceu outros dois Jesus. “Eram espanhóis, do Instituto de Cervantes, onde estava fazendo um curso".

A situação provocou um “encontro inusitado”, recorda Jesus. “Eram quatro Jesus em uma sala só”, diz, “o outro era o próprio Jesus Cristo”.

Nome é mais comum na Espanha

O fato de encontrar dois Jesus espanhóis em um mesmo ambiente é justificado. Na Espanha, diferentemente do Brasil, o nome Jesus é comum. Essa tradição reflete a dimensão da influência do cristianismo na cultura espanhola.

Historiadores como Miryam Matthews, Yuval Goren e Kerstin Hunefeld, que se dedicaram a pesquisas sobre o léxico do nome “Jesus” explicam que, no final da Idade Média, havia a tradição de abandonar o próprio sobrenome ao adotar a vida religiosa. Um dos símbolos dessa conversão era acrescentar o “de Jesus", “da Cruz", ou, ainda “dos Santos".

Aos poucos, o segundo nome cristão, como Jesus, virou o primeiro. Entre as mulheres, o mais popular era “Maria Jesus". “Encontrar um Jesus na Espanha é tão comum quanto encontrar um José, no Brasil. O catolicismo é muito forte", conta a professora de educação física e instrutora de Yoga Gracia Garib Soriano, filha de espanhol, que morou na Espanha nos anos 80 e mantém vínculos familiares no país.

A importância é tanta, conta Gracia, que “o dia do santo chega a ter mais importância que o próprio aniversário de alguém batizado com o nome daquele santo". “Cumprimentar pela data é comum. Chega a ser falta de educação não fazer", explica ela, prima de espanhóis chamados Antônio, Imaculada, Maria Jesus etc.

Os estudos não explicam por que essa tradição não se firmou com tanta força no Brasil, depois da colonização portuguesa. Por aqui, a escolha pelo nome “Jesus", inclusive, nem sempre é religiosa.

A tradição dos nomes religiosos

Para Jesus de Salvador, 62 anos, é uma honra ter “o nome do mestre”, ainda que ele não se chame assim por uma homenagem ao “filho de Deus”.

“Eu nem era Jesus. Eu me chamava “Dejesus”, uma homenagem a meu padrinho, que se chamava assim, e pediu para minha mãe, grávida de sete meses, me batizasse com esse nome”, recorda o comerciante, natural de Castro Alves, no recôncavo Baiano, cristão da Congregação Cristã do Brasil, parte da ala pentecostal que não celebra o Natal, por crer que a bíblia “enfatiza não o nascimento de Jesus, mas sua morte".

Entre amigos na cidade natal, ele nunca foi conhecido como Jesus ou Dejesus. “Me chamavam de Quintino ou Tino”, ri ele, “não sei o motivo”. Na época em que ele nasceu, as famílias mais pobres de cidades pequenas costumavam batizar a criança na igreja e só no futuro, se muito, levavam a certidão de batismo ao cartório para registrar oficialmente o novo brasileiro.

No caso de DeJesus, a família nunca levou adiante o registro, o que ele só descobriu aos 18 anos. Como precisava de um RG para apresentar no dia do alistamento obrigatório no serviço militar, o jovem foi até a Igreja buscar o “batistério” — papel religioso que reserva informações do batismo da criança, como nome dos pais e dia do nascimento.

“Lá, a secretária me disse que eu não tinha sido registrado como ‘Dejesus’, mas como Jesus”, lembra ele, que adotou de bom grado o novo nome.

Desde então, acostumou-se a ouvir algumas brincadeiras. Uma delas é clássica: o telefone toca no balcão e o comerciante atende. “Como é seu nome?”, pergunta o interlocutor. “Jesus”, responde ele.

“Aí começa aquela coisa de “já que ‘tô’ perto do céu”, brinca. “Mas não é nada que me incomode”. Tanto que ele decidiu dar aos três filhos nomes inspirados na bíblia: as gêmeas se chamam Hosana e Rosana (uma modernização do Hosana), e o caçula Elias.

Os nomes religiosos como Jesus, no entanto, parecem não estar na lista de preferências dos pais. “Os baianos até gostam de nomes bíblicos", perfila a registradora civil Samantha Carvalho, diretora do Registro Civil de Pessoas Naturais da Associação dos Notários e Registradores do Brasil da Bahia (Anoreg). “Mas não de Jesus, é bem raro. E outros nomes são bem mais comuns que os religiosos".

Dos 20 nomes masculinos e femininos mais escolhidos por baianos em 2024, de acordo com a Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen), apenas três têm inspirações bíblicas - Miguel, Noah (derivado de Noé) e Maria (que aparece na lista complementado por Cecília ou Alice).

Na última década, Samantha observa o que pode ser uma tendência. “Tenho visto cada vez mais evangélicos adotando nomes do velho testamento da Bíblia, como Davi, Isaias", exemplifica. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda não divulgou os dados do Censo Demográfico de 2022 referentes ao perfil religioso do Brasileiro. Entre 2000 e 2010, o número de evangélicos já tinha saltado de 26 para 43 milhões.

O delegado Jesus vê de perto as mudanças nos nomes antes inspirados no cristianismo. Durante uma viagem a Israel, a esposa dele, Fernanda, prometeu: se engravidasse de um menino, ele seria Jesus; se viesse uma menina, Maria. “Aí ela engravidou de uma menina. Mas Maria virou um nome composto: Maria Eduarda". Na escola, a garota é amiga de outras duas Marias. Na turma, não há nenhum jovem Jesus.