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Bruno Wendel
Publicado em 24 de março de 2025 às 05:00
Rivais desde 2016, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) firmaram em fevereiro deste ano uma aliança com o principal objetivo de combater as regras impostas pelo Sistema Penitenciário Federal, onde estão presos os chefes de ambas as facções. No entanto, na Bahia, esse acordo de paz não cola. Em Ubatã, Ibirapitanga e Jequié, por exemplo, as duas maiores organizações criminosas do país disputam acirradamente o controle do tráfico de drogas nas regiões sul e sudeste do estado. Em Salvador, o CV e o Bonde do Maluco (BDM), que já foi um forte aliado do PCC, se enfrentam quase que diariamente. Mas por que aqui essa trégua não se aplica aqui? >
Um relatório de inteligência da Secretaria Nacional de Políticas Penais traz um alerta sobre o acordo de cooperação entre as duas maiores organizações criminosas do país. O promotor de justiça de São Paulo, Lincoln Gakiya, que investiga o PCC há pelo menos 20 anos, diz que a trégua já está valendo nas principais capitais. “A gente já observou que esses comunicados foram encontrados em celulares de presos em nove estados e, de fato, está correndo. Mas cada estado pode ter condição peculiar. O PCC tem atuação em todo o Brasil, mas segue os líderes de São Paulo. Já o Comando Vermelho, não é assim. Cada estado tem a sua autonomia. Ou seja, o CV na Bahia é independente do Comando Vermelho do Rio de Janeiro”, pontua Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPE-SP. >
O sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), diz que “o que se conhece das dinâmicas do CV e do PCC, existem algumas diferenças que são bastante marcantes”. “O PCC tem uma organização que é mais orgânica do que aquela do Comando Vermelho, que mesmo aqui no Rio de Janeiro, uma aliança entre donos de morro, uma espécie de articulação de interesses nos quais os donos de morro sempre tiveram muita autonomia e poder e horizontalidade entre os seus membros. Claro, internamente, nos morros, havia uma grande hierarquia que terminava com a figura do dono do morro e em seguida do frente de morro. Quando o Comando Vermelho passa a tua em outros estados, lideranças e outros estados aparecem um pouco como esse personagem da organização originária do CV”, conta Hirata. >
Segundo ele, tal comportamento da facção “me parece contar a favor do CV na construção das suas alianças com outros grupos de outros estados, ou seja, uma autonomia maior com relação à organização do estado originário, no caso do Rio de Janeiro”. Já o PCC “tem organização que funciona a partir de um sistema de posições”. “Nos quais as pessoas que ocupam essas posições têm de alguma maneira estar vinculadas às sintonias, como eles chamam, que são formas de estruturação das relações entre as pessoas que ocupam essas posições”, explica. >
Na visão do pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Bruno Paes Manso, por mais que tenha sido feito esse acordo entre as lideranças, a partir dos presídios federais, nos estados “foi ponderado que havia realidades locais que não seriam necessariamente resolvidas de mediato”. “Então, ao que parece, é um processo que eles já sabiam que não tinham condições de impor de cima para baixo. De alguma forma, funcionou em alguns estados do Brasil, alguns presos do PCC foram transferidos para a cela do Comando Vermelho. Isso tudo já era levado em consideração quando esse acordo foi firmado, segundo os informes da inteligência”, declara Manso, que faz referência ao relatório do Ministério da Justiça, que revelou a aliança inédita entre as duas organizações. >
Confrontos >
Em Salvador, no último dia 17, dois homens morreram e outro ficou ferido durante confronto entre o BDM e CV em Fazenda Coutos. Embora tenha se aproximado do Terceiro Comando Puro (TCP), que é também rival do CV, o BDM não teria rompido de vez com o PCC, apesar do distanciamento da organização paulista para expansão internacional, pois ambos têm um inimigo em comum. >
Uma das lideranças do PCC na Bahia, Marcos Antônio dos Santos Xavier, o “Juca”, foi preso pelas Ficco (Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado) da Polícia Civil no último dia 6 de fevereiro deste ano. O traficante foi alcançado em Santa Catarina, de onde, de lá, exercia um papel forte na guerra contra a expansão do CV no município, bem como em outras cidades, como Itiruçu, Boa Nova, Manoel Vitorino, Iaçu e Valentina. Embora custodiado, estaria exercendo ainda sua influência na organização. >
Juca do PCC atua também em Jequié, no Sudoeste baiano. Devido à guerra contra o CV, o município, em 2022, teve a maior taxa de homicídio por 100 mil habitantes do país, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Na época, a cidade registrou 88,8 óbitos para cada 100 mil pessoas. Em 2023, a cidade foi a terceira mais violenta nesse mesmo quesito, com 84,4 homicídios por 100 mil habitantes. >
O PCC está presente também em Ubatã, no Sul. No entanto, ao longo dos anos, sua força foi reduzida. Atualmente, a organização internacional está concentrada no bairro Alto da Bela Vista, enquanto sua arquirrival, o CV mantém o controle dos pontos de venda e distribuição de drogas nas localidades de Várzea, Londrina, Júlio Aderne, Dois de Julho, Relíquia e Comunidade da Bica. A liderança do PCC na região é compartilhada entre “Bruxo” e “Cipan”, ambos acusados de crimes como roubo, assalto a banco e homicídio. Eles tentam recuperar incansavelmente os espaços perdidos para “Real”, gerente do CV na cidade. >
Em Ibirapitanga, também existe a rivalidade entre as duas organizações criminosas. O ápice da violência está concentrado em duas localidades. O Bairro do Cigano, que ainda é PCC, e o Bairro Novo, que antes era dominado pelo grupo paulistano, mas hoje é comandado pela organização carioca. >
Trégua >
Em fevereiro deste ano, veio à tona um relatório de inteligência da Secretaria Nacional de Políticas Penais que revelou um possível acordo de cooperação entre PCC e Comando Vermelho. O documento traz detalhes do que seriam ações coordenadas para tornar menos rígido o tratamento de presos perigosos no sistema penitenciário nacional. Com base nas gravações feitas com autorização judicial, foram reveladas as conversas entre internos e seus advogados dentro do sistema prisional. >
Nas unidades federais, consideradas de segurança máxima, os presos cumprem pena no regime disciplinar diferenciado (RDD): ficam isolados em cela individual monitorada por câmara, com saídas diárias para banho de sol por apenas 2 horas. Só são permitidas visitas de suas pessoas por semana, mas sem o contato físico. Lá, não há regalias como ver televisão, ouvir rádio, ler jornais e revistas, nem internet ou celular. >
A trégua entre o PCC e o CV teria sido costurada dentro dos presídios federais, por advogados dos líderes Marco Willian Herbas Camacho, o Marcola, e Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, respectivamente. As primeiras tratativas da conciliação ocorreram ainda em 2019, segundo o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo. >
Os dados coletados pelo governo paulista junto às inteligências das Polícias Militares de 26 estados e do Distrito Federal dão conta de que a aliança foi constatada nos estados de Minas Gerais, Amazonas, Acre, Roraima, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe. >
"As mortes devem diminuir, ao mesmo tempo, em que o narcotráfico será potencializado, porque as duas maiores organizações criminosas poderão otimizar a rota do tráfico internacional de drogas e armas, de fornecedores. É o fortalecimento ainda maior dessas organizações criminosas", declara Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPE-SP. >