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Por que a noite do dia 1º de fevereiro no Rio Vermelho tem sido mais concorrida do que o dia 2?

Admiradores e adoradores de Iemanjá têm feito do dia 1º de fevereiro um momento de fé e curtição semelhante ao tradicional 2 de fevereiro

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 30 de janeiro de 2025 às 02:00

Festa de Iemanjá já no amanhecer
Festa de Iemanjá já no amanhecer Crédito: Vinícius Harfush

Nos últimos anos, o Largo do Rio Vermelho tem registrado o crescimento do público que toma conta das ruas no bairro na noite do dia 1º de fevereiro. Por volta das 23h, o movimento é tão intenso que, independentemente do dia de semana, parece feriado. A presença de pessoas ocorre em antecipação ao Dia de Iemanjá. Durante a madrugada do dia 2 de fevereiro, são inúmeros os adoradores e admiradores da divindade que levantam antes do sol raiar – ou nem dormem – para deixar um presente para a orixá. O que era exceção, no entanto, tem se tornado popular e concentrado um número de religiosos quase tão grande quanto no período de celebrações diurnas.

Enquanto as pessoas chegam com várias horas de antecedência ao Rio Vermelho, é realizado, no Dique do Tororó, a tradicional entrega do presente à Oxum, a orixá das águas doces. Reza a lenda transmitida pela oralidade que ela é presenteada primeiro para não causar ciúmes à Rainha do Mar e, durante a cerimônia de entrega, quem é filho de Iemanjá também deve comparecer. Isso, no entanto, não é seguido por todos, já que muitos daqueles que são apegados à dona das águas salgadas preferem garantir um momento de conexão com a orixá.

Em busca de tranquilidade

Esse é o caso de André Nery, babalorixá do Terreiro Casa da Vitória, em Lauro de Freitas, que participa todos os anos das homenagens para Iemanjá. “Eu prefiro ir à noite, antes da festa, justamente porque, ao chegar no Rio Vermelho nesse horário, eu pego uma energia melhor. Ainda não tem muita bebida ou energia negativa, então eu e meus filhos conseguimos nos concentrar melhor para oferecer o presente e não pegamos a agonia de tanta gente”, diz.

Segundo André, há um preparo de dias para elaborar o presente para a Rainha das Águas. Tudo é feito com uma semana de antecedência e requer dos adoradores da divindade um resguardo de sexo e álcool para poder tocar nos objetos que vão compor a oferenda. O momento é encarado com tamanho rigor religioso que, logo após a entrega, os filhos de santo voltam para o terreiro para rezar para a orixá.

Na perspectiva do babalorixá, tem sido o maior entendimento dos preceitos religiosos que tem levado tantas pessoas a buscar um espaço próximo as águas do Rio Vermelho, durante a noite do dia 1º e madrugada do dia 2 de fevereiro. Ele ressalta que, quem comparece nesse horário, costuma ter um caráter mais religioso, ainda que isso não isente as ruas do bairro da presença de quem também só quer curtir.

Sagrado e profano

Mesmo na véspera do festejo, a coexistência do sagrado e do profano é nítida. Não à toa, o bar Beco dos Artistas, por exemplo, que é um dos famosos points do Rio Vermelho, estenderá o horário de funcionamento na véspera e no dia de Iemanjá. Segundo colaboradores do estabelecimento, o local, que costuma fechar à 1h do sábado e só abrir às 21h do domingo, funcionará no sábado (1º) até 3h e voltará a abrir as portas ao meio-dia de domingo (2), tendo, portanto, uma pausa de apenas nove horas. O período a mais de operação é para suprir a sede de álcool dos curtidores de plantão e turbinar os lucros.

O jornalista, publicitário, escritor e pesquisador Nelson Cadena acredita que é a parte profana que tem alçado à noite de1º de fevereiro como um dia importante. “Uns três ou quatro dias antes, o povo começa a ficar até meia-noite naquela área da Casa do Peso. No dia 1º, depois da madrugada, tem a Alvorada e, antes disso chega o presente especial. Então, reúne muita gente, mas não com a mesma força, energia e fé que nós vemos no dia 2 fevereiro”, ressalta.

Para Vilson Caetano, babalorixá, antropólogo, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador da cultura afro-brasileira, variados fatores explicam a consolidação da concorrência da noite do dia 1º com a celebração do dia seguinte. “A pista está na chegada do presente principal às 5h da manhã. As pessoas têm curiosidade [de ver]. Depois, tem o calor e a quantidade de pessoas durante o dia 2. Na madrugada, é possível até se conectar mais com esse sagrado”, aponta.

O antropólogo ainda lembra da conexão histórica das homenagens à Iemanjá com o Rio Vermelho. “Nas últimas horas do dia 1º, se arreia o presente no Dique para a deusa dos ijexás. Foi um candomblé de nação Ijexá quem organizou por primeiro o presente do Rio Vermelho, ainda quando se tinha o rio. O candomblé se chamava Língua de Vaca e foi fundado por uma crioula chamada Júlia Bugan. Este é um dos motivos da festa iniciar na véspera e raiar as primeiras horas da madrugada do dia 2 de fevereiro, ocasião em que o presente principal chega a Casa dos Pescadores”, conta.

Maria José Góes, que integra a direção-executiva da Associação dos Moradores e Amigos do Rio Vermelho (Amarv), é uma das admiradoras de Iemanjá que gosta de assistir ao presente chegar. Ela sai de casa por volta das 5h e se junta à multidão para presentear a orixá. “A calmaria da madrugada, junto com o nascer do sol, é um momento muito forte em que a gente se conecta com a divindade e o sagrado. Isso nos leva a algo muito profundo. É muito melhor conversar com a entidade e fazer os pedidos nessa calmaria”, defende.