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PM é acusado de tentativa de homicídio e ameaças contra cantor e dona de bar gay no Pelourinho

Vítimas apontam homofobia

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 27 de janeiro de 2025 às 05:00

PM é acusado de tentativa de homicídio e ameaças contra cantor e dona de bar gay no Pelourinho
PM é acusado de tentativa de homicídio e ameaças contra cantor e dona de bar gay no Pelourinho Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A marca deixada pela pólvora no boné branco não deixa dúvida de que o disparo foi à queima-roupa. “Ele colocou o cano da arma debaixo do meu queixo e atirou. Na hora, me joguei para trás e a bala passou raspando” conta o músico Antônio Jorge Santos Souza, 39 anos, que acusa um soldado da Polícia Militar de tentativa de homicídio, durante apresentação no Bar do Fua, Pelourinho, point LGBTQIAPN+.  O crime é apurado pela 1ª Delegacia (Barris). O mesmo PM foi denunciado na Corregedoria da Polícia Militar por ameaça e perseguição pela proprietária do estabelecimento.  

“O meu bar funciona aqui há mais de 70 anos. Foi de meu pai. Depois que ele morreu, tomei a frente e nunca houve problema, com ninguém. Tudo isso porque há quatro anos resolvi transformar o bar num local da diversidade. As pessoas LGBTs se sentem acolhidas aqui, num ambiente tranquilo”, declara Tatiane de Oliveira Dória, 48, que acredita que o motivo seria homofobia. Segundo ela, o PM mora perto do bar e age sempre à paisana (sem farda). “Quando ele bebe, é sempre assim. Hoje, em me sinto oprimida, sem poder trabalhar. Acho que o governador não quer um policial desse, que suja a imagem da corporação. Ele quer um digno, que possa proteger a população”, desabafa ela, que também prestou queixa na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), onde pediu uma medida protetiva contra o policial.    

O cantor Antônio Jorge escapou da morte
O cantor Antônio Jorge escapou da morte Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O Bar do Fua funciona próximo à Praça Quincas Berro d’Água. Segundo Tatiane, foram diversas ações violentas e discriminatórias por parte do PM, que também é morador do Pelourinho e que sempre à paisana, quando está fora de serviço e sob aparente embriaguez, tem cometido vários crimes, contra a proprietária do bar, funcionários e seus clientes, tudo isso motivado por preconceito e perseguição. “Ele já entrou aqui e deu um tapa no rosto de um cliente, nada tinha feito a ele. O rapaz veio buscar a tia, que tinha bebido e não ia voltar dirigindo. O menino estava de cabeça baixa, mexendo no celular, quando foi agredido”, conta Tatiane.  

A situação escalou de ameaças e resultou na tentativa de homicídio contra Antônio Jorge, o “Tom Sofrência”, cantor contratado do estabelecimento, no dia 21 de dezembro do ano passado. O policial disparou uma pistola a poucos centímetros do rosto do músico, atingindo seu boné. Neste dia, o soldado entrou já dizendo que ia matá-lo . “Fiquei sem entender. Já sabendo que ele é uma pessoa problemática, no intervalo de uma música, perguntei a ele o porquê da ameaça, o que eu teria feito. Ele me puxou pela camisa e colocou a arma embaixo do meu queixo. Foi quando fui para trás e o tiro atingiu o boné. Até quando vai acontecer isso. Por pouco não verei estatística”, declara.  

O músico está apavorado. “Em 15 anos de carreira, nunca me senti com a minha vida ameaça, como hoje. Eu não estou podendo trabalhar, viajar, não estou podendo fazer a minha função direito, porque tenho medo do que ele possa fazer. Minha vida se resume a isto aqui (mostra o boné atingido e a capsula da bala)”, conta ele.  

Ameaças

De acordo com Tatiane, o militar em questão já fez inúmeras ameaças. “Sempre que ele bebe, chega aqui e começa a dizer que vai matar todo mundo. Às vezes fica do outro lado da rua, com a arma na cintura, olhando direito para o meu bar. Outro dia chegou e começou a tirar fotos de mim, da minha família. Pra quê? O que é que ele vai fazer com as imagens? Eu tenho duas filhas e uma mãe idosa que vivem em pânico por causa dele. Eu pago os meus impostos em dia e preciso trabalhar para sustentar a minha família”, declara a proprietária.

Tatiane diz que o motivo da perseguição e ameaça é homofobia
Tatiane diz que o motivo da perseguição e ameaça é homofobia Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Além das intimidações, a comerciante relata que está sendo vítima também de perseguição. “Ele liga toda hora para a Sucom (Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município) fazendo denúncia de poluição sonora, mas quanto os agentes chegam aqui, constatam a mentira dele. Aqui é um bairro comercial e, apesar de eu ter autorização da Prefeitura para funcionar até duas horas da manhã, encerro uma hora antes, porque respeito o direito do outro”, conta. 

Taiana relata ainda que constantemente viaturas têm sido descoladas para o bar. “Me sinto coagida por uma pessoa que fica ligando para a central (de polícia), dando denúncia falsa, dizendo que sou vendedora de droga, que no meu bar entram pessoas armadas. A única pessoa que sacou uma arma do meu estabelecimento foi ele, para nos ameaçar de morte. Ele quer que a gente feche, mas vamos lutar até o fim”, diz a comerciante.  “Nós somos resistência do Pelourinho. Nós movimentamos tudo isso aqui. Quando o bar abre, não é só a gente que ganha direito, são várias famílias”, completa o músico.  

O Bar do Fua  foi fundado por Nego Fua, o Galo do Maciel. Ele foi um grande incentivador do samba e era memória viva do Pelourinho, tido como o mais antigo morador, protagonista e sabedor de muitas histórias da região. 

“Diante desses atos criminosos praticados pelo agente público, já foram adotadas medidas urgentes, incluindo a formalização de denúncias junto à Corregedoria da PM, 1ª Delegacia da Policia Civil e a solicitação de medidas protetivas para resguardar a integridade das vítimas e representações judiciais para afastar o policial de suas funções. Além disso, estamos preparando ações adicionais na Justiça para responsabilizar o agente por seus atos, sobretudo pela tentativa de ceifar a vida do músico”, declara Evelyn Britto, advogada das vítimas.  

Posicionamentos   

O policial trabalha 16ª Companhia Independente, no Lobato, e foi procurado pela nossa reportagem, através de contato via celular do local de trabalho. As ligações foram realizadas na última sexta-feira (24), às 17h50 e 19h30. Na segunda tentativa, o CORREIO obteve retorno, mas o PM não se encontrava na CIPM. O espaço segue aberto. Foi solicitado um posicionamento da Polícia Civil. "A apuração está em andamento na 1ª Delegacia Territorial (DT/Barris). O Serviço de Investigação realiza trabalho de campo para levantar mais informações sobre o ocorrido e identificar testemunhas", diz nota da PC. Já a Corregedoria da Polícia Militar não respondeu até o momento.