Mãe denuncia que plano não paga tratamento de R$125 mil para criança autista; empresa nega

Decisão judicial obriga empresa a custear tratamentos de criança de 3 anos

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  • Maysa Polcri

Publicado em 10 de setembro de 2024 às 05:15

Entre as queixas das mães de autistas estão os reajustes abusivos e negativos de operadoras de saúde para que famílias contratem planos médicos.
Entre as queixas das mães de autistas estão os reajustes abusivos e negativos de operadoras de saúde para que famílias contratem planos médicos. Crédito: Shutterstock

Há mais de um ano, uma mãe trava uma exaustiva batalha judicial para que o direito do filho de três anos seja respeitado. O pequeno Rudah Correia é diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA), no grau 2, e precisa de tratamento contínuo com especialistas para desenvolver o cognitivo. Em julho do ano passado, uma decisão da Justiça determinou que o plano de saúde pagasse o tratamento. Mas os repasses financeiros, que chegam ao valor de R$125 mil, foram suspensos há quatro meses e a criança está desassistida.

A interrupção do tratamento de forma abrupta já tem impactado a vida de Rudah. A mãe Carla Correia conta que o filho tem tido mais crises e que voltou a ter dificuldades para se comunicar. “Toda a evolução que ele teve em um ano, regrediu sem o tratamento. Ele tem crises de auto regulação, regressão na fala e a quebra da rotina faz com que ele se perca totalmente e sofra muito”, diz Carla.

Os repasses financeiros deixaram de ser feitos pela Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi) à clínica em maio deste ano. Há cinco semanas, o paciente não é atendido pelos profissionais. A Justiça determinou que o plano custeasse o tratamento de Rudah Correia em julho de 2023, em caráter liminar, enquanto corre processo judicial para que todas as demandas do tratamento sejam pagas pela Cassi.

Explicações

Em nota, a Cassi esclarece que não deixa de pagar pelo atendimento prestado aos seus beneficiários. “No caso em questão, a CASSI contatou o prestador e já realizou os pagamentos das faturas que foram ajustadas, aguardando a correção das demais para concluir os pagamentos”. O plano ressalta que o tratamento realizado na rede credenciada favorece na agilidade nos pagamentos e eventuais ajustes e garante a qualidade dos serviços prestados. "A opção da família, porém, foi por manter o atendimento em prestadores não credenciados", completa.

Procurada pela reportagem, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) reforça o importante papel do Poder Judiciário na garantia do direito constitucional. No que diz respeito às decisões liminares, a Abramge defende seu cumprimento, assim como de qualquer outra decisão de natureza judicial. "Contudo, sem apoio técnico, algumas decisões judiciais acabam autorizando quebras desnecessárias de cláusulas contratuais e até situações que ameaçam a segurança do paciente, em razão de possíveis prescrições inadequadas, como tratamentos, medicamentos e marcas de materiais que não são indicadas para o tratamento do paciente", afirma em nota.

 O advogado Josias Oliveira dos Santos explica que, durante o andamento do processo, a empresa é obrigada a cumprir a decisão judicial. “O pedido de tutela de urgência foi deferido no ano passado, determinando que a empresa, em dez dias, custeasse o tratamento em certa clínica, conforme foi prescrito pela médica que acompanha a criança”, esclarece.

Em 9 de agosto, uma nova liminar judicial determinou que a Cassi faça um depósito no valor de R$125.635, em até 48 horas, para que sejam pagas as despesas médicas devidas às clínicas. A decisão não foi cumprida pela empresa e, por isso, Rudah Correia segue sem tratamento. Antes da suspensão, a criança era submetida a 40 horas por semana de terapia, com sessões com fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e psicólogo. O tratamento, que segue o método Denver, foi prescrito por uma neurologista infantil.

Constrangimento

“É um constrangimento muito grande, além do desespero de ver seu filho regredir sem o tratamento. Em um ano de tratamento, ele saiu de quatro palavras para um vocabulário de mais de 200 palavras. Desde que as consultas foram interrompidas, ele praticamente parou de falar”, conta Carla Correia.

A mãe de Rudah faz parte de um grupo de mães que têm filhos integrantes do espectro autista. Entre as queixas delas estão os reajustes abusivos e negativos de operadoras de saúde para que famílias contratem planos médicos.

A psicopedagoga Edneide Barros, integrante da Associação de Amigos do Autista da Bahia (AMA), avalia os impactos da suspensão de tratamentos de pacientes do espectro autista. “Os médicos costumam indicar profissionais multidisciplinares para o tratamento, e a interrupção pode causar regressão nos processos da fala, desfralde e alimentação”, afirma.

As negativas de planos de saúde em oferecer tratamento para pessoas do espectro autista estão por trás do aumento das irregularidades constatadas pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), segundo Thelma Leal, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do Consumidor (Ceacon). Neste ano, o MP-BA já instaurou 40 procedimentos para apurar supostas irregularidades, o que representa um aumento de 74% em relação ao ano anterior, quando foram 23.

“Precisamos que os profissionais prescrevam os tratamentos de forma correta para que eles sejam cobertos pelos planos de saúde. Em caso de negativa, os responsáveis devem recorrer ao judiciário e tentar, através da Agência Nacional de Saúde Suplementar, um acordo”, disse Thelma Leal, durante seminário que discutiu as principais questões sobre os planos de saúde na Bahia. O evento foi realizado em Salvador, na segunda-feira (9).

Determinações

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa que é proibida a prática de seleção de riscos pelas operadoras de planos de saúde no atendimento, na precificação, na contratação ou na exclusão de beneficiários em qualquer modalidade de plano de saúde. "Nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano de saúde em função da sua condição de saúde ou idade, não pode ter sua cobertura negada por qualquer condição e, também, não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos. Nos planos coletivos, empresarial ou por adesão, a vedação se aplica tanto à totalidade do grupo quanto a um ou alguns de seus membros. Esta vedação está disposta na Súmula Normativa 27/2015", esclarece a nota enviada para a Redação do Correio.

Em julho de 2021, a ANS publicou a RN 469/2021, que garantiu aos beneficiários portadores de transtornos globais de desenvolvimentos (CID F84), no qual se inclui o Transtorno do Espectro Autista, acesso a número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, o que se somou à cobertura ilimitada que já era assegurada para as sessões com fisioterapeutas. Nesse período, também foi instituído um grupo de trabalho na ANS para dar seguimento às discussões sobre o atendimento aos beneficiários com TEA na saúde suplementar.

Em junho de 2022, a ANS determinou a obrigatoriedade de cobertura para quaisquer técnicas ou métodos indicados pelo médico assistente para o tratamento de pacientes com Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD), entre os quais estão os com transtorno do espectro autista (TEA). Assim, terapias como os métodos Applied Behavior Analysis (ABA), Denver e Integração Sensorial passaram a ser contemplados na saúde suplementar, com a publicação da RN 539/2022.