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Yan Inácio
Publicado em 13 de abril de 2025 às 14:00
Quase dois meses depois da prisão de quatro homens que se intitularam pintores corporais para coagir turistas mexicanos e extorquir mais de R$ 300 deles na Barra, os verdadeiros artistas da pintura denunciam estar sendo impedidos de trabalhar por policiais do Batalhão Especializado de Policiamento Turístico (BPtur) no Centro Histórico de Salvador.
Segundo um dos pintores corporais que trabalha e mora no Pelourinho, as abordagens acontecem há algumas semanas, mas se intensificaram na última terça (8). “Eles abordaram a gente e alegaram que estava proibida a atividade de pintura e que era para a gente fazer outra coisa, como vender água, porque senão a gente ia ser conduzido por extorsão”, detalhou o homem que preferiu não se identificar por medo de represálias.
“Alguns policiais estavam xingando alguns pintores, falaram que eram marginais, vagabundos e perseguiram alguns colegas, tomaram a tinta e o pincel de um colega meu”, relatou outra trabalhadora do ramo que estava no local e também pediu para não ter o nome revelado.
Outro pintor, também em anonimato, disse que foi obrigado pelos policiais a deletar os vídeos que gravou da ação. “Eu comecei a filmar e eles vieram até mim e disseram ‘apague, que você não tem direito de fazer imagens da gente, não’. Aí ele apagou o vídeo”, contou.
Os trabalhadores argumentam que estão sendo perseguidos pela polícia por conta da falta de atualização do cadastramento para atuar no ofício pela Secretaria de Ordem Pública (Semop) e que o assédio aumentou depois que o tenente-coronel Gabriel Neto assumiu o 18º Batalhão da Polícia Militar no Centro Histórico, em junho de 2024.
“Ele está encurralando os pintores devido à falta de crachá. Inclusive, eles falaram que era para a gente ter a nossa associação”, denunciou a mulher. Ela acrescentou que mesmo após o cadastro na Associação dos Trabalhadores Autônomos Micro Empreendedores e Empresários Individuais do Brasil (Atmei), localizada no Campo da Pólvora, a perseguição teria continuado.
A Semop disse à reportagem que em novembro de 2024 houve nova convocação para recadastramento dos profissionais e prorrogação do prazo e que no mês seguinte, se reuniu novamente com o grupo para formar um consenso sobre a cobrança pelos serviços. O órgão também afirmou que não conhece esse caso em específico e por isso não tem como avaliar a pendência.
Em nota, a Polícia Militar informou que não registrou nenhuma denúncia sobre perseguição a pintores credenciados no Centro Histórico. A corporação também afirmou que o Batalhão Especializado de Policiamento Turístico (Beptur) “vem intensificando ações preventivas na região, com foco no combate a práticas ilícitas, como a extorsão praticada por falsos pintores”.
Credenciamento
Os pintores ouvidos pela reportagem fazem parte dos 37 que são credenciados pela Semop para atuar na região. De acordo com o órgão, em 2023 houve o cadastramento e a qualificação para atuação no Centro Histórico, quando foi concedido material para o exercício da atividade por um ano, além de orientações de abordagem a clientes e precificação do serviço prestado.
A ação ocorreu em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda (Semdec), a fim de evitar assédio a turistas, extorsão e cobrança abusiva, denúncias recorrentes à época, no que se referia a esse serviço específico.
Em nota, a secretaria afirmou que fiscaliza essa e outras atividades sob sua atribuição e que não pode opinar sobre a denúncia por conta da legitimidade e autonomia das polícias para atuar nesses casos, “sendo leviana a emissão de opinião pela Semop sem o devido conhecimento do caso específico”, declarou o órgão.
Fama manchada por malfeitores
A denúncia acontece depois que quatro homens foram presos por coagir turistas mexicanos e extorquir mais de R$ 300 deles no Farol da Barra no dia 25 de fevereiro deste ano. Segundo a PM, a quadrilha também agia no Centro Histórico e a cobrança era de R$ 100 para cada braço e R$ 70 por perna.
A prisão foi realizada por agentes do BPTur. Os suspeitos foram conduzidos para a Delegacia de Proteção ao Turista (DELTur), onde foram autuados em flagrante, e respondem por extorsão e pelos crimes de roubo e furto. Os pintores credenciados relatam que o ocorrido teria manchado ainda mais a imagem da categoria.
“Porque qualquer um pode pegar um pote de tinta, um pincel, se aproveitar, e aí ninguém vai querer saber quem é quem, porque tem profissionais que trabalham correto”, disse a pintora.
“A gente está sendo impedido de fazer nossas atividades, sendo que sustentamos nossas famílias [com isso]. Eu mesmo tenho um filho de 4 anos e eu sustento minha família através da pintura corporal, que foi o que eu me capacitei para fazer. Também tem a baiana que tira foto e tem os vendedores de colar. Por que essa perseguição com a gente?”, desabafou um dos pintores.