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Maysa Polcri
Publicado em 24 de fevereiro de 2024 às 05:30
Para a maioria das pessoas essa é uma realidade distante, mas que ainda faz parte da rotina de milhares de baianos. No estado, mais de 182 mil pessoas vivem em domicílios que não possuem sequer um banheiro. A situação precária foi revelada pelos dados do Censo 2022, na sexta-feira (23), e escancara as desigualdades sociais no estado. Diante da ausência do que é básico, moradores ficam sujeitos a doenças graves.
As informações apontam que entre 2010 e 2022, a proporção de moradores em domicílios sem banheiros teve queda expressiva na Bahia, saindo de 8,6% para 1,3% da população. Mesmo assim, o estado é o segundo do país a ter, em números absolutos, pessoas vivendo nessas condições, atrás somente do Maranhão (257 mil).
“Mais do que números, vemos que são populações negligenciadas que vivem nas áreas com grandes deficiências em infraestrutura. São populações com maior grau de vulnerabilidade social e ambiental, que dependem do Sistema Único de Saúde”, destaca Renato Barbosa Reis, professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador.
Entre os problemas causados pela ausência de saneamento básico, direito garantido por lei, estão as chamadas doenças tropicais negligenciadas (DTNs). “Elas são frequentes nas populações marginalizadas onde existe pouco incentivo para a pesquisa e desenvolvimento de fármacos. São, normalmente, infecciosas e causadas por vírus, bactérias ou parasitas”, completa o professor. Esquistossomose e leptospirose são alguns exemplos.
Na Bahia, a cidade que mais possui moradores vivendo sem banheiro em casa é Pilão Arcado, onde 21,1% dos habitantes não têm sanitários em casa. Também são destaques negativos Chorrochó (19%) e Pedro Alexandre (16,4%). No outro extremo, apenas 0,02% dos moradores de Salvador vivem em residências sem banheiro - o que representa 476 pessoas, segundo o IBGE.
Em 2020, foi sancionado um novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil, Lei 14.026/2020. Entre os objetivos estão que 99% da população tenha acesso à água potável e que 90% possa contar com os serviços de tratamento e coleta de esgoto até o final do ano de 2033. Para o professor Renato Barbosa Reis, no entanto, falta “força de vontade” dos governantes para atingir as metas.
A reportagem entrou em contato, por e-mail, com as assessorias de imprensa das pastas do governo do estado que poderiam se manifestar sobre os dados divulgados pelo IBGE: Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur), Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) e Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi). Nenhuma das pastas deu retorno até o fechamento desta edição.
O módulo divulgado pelo IGBE com base nas respostas de brasileiros sobre as características dos seus domicílios no Censo 2022, joga luz para outros temas ligados ao saneamento básico. A coleta de lixo é um deles. Mesmo quando realizada de segunda a sexta, o serviço é incipiente em certas localidades.
Eduardo Luz é morador de Cajazeiras XI e analisa que faltam pontos de coleta, o que causa transtornos, especialmente em períodos chuvosos. “Na Rótula da Feirinha, o epicentro de Cajazeiras, quando a chuva é intensa, acontece das ruas ficarem alagadas porque as bocas de lobo entopem devido o acúmulo de lixo”, diz.
A Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb) se posicionou sobre a coleta de resíduos na localidade e informou que “a coleta em Cajazeiras X é feita de domingo a domingo pela manhã, com repasse no turno da tarde. Em locais de difícil acesso, que não permitem a entrada de caminhões compactadores, são disponibilizados contêineres para que os resíduos sejam acondicionados e coletados posteriormente”. Em Salvador, 98,1% da população tem acesso ao serviço, e a cidade está na 17ª posição entre as capitais.
Enquanto Salvador viu o número de habitantes diminuir no Censo 2022, cidades próximas vivem um expressivo aumento de população. Sem espaço suficiente, a saída é a verticalização. É o caso de cidades como Lauro de Freitas, onde a proporção de pessoas que moram em apartamentos saltou de 6% para 25% em 12 anos. A cidade, que é a mais povoada do estado, está próxima de alcançar a capital, que tem 26% dos habitantes morando em prédios.
Julia Villa Nova, 23, mora em Lauro de Freitas e enfrenta as consequências do crescimento descontrolado da cidade. Para a estudante de nutrição, a infraestrutura urbana não acompanha o aumento populacional. “De dois anos para cá, eu sinto que o trânsito piorou muito. Minha rua, por exemplo, não tinha trânsito como tem hoje. Acredito que com a quantidade de novos prédios sendo construídos, a tendência é piorar”, diz.
À primeira vista pode não parecer, mas as desigualdades raciais também são evidenciadas no módulo da pesquisa. Apesar de representarem apenas 19% da população baiana, as pessoas brancas somam 29% dos moradores de apartamentos e 25% dos moradores de casas de vilas e condomínios do estado.
A Bahia tem o segundo maior contingente de pessoas vivendo em cortiços do Brasil, na cidade de Luís Eduardo Magalhães, no oeste do estado. No município, são 2,8% da população de 107 mil habitantes vivendo em ‘casas de cômodos’ ou cortiços. O que caracteriza essas moradias, segundo o IBGE, são os cômodos que funcionam como domicílios. As habitações são conhecidas como ‘barracões’. São minicasas que possuem quarto, banheiro e cozinha. Em cidades que tem um custo de vida muito alto, essas acomodações são mais acessíveis.
O geógrafo Clímaco Dias, professor do departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), analisa que a incidência de cortiços é reflexo direto do agronegócio, que atrai populações de todas as regiões para a cidade. “É um dado surpreendente, mas que mostra que o agronegócio tem problemas de incorporação da população pobre que é atraída para lá e produz desigualdades”, explica.
Depois de Luís Eduardo Magalhães, as cidades baianas com mais pessoas morando em cortiços são Lençóis (0,8%) e Alcobaça (0,6%). “Em Lençóis, a atividade econômica é o turismo, que, muitas vezes, não incorpora de uma forma massiva a população atraída”, completa o especialista. Já em Alcobaça, é possível que a atração se dê pela extração de eucalipto.
A supervisora de disseminação de informações do IBGE Mariana Viveiros aponta que não necessariamente os cortiços são moradias precárias. “A categoria abrange não só os cortiços em situação degradada, mas também casas muito grandes em que cada quarto vira um domicílio e os moradores compartilham um banheiro, por exemplo”, diz.