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Wendel de Novais
Publicado em 27 de fevereiro de 2024 às 05:15
A violência armada no bairro de Pero Vaz, em Salvador, não teve o seu primeiro capítulo nesse domingo (25), quando três pessoas foram baleadas e um homem, ainda não identificado, foi morto na Rua Direta do Pero Vaz. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, de 1º de janeiro até segunda-feira (26), foram registrados cinco tiroteios, que acabaram em três mortes e três pessoas feridas. Os números consolidam um movimento de alta em trocas de tiros que vem desde o ano passado.
Ainda segundo o Fogo Cruzado, no primeiro semestre de 2023, o bairro registrou nove tiroteios, cinco mortos e dois feridos. Já na segunda metade do ano, o instituto contabilizou 14 tiroteios, 12 mortes e feridos. Ou seja, em seis meses, Pero Vaz teve crescimento de 55% nas ocorrências com disparos de arma de fogo e mais que dobrou o número de mortos decorrentes desses registros. Com a escalada de violência, moradores consideram mudar de bairro para fugir dos tiroteios.
“Eu sou nascida e criada aqui. Porém, quero me mudar. Não é por luxo ou frescura, eu estou com medo. Isso do crime não é novidade, mas está muito mais forte. Com eles [facções] fazendo guerra nas ruas, a gente fica preso em casa. Sai na rua de manhã e vê o asfalto sujo de sangue, bala no chão. Não é a vida que eu quero para mim e nem para os meus filhos”, conta uma moradora, que já pesquisa aluguel em outros bairros. Por medo de represálias, ela prefere não se identificar.
Até quem tem casa própria em Pero Vaz, não esconde o desejo de ir embora. Um outro morador, que terá sua identidade preservada, diz que até já colocou placa de aluguel e venda no seu imóvel. “Coloquei a placa e, se foi muito, recebi duas ou três ligações. As pessoas não querem vir para um lugar em que tem todos esses tiros. Se quem está dentro não quer ficar, imagina o povo que está fora. Agora, com essa guerra toda, está cada vez mais difícil sair”, reclama.
A guerra citada é promovida pelas facções do Comando Vermelho (CV) e do Bonde do Maluco (BDM), que disputam e dividem o domínio do tráfico no bairro. Em relato, os moradores apontam que a polícia atua no bairro e tenta impedir as disputas, mas, ainda assim, os tiroteios seguem. Entretanto, Dudu Ribeiro, diretor executivo da Iniciativa Negra, afirma que o problema no Pero Vaz – e em outros bairros periféricos - é resultado da forma que o tráfico de drogas é combatido.
“O que nós podemos afirmar é que as pessoas, sobretudo pessoas negras e moradoras de bairros periféricos na cidade de Salvador e na RMS, convivem com o resultado de décadas de uma lógica chamada de guerras às drogas. Um tipo de segurança pública baseada no confronto e na ocupação de territórios que as coloca no fogo cruzado constante”, avalia Ribeiro.
Ele ressalta ainda que a violência armada afeta todos os aspectos da vida das pessoas e de forma mais significativa ainda nas crianças, que são obrigadas a crescer num ambiente em que a sociabilização é impactada pelo vocabulário da violência, que não só é desencadeada pelas ações de criminosos, mas também nas respostas do Estado, através da polícia. Ele dimensiona o impacto dessa realidade na vida dos moradores de bairros nesta situação.
“A violência passa a ser um aspecto organizador da vida das pessoas, não por suas opções individuais, mas em grande maioria pela opção do Estado em manter o atual modelo de guerra às drogas e o atual modelo de segurança pública que favorece o confronto”, explica ele, ao falar sobre a decisão das pessoas de deixarem o bairro onde vivem por conta de confrontos.
A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) para perguntar sobre um plano específico de combate ao crime em Pero Vaz, mas não recebeu retorno até o fechamento desta matéria.