Paraíso ameaçado: guerra entre BDM e CV é responsável por mortes em Boipeba

Um lugar com praias de águas cristalinas e areias brancas, piscinas naturais e que já foi eleito uma das ilhas mais belas da América do Sul está com a paz ameaçada. A paradisíaca Ilha de Boipeba, que atrai milhares de turistas do mundo todo para o Baixo Sul do estado, hoje é cobiçada também pelas duas maiores organizações criminosas do estado. De um lado, Bonde do Maluco (BDM), que já tem forte presença na localidade. Do outro, o Comando Vermelho (CV), que tenta a todo custo garantir sua fatia no mercado consumidor, impulsionado também pelo turismo.  

“A partir do momento em que há uma intensificação das ações das forças de segurança na capital, uma expansão econômica na região e a questão do turismo, tudo isso atrai essas atividades (ilícitas). Com esse redesenho das facções criminosas aqui no nosso estado, a tendência é que outras localidades também passem a sofrer os mesmos problemas que as grandes cidades já vivenciam”, declara o especialista em Segurança Pública, o coronel Antônio Jorge, professor de Direito da Estácio Fib.     

Boipeba fica no município de Cairu, e o reflexo dessa disputa por espaços causou horror no último dia 30, quando três homens foram mortos a tiros: Luciano da Conceição Santos, de 21 anos; Wellington da Silva e Silva, de 27; e Marcos Souza de Jesus, 37. O ataque teria acontecido em represália à morte de Vinícius Lopes da Silva, 20 anos, no interior de um estabelecimento comercial em Valença. Ele foi executado na manhã do mesmo dia, em uma loja de roupas no bairro de Bolívia.  

As polícias Civil e Militar informaram que as mortes estão relacionadas à disputa territorial pelo tráfico, mas sem citar os nomes das organizações criminosas. No entanto, os moradores ouvidos pela reportagem disseram que o BDM já é uma realidade na ilha e que o CV vem tentando ocupar o território. “Existe uma disputa entre essas duas facções na região. Aqui, é BDM, porém no Baixo Sul, a maioria já é CV”, conta uma moradora.   

Boipeba é vizinha da Ilha de Tinharé, onde está situado Morro de São Paulo, outro ponto de preferência de turistas – as duas localidades compõem o Arquipélago de Cairu. Por conta de praias quase desertas, mesmo quando em alta temporada, Boipeba foi eleita a segunda ilha mais bonita da América do Sul, atrás apenas da Ilha de Páscoa, no Chile, pela Traveller's Choice 2013, pesquisa promovida pelo site de viagens TripAdvisor.  

Mortes  

Os assassinatos de Luciano, Wellington e Marcos aconteceram num povoado conhecido como Moreré, que está a cerca de 6 km da badalada Vila de Boipeba, região preferida pelos turistas. Moreré, no entanto, também concentra vários empreendimentos de luxo.

“Neste dia, ninguém saiu. Todo mundo ficou intocado. Os moradores não saíram de casa e os comerciantes não trabalharam. Foi um ‘toque de recolher’. Alguns turistas, com medo, também não saíram das pousadas. Com a chegada da polícia, o clima foi melhorando. Foi viatura subindo e descendo, inclusive de outras regiões. Teve até um helicóptero da Polícia Militar sobrevoando aqui”, relata um morador. 

Segundo ele, o triplo homicídio foi motivado porque, horas antes, no mesmo dia, Vinícius, que morava em Boipeba, foi executado na cidade de Valença, a 120 km de distância da ilha. “Ele fez um story (publicação temporária no aplicativo Instagram) com o dono da loja de roupa. No mínimo, era ameaçado por um cara do grupo rival”, acredita o morador da ilha.  

Outra fonte da região foi mais enfática quanto ao motivo do crime. “Ele (Vinícius) fazia parte do BDM de Boipeba e foi fazer compras em Valença, área do CV. Os caras viram a localização dele nas redes sociais e apagaram ele lá. Para evitar um contra-ataque, os cariocas se anteciparam e fizeram o triplo”, detalha a fonte.

Ainda de acordo com ela, o CV vem ganhando espaço no Baixo Sul do estado desde a pandemia, quando fez uma espécie de “aliança” com a Katiara, facção que predominava na região do Recôncavo. “Hoje, o CV está mais forte, porque se juntou com a Katiara para tomar as áreas do BDM”, detalha.  

Os nativos da Ilha de Boipeba reconhecem que o turismo é fundamental para a economia da região, mas fazem ponderações quando o assunto é a segurança. “Antes de isso aqui ser o que é hoje, com gente de todo o mundo vindo para cá, essa violência toda não existia. Isso há mais de dez anos. Agora, com todo mundo vindo aqui, os traficantes chegaram junto”, relata a fonte.

“O que se tinha antes eram só arrombamentos e furtos”, complementa outro morador. O CORREIO procurou alguns empresários da região, como proprietários de pousadas, mas ninguém quis falar sobre o assunto.  

Já o especialista em Segurança Pública, o coronel Antônio Jorge, explica que “é uma lei econômica, não existe oferta sem demanda”. “Então, se determinada localidade está, a partir do incremento do turismo, gerando um aumento do tráfico de droga, é porque houve um crescimento da procura, principalmente nessas localidades, onde existe o turismo voltado para festas. Isso já é observado em vários lugares do mundo”, declara Jorge.  

Apelo

Questionado sobre a situação da insegurança em Boipeba, o prefeito reeleito de Cairu, Hildécio Meireles, fez um apelo: “A gente solicita que o governo volte os olhos para o nosso município”. “Não cabe ao município ir para o confronto, porque segurança pública é de responsabilidade do governo do estado. A gente dá apoio logístico aos policiais, com transporte, alimentação. O tráfico se espalhou para a Bahia inteira, não é algo exclusivo da nossa cidade. O que nos cabe é melhorar a educação e políticas públicas, ações de longo prazo”, afirma Meireles. 

Procurado, o major Rodrigo Chaves, comandante da 33ª Companhia Independente (Valença), unidade da Polícia Militar que atua em Cairu, informou que “a situação já está controlada”.

“Na semana passada, a gente teve um confronto entre organizações criminosas que culminou em três mortos.  Após isso, nós reforçamos o policiamento local, com a utilização do pelotão de emprego tático operacional. Estamos intensificando o policialmente no local turístico. Já foi feito o lançamento da Operação Verão. Então, durante todo esse período, teremos policiais reforçando a segurança na região”, diz o comandante.  

Na manhã desta quinta (5), a ilha de Boipeba recebeu dois novos quadriciclos da Polícia Militar. Essas viaturas serão empregadas no policiamento ostensivo de toda a Ilha, como na Vila de Boipeba, nas comunidades de Moreré, Cova de Onça e entorno.  

A reportagem procurou a Polícia Civil, para comentar as ocorrências e o andamento das investigações, mas não recebeu retorno até esta publicação.