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Raquel Brito
Publicado em 2 de fevereiro de 2024 às 05:00
Quando Ana Dumas, produtora cultural de 60 anos, começou a depositar o balaio para Iemanjá na noite do dia 1º de fevereiro, eram poucos os fiéis que faziam isso. Ela conta que o costume começou como uma manifestação entre amigos, para que pudessem entregar os presentes para a orixá com mais tranquilidade, sem a agitação do dia da festa.
Com o tempo, a véspera da Festa de Iemanjá tornou-se parte da programação dos festejos. Na noite desta quinta-feira (1°), véspera da celebração, as rosas e o perfume da alfazema já tomavam conta do mar do Rio Vermelho, com centenas de seguidores aproveitando a calmaria antes da agitação do dia 2 para agradecer e fazer suas preces. Por isso, Ana e os amigos novamente inovaram: este ano, decidiram ir ainda mais cedo, no dia 31 de janeiro.
“A gente deu mais esse drible: marcamos a concentração para as 22h, mas colocamos o balaio no mar já na virada para fevereiro. É um ritual que tanto nos religa à natureza como uns aos outros, como seres humanos. Nós fazemos isso fugindo da parte comercial da festa, das pulseiras e dos camarotes”, conta.
Entre os que vão na véspera do dia 2 de Fevereiro está a produtora de eventos Suzana Cruz, 53, que não consegue participar do festejo oficial por conta do trabalho. Por isso, já tem a tradição de ir com a família no dia 1º, alugando um barco para depositar as oferendas. Para ela, ir no dia anterior une o útil ao agradável: consegue aproveitar a energia da noite e curtir com tranquilidade. “É uma questão de ir levar mais perto [de Iemanjá], uma experiência muito boa. Eu viria os dois dias se pudesse. É um retorno de gratidão a ela”, diz.
Há quase três décadas, Dilma Palma, de 65 anos, deixa seus presentes para Iemanjá no primeiro dia de fevereiro. De vestido e maquiagem azuis em homenagem à Rainha do Mar, a aposentada vem de Ubaíra, a 270 km de Salvador, todo ano só para saudar a orixá.
“Eu entrego antes porque tem menos gente, é mais tranquilo. Peço que ela nos dê paz, saúde e muita felicidade. Amanhã estarei aqui de novo, no dia dela, novamente toda de azul, muito linda”, diz, depois de um banho de mar que descreveu como um ato de purificação.
De longe, o balaio de Lucidalva Anjos, 72, se destacava pela praia. Com alfazema e rosas azuis e brancas, a cesta foi ao mar ainda na noite do dia 1º este ano. “Geralmente eu venho no dia 2, mas como tem muito turista na cidade e com certeza vai ficar muito cheio, eu vim logo e consegui fazer minhas preces com calma. Venho pedindo paz, saúde e tudo de bom para minha família e para o mundo. Aqui é um lugar de fé. A mãe do mar é a mãe de todos nós”, diz a aposentada, que levou ainda a filha e o marido.
Não era só na praia que se concentravam os presentes. Em frente à Casa de Iemanjá, centenas de pessoas esperavam na fila para depositar suas oferendas dentro do barracão. As tradicionais flores e cestos com velas e frutas como melão, uva e limão preenchiam o salão.
Para Mãe Jô, 56, líder de um terreiro no bairro Lobato, todo dia é dia de agradecer aos orixás. A primeira semana de fevereiro, porém, é especial. “Hoje nós viemos para saudar Iemanjá. É muita luz, muita fé, muito axé. Eu venho nos dois dias. No dia primeiro, nós queremos estar mais contritos, e no dia seguinte nós também queremos vir, mas a multidão vai estar aqui. Amanhã também tem fé, mas hoje o diálogo com ela é mais forte”, afirma.
As amigas Vanderleia da Conceição, 45, e Maria de Fátima da Silva, 44, trabalham como ambulantes na festa. Para garantir um bom lugar para as barracas, elas chegam um dia antes no Rio Vermelho e aproveitam para saudar a orixá. Se, para elas, o dia de Iemanjá é de vendas, a noite anterior é para os agradecimentos e preces.
“A gente coloca o presente, mas trabalha do mesmo jeito. Eu amo Iemanjá, só o prazer de estar aqui é uma maravilha. Ela chama a gente e nós temos a gratidão de vir”, conta Vanderleia.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.