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Para erradicar a malária, Brasil inclui novo medicamento no SUS

Entenda o novo tratamento, que conta também com um teste inédito para diagnóstico; Bahia tem casos importados

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 22 de setembro de 2023 às 19:39

O Plasmodium vivax é a espécie responsável pelo maior número de casos de malária
O Plasmodium vivax é a espécie responsável pelo maior número de casos de malária Crédito: Shutterstock

Os sintomas são bem conhecidos dos profissionais de saúde: febre alta, calafrios, tremores, dor de cabeça, sudorese. Por vezes, em pacientes mais graves, o quadro pode evoluir para prostração, alteração de consciência e até hemorragia. Nos últimos cinco anos, foram ao menos 2.585 casos confirmados de malária em todo o Brasil - desses, 218 notificações são da Bahia.

A partir de agora, porém, o enfrentamento à malária ganhou um novo capítulo, com reforços importantes: o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a incluir no Sistema Único de Saúde (SUS) um novo teste e um tratamento inédito contra o Plasmodium vivax (P. vivax), o que vem sendo considerado a primeira inovação no combate à doença em seis décadas. Os avanços no tratamento foram apresentados na 58ª MedTrop, a conferência anual da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, realizada na semana passada, em Salvador.

A incorporação se deu ao longo dos últimos meses. Em junho, o Brasil fez dois movimentos: incorporou um medicamento chamado tafenoquina, que tem dose única, à rede pública, assim como o teste rápido G6PD Standard para diagnóstico. Além disso, em agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma versão pediátrica da tafenoquina para crianças maiores de dois anos. A ideia é, com isso, ter a possibilidade de prevenir recaídas da malária por P. vivax.

"O papel pioneiro do Brasil na adoção do novo tratamento está ajudando a demonstrar para outros países da região, bem como para a Organização Mundial da Saúde (OMS), como as novas tecnologias podem ser implementadas para causar impacto nacional", explicou o diretor sênior de dinâmica de mercado da Path, organização internacional de saúde sem fins lucrativos, Nick Luter.

A distribuição dos casos de malária no Brasil ocorre principalmente na região Amazônica, de acordo com o diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cássio Peterka. Ao menos 304 municípios da região têm transmissão sustentada, enquanto os outros 504 teriam praticamente eliminado a transmissão. Já o vetor da malária, o mosquito-prego (do gênero Anopheles) está espalhado em todo o país. No entanto, a Bahia se encaixa na realidade da chamada região 'extra Amazônica'.

"Temos pouquíssimos casos autóctones (na Bahia), que são os casos com transmissão local, mas temos muitos casos importados que vêm tanto da região Amazônica como de outros países endêmicos para malária. Então, a vigilância tem um papel fundamental que deve ser mantido nessas áreas, para que não tenha a reintrodução da doença onde a gente já eliminou", explica.

A previsão é que a tafenoquina seja implementada gradualmente entre o primeiro semestre de 2024, inicialmente em alguns municípios da região Amazônica, até 2026, quando deve estar disponível para todos os estados.

Cura

Para garantir uma cura efetiva da malária vivax, é preciso combinar duas terapias: o tratamento da fase sanguínea assim como o da fase hepática. O vice-presidente executivo de Acesso e Gestão de Produtos da organização sem fins lucrativos Medicines for Malaria Venture (MMV), George Jagoe, explica que, no Brasil, o medicamento usado para o tratamento sanguíneo para a malária é a cloroquina, durante três dias.

Já na fase hepática, por mais de 60 anos, a primaquina foi a única opção usada, sempre com um protocolo de sete dias. No entanto, em 2019, a tafenoquina de dose única ganhou seu registro no Brasil e recentemente foi aprovada para a cura da fase hepática.

"A tafenoquina, assim como a primaquina, pode causar hemólise, levando à anemia devido à destruição dos glóbulos vermelhos, em indivíduos com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD)", diz Jagoe. A hemólise é justamente a destruição das hemácias.

Ou seja: tanto para o uso do medicamento anterior quanto do remédio aprovado agora, pacientes deveriam fazer antes um teste de diagnóstico que garantisse que a atividade da enzima G6PD tem níveis adequados para o uso das drogas com segurança.

"Até recentemente, a maioria dos testes G6PD ficava em laboratório e não estava disponível ou não era apropriada para ser usada nos locais de atendimento onde a maioria dos casos de malária são diagnosticados e tratados. Novos testes foram especificamente concebidos para serem utilizados nas condições quentes e úmidas onde os casos de malária são tratados", acrescenta Nick Luter, da Path.

O Brasil, inclusive, foi responsável por conduzir o primeiro estudo de viabilidade em larga escala sobre a combinação do medicamento e do teste para o SUS. A conclusão dos pesquisadores foi que, em condições do mundo real, foi demonstrado que a tafenoquina, com um tratamento que dura apenas um dia, tem mais eficácia do que a primaquina, usada ao longo de sete dias. Em parte, essa eficácia maior se deve ao fato de que, como o remédio é usado apenas uma vez, a adesão ao tratamento também é maior.

Além da malária provocada pelo P. vivax, no Brasil, há outras duas espécies que também transmitem a doença: o P. falciparum e o P. malariae. No entanto, até o momento, os estudos só apontam a tafenoquina como tratamento para cura daquela que é transmitida pelo P. vivax, que responde por até 75% das infecções, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

"Existem outras variedades menos prevalentes de malária (por exemplo, P. ovale) que também apresentam infecções hepáticas latentes (ou seja, hipnozoítos). A tafenoquina pode ter utilidade nessas espécies, mas isto ainda não foi estudado. Por enquanto, as prioridades globais de saúde pública para o controle e eliminação da malária estão centradas principalmente no P. vivax", afirma George Jagoe, da MMV. No Brasil, não há registros de casos por P. ovale.

Erradicação

Até 2035, o Brasil tem a meta de eliminar a transmissão de malária em todo o território nacional. Segundo Cássio Peterka, do Ministério da Saúde, a doença passou de uma campanha de erradicação, mas foi seguida por um programa de controle. No momento, o foco em eliminar a doença voltou a ser o objetivo das autoridades de saúde.

Isso significa que, ainda que as equipes multiprofissionais de saúde sejam bem treinadas e eficientes para o controle, é preciso mudar a forma de trabalho de volta para a erradicação. "A partir do momento que a gente elimina, a gente faz com que a população tenha uma doença a menos para se preocupar", explica Peterka.

Contudo, Nick Luter, da Path, enfatizou que nenhuma ferramenta é capaz de acabar com a malária sozinha. É preciso, de acordo com ele, uma combinação de esforços que vão desde a prevenção ao uso de dados para tomada de decisões.

"Tal como acontece em contextos de muitos países, o Brasil terá de lidar com populações de difícil acesso, onde alcançar a eliminação total da malária provavelmente exigirá um esforço conjunto. Além disso, o impacto das mudanças climáticas e o sucesso (ou não) dos países vizinhos em alcançar as suas próprias metas de eliminação terão um efeito no calendário e nas metas finais de eliminação do Brasil", reforça.

Entenda a malária 

O que é a malária? Trata-se de uma doença infecciosa aguda provocada por protozoários do gênero Plasmodium. No Brasil, há três espécies de Plasmodium, sendo que a P. vivax é a mais conhecida.

Como é transmitida? A malária é transmitida pela picada da fêmea do mosquito-prego, como é conhecido um grupo de espécies do gênero Anopheles. A fêmea precisa, porém, estar infectada.

O que são as fases? A fase sanguínea é quando as hemácias são rompidas. Seguindo pela corrente sanguínea, os parasitas podem infectar as células do fígado, o que significa a fase hepática.

Tem cura? Se for diagnosticada e tratada rapidamente, a malária tem cura.