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Marina Branco
Publicado em 11 de outubro de 2024 às 15:18
Pai Pote, liderança religiosa do Recôncavo da Bahia, terá a história de sua vida contada em um filme, com lançamento previsto para maio de 2025. A história do babalorixá será contada a partir de cenas marcantes, incluindo a criação do terreiro Ilê Axé Ojú Onirê, fundado por ele, e até uma lavagem realizada em Paris.
Pai Pote é um babalorixá, ou pai de santo, como é mais comumente chamado, e embaixador da cultura baiana e da religião de matriz africana. Homem negro e gay, ele é presidente do Bembé do Mercado, celebração anual em comemoração à assinatura da abolição da escravatura tombada como bem imaterial do Brasil, e carrega uma história intimamente relacionada à cultura do estado.
A ideia de fazer o filme veio de uma de suas netas de santo, Laís Lima. A cineasta dedicou grande parte de sua carreira ao registro audiovisual do Recôncavo e do Bembé, com cenas do samba de roda, as caretas de Acupe, a capoeira, o Nego Fugido, e outras formas de expressão cultural.
No Bembé, realizou o filme “Bembé 130 Anos” com apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que o tombou como patrimônio imaterial. Além dele, foi gravado um filme sobre as mulheres do Bembé, intitulado “Iabás”, e um sobre o Bembé em 2020, o “Bembé em Tempos de Pandemia”.
Durante as gravações, Laís conviveu com o trabalho de Pai Pote, e decidiu transformar essa trajetória em um novo filme. “Comecei a pensar… eu preciso registrar esse trabalho que o Pai Pote vem fazendo, fazer com que o mundo conheça a vida de Pai Pote. Como um homem, negro, gay, de Santo Amaro, de família pobre, vem revolucionando esse Bembé, essa manifestação religiosa de pessoas negras com mais de 135 anos de existência”, afirmou Laís.
Assim, ela começou a trabalhar no projeto, com expectativas de conseguir financiamento pela lei Paulo Gustavo. No ano passado, o filme foi inscrito no edital da lei, e ganhou patrocínio para sua realização. A produção começou em janeiro, e cobre a agenda anual do líder religioso, chegando em breve a Lisboa, em Portugal, e a Paris, na França.
Em Paris, há mais de 25 anos acontece a Lavagem de la Madeleine, rotulada por Pai Pote como uma “diáspora africana”. Fundada por Roberto Chaves, ou Robertinho, irmão biológico de Pai Pote, há 38 anos, a lavagem levou o babalorixá à Europa nos últimos 25 anos, levando a cultura baiana para França e Portugal. Nos festivais, cantam artistas famosos da cultura baiana, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Carlinhos Brown, que cantará neste ano.
“Já levamos muita gente pra lá, pra capoeira, samba de roda, maculelê, palestras, seminários, vender a culinária, o caruru, o vatapá, e isso é importante. Mas é importante também o povo vir pra Bahia conhecer pessoalmente. Então a gente faz esse comprometimento de provocar os europeus para conhecer a Bahia. Salvador, Pelourinho, Santo Amaro, Recôncavo, que tem muita coisa bonita pra mostrar”, conta Pai Pote.
“Eu sou um negro vitorioso. Um gay vitorioso. Um babalorixá vitorioso”, se define Pai Pote.
Pai Pote “brinca de Candomblé” desde muito pequeno, apesar de não ser de uma família candomblecista. Filho da feirante Carmelita Lima com o agricultor José Chaves, o pai de santo de 58 anos já trabalhou como cobrador de ônibus, comerciante, e hoje é exclusivamente um líder religioso, com 39 anos de iniciado no Candomblé.
“Eu quis separar José Raimundo, que é o nome de batismo dele, de Pai Pote. E eu queria entender essas duas figuras, que moram em um homem só. Entender como ele entrou no Candomblé, e como ele se torna Pai Pote”, contou a diretora Laís Lima.
Empreendedor do Candomblé, há 30 anos ele fundou o terreiro Ilê Axé Ojú Onirê, em Santo Amaro, e iniciou um trabalho de salvaguarda com a comunidade, especialmente no Bembé do Mercado.
“Ele tirou o Bembé da marginalidade da nossa sociedade. A nossa sociedade deixa a cultura da população negra muito à margem, e ele trouxe o Bembé para um cenário de protagonismo em Santo Amaro. Ele tirou o Bembé do esquecimento, e o tornou bem imaterial do Brasil”, contou Laís.
Quando o filme começou a ser escrito, o protagonista não sabia do projeto. Pai Pote só tomou conhecimento após vencer o edital, e enxergou o longa como “uma reparação daquilo que não foi dado à população negra”.
“Eu me sinto realizado com esse filme porque falar de mim é falar da população negra não só da Bahia, mas também do Recôncavo, da comunidade santamarense, dos meus filhos de santo. Do negro que vem lá do interior como uma resistência, lutando pelo nosso povo, por igualdade racial. Isso, e também fazendo cultura, fazendo a política cultural com nossa comunidade”, opinou Pai Pote, sobre o filme produzido por pessoas envolvidas com o Candomblé.
“Eu fico muito feliz porque o filme está envolvendo a comunidade. Sem comunidade, sem a carta de anuência da população negra, não adiantaria o filme, então nós estamos no caminho certo, na hora certa, no momento certo. Eu agradeço a Deus, aos orixás, agradeço também à ancestralidade. Isso é coisa ancestral, isso é coisa do nosso povo negro, já vem antes da gente”, refletiu.
Para ele, a importância do filme é a janela que ele abre para que o mundo conheça a Bahia, e o Candomblé. “O filme está sendo gravado de um jeito espontâneo, mas tem que ser perfeito, porque é uma prestação de contas para o mundo”, comentou.
*Sob supervisão da subeditora Carol Neves