Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Raquel Brito
Publicado em 16 de maio de 2024 às 06:45
Além da dor de perder um ente querido, o processo burocrático após o falecimento de uma pessoa próxima é mais uma aflição para quem fica. A distribuição de bens deixados aos herdeiros pode ser longa e pesar no bolso: os custos do processo de inventário podem chegar a 25% dos bens. As informações são de uma pesquisa realizada pelo advogado André Andrade, especializado em Direito das Famílias, Inventário e Planejamento Sucessório.
O inventário é um procedimento feito após a morte de alguém, com o objetivo de listar os bens deixados por essa pessoa e, diante disso, dividi-los entre os herdeiros. Existem dois tipos: o judicial e o extrajudicial. O inventário judicial é feito com a supervisão de um juiz, em casos em que não há acordo entre os lados, quando os herdeiros são menores de idade ou quando o falecido deixou testamento. Já o inventário extrajudicial é feito em cartório, quando não foi deixado testamento e com os herdeiros, que precisam ter capacidade plena, estando de acordo com a partilha.
Nesse processo, existem custos essenciais, como os honorários pagos ao advogado, que, na Bahia, custam no mínimo R$ 3.500 para esses casos, de acordo com a seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas variam conforme o estado e o profissional, e as custas judiciais (quando o processo ocorre perante o Judiciário) ou cartorárias (quando é feito num cartório), que variam a depender do valor da causa.
Outros custos básicos para esse procedimento são o valor do Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCMD), que também varia de estado para estado e também pode ser progressivo conforme o valor dos bens que integram o espólio, mas só pode abranger de 4% a 8% do valor dos bens, e os honorários sucumbenciais, em que a defesa da parte vencida deve o honorário da defesa do outro lado, que varia entre 10% e 20% do valor da causa, em caso de inventário litigioso, ou seja, quando não há acordo entre as partes.
Por esse motivo, muitos brasileiros não veem outra alternativa a não ser abrir mão do inventário. Um deles é o jornalista e escritor Jorge Ribeiro, 53. Ribeiro perdeu o pai há dez anos. Na época, um de seus seis irmãos, que trabalhava no Tribunal de Justiça, decidiu dar entrada no inventário. Entretanto, quando revelou aos outros herdeiros o valor do procedimento, veio o espanto.
“Era algo em torno de R$ 20 mil. E isso há 11 anos, desde então quem sabe já não houve reajustes em relação aos valores”, conta o escritor. “No primeiro momento, meu irmão queria que todos se unissem para pagar, mas nem todos tinham condições. E a decisão tomada até aqui foi deixar rolar, porque não temos como pagar. Infelizmente, para quem é de classe média baixa, é algo inviável fazer inventário no Brasil, por conta das taxas que são realmente muito caras”, afirma.
O pai de Ribeiro deixou duas casas e um carro. Segundo ele, o rumo dos bens foi decidido por um acordo informal entre os herdeiros: hoje, duas de suas irmãs moram nos imóveis deixados, e o carro está parado. Para o advogado André Andrade, é comum as pessoas não terem condições de fazer o inventário, porque é um processo caro e os herdeiros não ganham nada prontamente.
“Ganha se quiser vender a propriedade, que deve ser regularizada. Num cenário em que existe um apartamento no inventário, as pessoas estão morando neste apartamento e não têm dinheiro para pagar o processo, elas simplesmente não fazem o inventário, porque estão morando ali. Mas, em algum momento, isso gera um problema. Não é raro que as pessoas façam o inventário depois de dez anos, o que não é o ideal”, afirma o especialista.
Os problemas a que o advogado se refere são as multas que vêm com o início tardio do inventário: o prazo para a abertura do procedimento, por lei, é de 60 dias corridos após a data do óbito. O atraso resulta em multas sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Além desses custos, devem ser consideradas as despesas implícitas. Para Andrade, a desvalorização de imóveis, a perda de renda quando o imóvel não está alugado, as perdas pelo decurso do tempo e o estresse para as partes são exemplos desse gasto. “Como facilitar o inventário? Não tendo briga. Quando você tem um inventário com brigas entre as partes, a gente brinca que ele não acaba até as pessoas cansarem e decidirem fazer um acordo. Esse é um procedimento gigante, que pode demorar uns 10, 20, 30 ou 40 anos”, diz.
Esse é o caso da família de Carla Souza, 48, estudante de administração. O inventário aberto após a morte de seu pai, em 2004, continua até hoje, por falta de acordo entre os 18 herdeiros, filhos de quatro diferentes casamentos, que se dividiram em três no processo. Entre os bens deixados, existem terras e imóveis, muitos hoje em situação de abandono.
Além da lentidão causada pelo conflito, outros aspectos atrasam ainda mais o andamento do procedimento: além de muitos dos filhos não terem sido registrados ao nascer e precisarem fazer o teste de DNA para confirmar a paternidade, a cidade onde o processo corre enfrenta, segundo ela, muitos períodos sem juiz ou com alterações constantes de juízes no fórum.
“Só agora a gente está conseguindo conversar com os outros irmãos para entrar em um acordo e ver se isso acaba logo. Mas, quando queremos fazer isso, essa outra parte atrapalha, porque não tem juiz na cidade. E quando vai um juiz temporário, não dá conta da quantidade de processos acumulados. O nosso processo é muito antigo, nunca foi digitalizado. É tudo ainda manual”, diz Souza.
De acordo com o advogado, a única forma de evitar o inventário é não tendo bens em seu nome. Entretanto, como essa alternativa é mais difícil, existem formas de dinamizar esse processo. Isso acontece por meio de um planejamento sucessório, em que são utilizados alguns instrumentos, como uma holding familiar (empresa patrimonial), testamento, seguro de vida e doação com reserva de usufruto, para simplificar a transferência do patrimônio e reduzir os custos do inventário. Segundo o especialista, os custos do planejamento variam de acordo com o tipo escolhido, mas são sempre mais baixos que o valor de um inventário.
André Andrade ressalta que, apesar da crença popular de que o testamento facilita ou evita o inventário, isso não é sempre verdade. “O testamento não facilita o inventário e nem impede. Com o testamento você vai ter o inventário, muitas vezes até um pouquinho mais complicado, mas ele serve sim algumas vezes para evitar briga. Então [se] eu já quero determinar quem fica com o que, eu já posso fazer algumas estruturas mais específicas”, afirma Andrade.
“Para além disso, existe uma economia extremamente importante gerada pelo planejamento sucessório: a economia de tempo”, reforça André Andrade. “Um procedimento de inventário pode levar anos ou até mesmo mais de uma década, dependendo do andamento do Judiciário para terminá-lo. Por outro lado, o planejamento sucessório permite que tudo seja feito da forma mais rápida possível e, assim, você terá todas as questões patrimoniais resolvidas em pouquíssimo tempo, evitando preocupações futuras com a demora da transferência de bens”, diz.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo