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Maysa Polcri
Publicado em 30 de janeiro de 2024 às 05:00
O número de favelas mais do que dobrou na Bahia em nove anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Censo de 2010 apontava a existência de 280 comunidades desse tipo no estado, número que cresceu para 572 em 2019, um aumento de 292 (104%). Os dados são os mais atualizados . Nesta semana, o IBGE anunciou o retorno da denominação “favela” em pesquisas, depois de 54 anos sem usar o termo.
Salvador aparece no ranking nacional das 15 maiores favelas do país em três posições: em quarto, com Beiru/Tancredo Neves, em sétimo, com Pernambués, e no último lugar, com Valéria. Além da capital, Ilhéus, Vera Cruz e Candeias têm as maiores proporções de domicílios ocupados em áreas de favelas (veja gráficos). Ao longo dos anos, as favelas cresceram em diferentes partes da Bahia, explica Mariana Viveiros, supervisora de disseminação de informações do IBGE.
“É um fenômeno característico dos grandes centros urbanos e observamos um espalhamento em várias partes do estado. Em 2010, Feira de Santana não tinha nenhuma favela, já em 2019 aparece com o segundo maior número (65)”, diz. Itabuna aparece em terceiro lugar em número absolutos de favelas (40), atrás da capital e Feira de Santana.
Até que sejam consideradas favelas (ou comunidades urbanas), as localidades devem preencher alguns requisitos. A oferta precária de serviços públicos, construções feitas pela própria comunidade e áreas com restrição à ocupação estão entre eles. Favelas foram identificadas 32 cidades baianas, o que representa 7,9% de todos os municípios do estado.
Apesar do aumento expressivo, a Bahia caiu de posição no ranking nacional. Em 2010, aparecia em terceiro lugar no número total de favelas. Nove anos depois, aparece em oitavo, o que aponta para a tendência de favelização em todo o país. São Paulo (3,3 mil), Rio de Janeiro (1,8 mil) e Ceará (809) aparecem no topo da lista.
Os dados fazem parte de um levantamento prévio ao Censo de 2022. Por isso, especialistas acreditam que o número atualizado de favelas deve ser ainda maior. “Há uma tendência de favelização porque as desigualdades estruturais da sociedade não foram resolvidas. A pandemia agravou isso, na medida que aumentou a taxa de desemprego”, analisa Clímaco Dias, geógrafo e professor do departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
O professor lembra ainda que algumas regiões da Bahia fogem a regra, como cidades do oeste e do extremo-sul. “Embora o agronegócio não empregue muitas pessoas diretamente, cria um dinamismo econômico e fica acima das estatísticas das demais regiões do estado. O extremo-sul, por outro lado, tem incremento do turismo”, pontua Clímaco Dias.
Salvador
A capital baiana é a cidade mais populosa da Bahia e tem também o maior número de favelas do estado. Eram 270 em 2019, um aumento de 11% em comparação com nove anos antes. O processo de favelização em Salvador foi impulsionado a partir da década de 70, quando grandes avenidas foram construídas na cidade, como a Av. Tancredo Neves, a população passou a ocupar as encostas. Com a diminuição dos espaços disponíveis para a ocupação, o crescimento é verticalizado.
“Os espaços começaram a acabar e o crescimento é vertical. Hoje as pessoas constroem lajes em cima das casas”, explica Luís Edmundo Campos, professor aposentado da Escola Politécnica da Ufba. Construídas em terrenos irregulares, as favelas enfrentam riscos de desabamentos e deslizamentos, especialmente em tempos de muita chuva.
De acordo com a Defesa Civil de Salvador (Codesal), a capital baiana tem 164 áreas de risco. “Por não ter coleta adequada, as águas pluviais são jogadas nas encostas, infiltram e provoca erosões e deslizamentos de terra”, completa o professor. Duas favelas aparecem entre as maiores do país, segundo dados preliminares do IBGE: Pernambués e Valéria.
Ressignificado
O abandono da nomenclatura “aglomerados subnormais” e o retorno do termo “favela” é uma tentativa de aproximar as pesquisas do IBGE da população. Paulo de Almeida Filho é morador do Bairro da Paz e secretário-executivo da Agência de Notícias das Favelas (ANF). Para ele, a mudança foi acertada e reflete a luta da população em resignificar o termo que já foi considerado pejorativo.
“Nós produzimos e difundimos uma narrativa contrária à habitual, com informações sobre as favelas que mostram que existem coisas positivas nesses espaços. Reforçamos isso com a população, para que as pessoas tenham orgulho de onde evieram”, diz. “Desde sempre os moradores se unem na luta pela garantia de direitos e para suprir deficiências dos serviços públicos, como saúde e educação”, completa Paulo de Almeida Filho.
Para o professor e geógrafo Clímaco Dias, a tendência é reflexo de mudanças especialmente entre os mais novos. “O termo é ressignificado entre os jovens que têm contato com o hip hop, funk e a Central Única de Favelas (Cufa). A população mais velha, em sua maioria, ainda acha que ‘favela’ é um estigma”, comenta.
Cidades com as maiores proporções de domicílios localizados em favelas, segundo o IBGE