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Larissa Almeida
Publicado em 2 de agosto de 2024 às 21:25
Em meio a uma polêmica por disputa de poder, nove integrantes da Irmandade da Boa Morte se reuniram em assembleia, na manhã desta sexta-feira (2), na sede da confraria afrocatólica em Cachoeira, para fazer um pronunciamento contra as denúncias feitas por Joselita Alves, uma das irmãs e atual presidente da entidade que diz ter sido vítima de uma tentativa de destituição do cargo por ação judicial movida pela ex-administradora e advogada da entidade, Celina Sala.
No encontro desta sexta, foi feita a leitura de uma carta aberta em que consta a invalidação da autoridade e representação de Joselita por parte do grupo, além do anúncio de exclusão de duas noviças – nome dado a quem tem pretensão de ser da irmandade e está em período de observância –, sendo elas: Juçara Lopes e Uiara Lopes, ambas aliadas de Joselita.
“A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte de Cachoeira no Recôncavo da Bahia, [...] vem em público se manifestar a respeito da publicação desacertada com acusações inverídicas feitas pela irmã Joselita, orquestrada por uma noviça que não tem ‘voz’ na instituição [...]”, diz parte do documento.
“Como reza a nossa tradição, as irmãs de Bolsa – isto é, as noviças – não podem opinar e muito menos representar a instituição. Com todos os fatos que vêm ocorrendo durante anos pela noviça Juçara Lopes, representando a irmandade em reuniões, encontros, eventos, [e] principalmente semeando a discórdia no elo de paz entre as irmãs, e em comunhão com a maioria das irmãs e com a bênção de Nossa Senhora, estamos excluindo do quadro de noviças da nossa irmandade a senhora Juçara Lopes e Uiara, proibindo ambas de usar o nome da instituição para qualquer finalidade”, declarou Cleuza Maria Santana Santos, tesoureira, integrante da entidade e eleita nova presidente por dez irmãs – uma a mais do que as que estiveram presentes na reunião.
O grupo, que tem entre suas integrantes as quatro irmãs que compõem a Comissão de Festa da Boa Morte 2024, foi favorável à destituição de Joselita Alves do cargo de presidente da irmandade por falta de prestação de contas relativas à festa de 2023. No pronunciamento, as nove irmãs reiteraram a racha com Joselita. “Nós da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte de Cachoeira, prezamos pela verdade e respeito, sendo assim, não reconhecemos e nem validamos a representatividade da Irmã Jozelita como presidente dessa Irmandade. Fato ao qual já existe um processo em tramitação na justiça”, revela trecho do documento.
Ainda, foi atribuída a Joselita a responsabilidade de ter alterado o estatuto da Irmandade da Boa Morte, transformando a entidade, que secularmente tem caráter religioso, em uma instituição cultural. Por conta desse conjunto de fatores, as noves irmãs ainda anunciaram que Cleuza Maria agora é a presidente, tendo sido eleita em "assembleia geral formada pela maioria".
No que diz respeito ao problema do CNPJ da irmandade, que está inapto após ter sido inscrito na dívida ativa e gerou um impasse com o Governo do Estado quanto a forma envio dos repasses para a realização da festa deste ano, foi aceita pela Comissão de Festa e pelas outras irmãs contrárias à permanência de Joselita na presidência a contratação de uma empresa produtora, de responsabilidade do governo estadual, para prover todos os insumos e itens necessários ao acontecimento da celebração.
“Não vamos pegar mais em dinheiro. Existe uma empresa que veio comprar tudo que a gente necessita. Então, essa questão foi citada lá [no encontro com representantes estaduais] e nós aprovamos. Achamos melhor e não vimos mal algum”, disse uma das irmãs em vídeo.
Defesa das noviças aponta ilegalidade
As noviças Juçara e Uiara Lopes foram procuradas pela reportagem e disseram que só se posicionariam por meio do advogado Adailton Cerqueira. Antes, por meio de mensagens, Juçara demonstrou surpresa com anúncio de exclusão da irmandade. “Não fomos convidadas para nada. Eu nunca fiz nada do que elas estão dizendo”, garantiu.
O advogado de ambas, por sua vez, afirmou que a exclusão não é válida. “O próprio estatuto da Irmandade Nossa da Boa Morte prevê que o desligamento ou a suspensão de membros da Irmandade será feito através da diretoria e do Conselho de Honra, que é formado pelas irmãs mais velhas, portanto, ele não foi obedecido. [...] Não há nenhuma situação em que Uiara e a Juçara representaram a Irmandade em nenhum evento, em nenhum ato. Não há nenhuma conduta socialmente reprovável e incompatível com as tradições da irmandade. Portanto, como disse, o ato está completamente à revelia da legalidade”, ressaltou.
Adailton Cerqueira também criticou o processo de condução da assembleia. “Não foi obedecido o devido procedimento, sobretudo com a possibilidade de garantir e observar os princípios da ampla defesa e do contraditório como condições mínimas. A própria reunião extraordinária também não obedeceu ao procedimento previsto no Estatuto da Irmandade, que determina que seja convocada pela presidente ou por um quinto das irmãs com antecedência mínima de tempo e de modo que possa possibilitar a participação de todas as irmãs com a divulgação do dia e horário em edital que deve ser fixado na sede da Irmandade”, pontuou.
Joselita fica do lado das noviças
De acordo com Joselita Alves, não houve aviso sobre a realização da assembleia. Ela, inclusive, disse que foi até a sede da irmandade na manhã desta sexta-feira, mas em nenhum momento as irmãs comentaram sobre o encontro. Ao saber do anúncio da exclusão de Uiara e Juçara, ela saiu em defesa das noviças.
“Juçara é uma menina que não se envolve em nada e tem alto respeito. Estão tirando Juçara que não fez nada. Quem são elas? Eu tenho 36 anos de irmandade e Cleuza chegou ontem. Das que estavam na assembleia, só tem uma mais velha, que é Lindaura da Paz. E outra: não se faz assembleia ordinária em cima de um dia, não. Elas tinham que convocar dias antes. [...] E todo mundo conhece Uiara, ela trabalhou em secretarias, tem bom comportamento”, disse.
De acordo com Joselita, a ação das nove irmãs foi uma reação à sua gestão, que tentou afastar, desde 2022, Celina Sala das funções administrativas. “Eu não pensei que a Irmandade da Boa Morte, com aquelas velhas que eu encontrei e tinha tanto respeito mútuo, fosse deixar de ter irmandade. Agora, virou uma falta de vergonha e de consideração entre irmãs. Não é justo que essas irmãs sentem para incriminar outra irmã que nada tem a ver somente por despeito porque elas não querem saber das pessoas que têm conhecimento e pode desenvolver a irmandade. Elas só querem Celina Sala, porque ela as humilha”, frisou.
Na oportunidade, Joselita ainda negou que tenha feito alterações no estatuto e criticou a mudança na forma de recebimento do apoio financeiro do Governo do Estado para a Festa da Boa Morte. “Jogar em uma produtora a responsabilidade em trazer os alimentos do evento mostra que elas não têm capacidade de pegar no dinheiro”, finalizou.
Desligamento de irmãs: saiba o que o estatuto da Irmandade da Boa Morte
O estatuto da Irmandade da Boa Morte, que delibera sobre as condições de desligamento de uma integrante, aponta que uma irmã só pode ser desligada da entidade se utilizar da instituição para fins diversos dos seus objetivos, como visando proveito em causa própria ou por conduta socialmente reprovável e incompatível com as tradições da irmandade.
“A deliberação acerca do desligamento se dará por decisão da maioria das irmãs que compõem o Conselho de Honra, em reunião convocada para este fim”, diz parágrafo único do artigo 9 do referido documento.
Uma vez que o Conselho de Honra é formado pelas irmãs mais velhas, a reportagem apurou que a ordem das anciãs da irmandade é a seguinte: Lindaura da Paz, Maria das Dores e Joselita Alves. Segundo informações repassadas por fonte próxima aos envolvidos na polêmica, que não quis se identificar, a assembleia ocorrida nesta sexta-feira só contou com a presença de uma das três irmãs mais velhas – neste caso, Lindaura da Paz – descumprindo, assim, o requisito de maioria necessária para o desligamento.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro