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Maysa Polcri
Publicado em 1 de fevereiro de 2024 às 08:00
A mãe de Carlos Sousa achou que nunca mais entraria em contato com o candomblé quando jogou no mar suas vestes brancas e seus colares de conta. A promessa de que seria curada das cólicas que a atormentavam quando fosse iniciada na religião não se cumpriu. Com a decepção, Maria Romana entrou de cabeça no protestantismo. “Ela só não imaginava que um dia teria um filho de Iemanjá e que viraria babalorixá”, diz Carlos Sousa. >
A reviravolta começou a dar os primeiros sinais de que aconteceria quando Carlos tinha 15 anos. Foi quando as primeiras incorporações começaram. “Minha mãe pegou tudo que era de santo e jogou no mar. Iemanjá guardou e devolveu em formato de ser humano. Eu nasci de Iemanjá e uso tudo que um dia minha mãe já usou”, conta. “Quando eu comecei a dar os sinais minha mãe ficou muito chateada. Ela dizia que eu só seria iniciado [no candomblé] quando ela morresse”, relembra. >
Em uma das incorporações, Carlos Sousa disse à mãe que ela precisava cuidar do coração. “Minha mãe ficou ainda mais aborrecida, fez exames e não apareceu nada de errado.Dois anos depois, ela morreu de infarto fulminante do miocárdio. O Caboclo já tinha avisado”, fala o babalorixá. Na época, ele não entendia a magnitude da religião, até que descobriu que era filho da Rainha do Mar. >
“O orixá te escolhe, a gente não escolhe nossa casa e santo. Somos escolhidos desde o momento que nascemos. Quando eu estava na barriga da minha mãe, Iemanjá já sabia que seria filho dela”, diz. No terreiro Ilê Axé Ya L'Odo Nibu, em que Carlos é pai de santo, as celebrações para Iemanjá são feitas em 18 de abril, data que marca sua iniciação no candomblé. >
Cada filho de santo carrega, além da sua relação com orixá, as histórias de como o vínculo começou. No caso de Gilvan Queiroz, que fundou o terreiro Ilê Asé J'Omin Tokun há 14 anos, a iniciação veio cedo, quando ele tinha apenas 7 anos. Gilvan foi levado pela tia, sem que os pais soubessem, até um terreiro em Brotas. O espaço não existe mais, só fazem parte da memória do babalorixá. >
“Antigamente tudo era muito diferente. Eu passei um mês isolado em um quartinho e ela me dava comida através da porta. Eu achava tudo o máximo”, relembra Gilvan. Depois de iniciado, o menino voltou para a casa com os cabelos cortados. “Meus pais trabalhavam muito e eu ficava muito com a minha tia. Quando voltei para casa, ela disse que cortaram meu cabelo porque eu tive piolho”, conta rindo. Os pais só descobriram a verdade um ano depois. >
Assim como Carlos, Gilvan não faz rituais religiosos no dia 2 de fevereiro. As celebrações especiais para Iemanjá acontecem em julho, mês em que ele foi iniciado no candomblé. “É uma coisa muito linda quando somos escolhidos pelo nosso orixá”, fala admirado. >