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Millena Marques
Maysa Polcri
Publicado em 10 de abril de 2025 às 17:49
No mês em que assinou o contrato como professora substituta da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Irma Ferreira Santos, 34 anos, foi surpreendida com uma decisão da Justiça. A 10ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia cancelou a convocação e contratação da docente, que foi aprovada por meio de cotas em concurso para lecionar disciplinas no curso de Canto Lírico da Escola de Música. >
Irma, que é cantora e doutoranda em Educação Musical, passou pela seleção do edital 2/2024. Ela assinou o contrato no dia 1º de outubro do ano passado, quando deu início às aulas. No mesmo mês, recebeu a informação que outra candidata seria nomeada no seu lugar. “A partir daí, eu decidi que, independentemente do que estava acontecendo, eu estaria em sala de aula. Em momento nenhum eu interrompi o semestre ou deixei de estar na sala de aula, compreendendo o que significava essa presença em sala de aula”, disse. >
Com 20 anos de profissão, Irma já atuou em óperas tradicionais, contemporâneas e que carregam a temática afrodescendente, dentro e fora do Brasil. A informação de que a contratação seria cancelada chegou até Irma pelo Departamento da Escola de Música. “A minha forma de lutar foi estando em sala de aula. (...) Tudo isso está acontecendo agora porque eu passei no concurso. Eu passei no concurso porque eu faço parte das exigências que o concurso pedia. Eu não entrei pela porta do fundo”, afirmou. Irma foi a primeira professora negra de Canto Lírico da Escola de Música da Ufba. >
Após receber a determinação, a docente conversou com a universidade e com o Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia (Apub-Sindicato). A professora é atendida, aliás, pelo setor jurídico do sindicato. Irma chegou a lecionar dez disciplinas do curso durante um semestre, entre outubro de 2024 e fevereiro deste ano. >
“O contrato de professor substituto é renovado de seis em seis meses até o período total de 24 meses. Irma terminou os seis meses do primeiro período e já tinha a expectativa de renovação porque a própria Escola considerou a renovação. O nome dela (Irma) foi oferecido aos alunos como contrato que seria renovado”, disse o advogado Pedro Ferreira, que assiste à professora na parte administrativa junto à Ufba. >
A universidade recorreu da decisão da Justiça, reafirmando que cumpriu regularmente à Lei de Cotas, com orientação do Ministério Público. “Essa ação está sendo analisada. A liminar é uma decisão provisória. Paralelo a isso, assumimos o apoio político-institucional da professora Irma na defesa da manutenção do contrato em respeito ao cumprimento da Lei de Cotas”, continuou Ferreira. >
A outra candidata, Juliana Franco Nunes, que é branca, questionou a admissão de Irma Ferreira alegando que tirou nota final maior que a concorrente, segundo resultado divulgado pelo Departamento de Música em 6 de setembro de 2024. A reportagem tenta contatar a candidata nomeada após decisão judicial. >
“A faculdade tem um dilema: cumprir a ordem judicial da nomeação da outra professora (Juliana) e tem a obrigação político-institucional de contratar a professora Irma para cumprir a Lei de Cotas. O que defendemos e estamos reivindicando é que os dois contratos permaneçam”, pontuou o advogado. >
O concurso no qual Irma foi aprovada ofertava 86 vagas, sendo 16 reservadas para cotas. A docente foi aprovada para a vaga de Canto Lírico. A Lei 12.990/2014 prevê a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal para candidatos negros. >
“Então, isso é feito e redistribuído para todas as escolas. Naquelas em que há um só vaga e tendo as 16 vagas disponíveis, a vaga é contemplada com a Lei de Cotas. Isso tem gerado insatisfação, mas é uma forma que a universidade adota para fazer o cumprimento da Lei de Cotas, que é tão necessário”, finalizou Ferreira. >
Em nota, a Ufba disse que considera “equivocada” a decisão que cancelou a convocação e contratação da candidata aprovada em concurso para professora Irma Ferreira Santos. “Em defesa da autonomia universitária e da política de cotas, a Ufba entende ter havido “error in judicando” na sentença que concedeu a segurança e está correntemente adotando providências junto ao gabinete da Desembargadora Rosana Kaufmann para reverter a situação”, diz trecho da nota. >
Associação Brasileira de Educação Musical (Abem) publicou uma nota contra a determinação. Segundo a Abem, a professora atuou como docente na Ufba durante um semestre, teve seu contrato renovado e, logo em seguida, foi afastada de suas funções após decisão judicial. >
"O afastamento da professora Irma de suas funções, já em pleno exercício da docência, representa um constrangimento institucional inaceitável e um ataque simbólico a políticas e ações afirmativas", diz a associação. >
O Colegiado e o Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Música da Ufba (PPGMUS) também se manifestaram. "O PPGMUS se posiciona contra qualquer ataque às políticas de cotas, neste caso a Lei Federal n. 12.990/2014, uma conquista importantíssima da sociedade civil e do movimento negro como medida para corrigir e reparar violências históricas e as desigualdades que ainda caracterizam a sociedade brasileira, consequentemente, vários contextos profissionais, entre os quais, as universidades", disseram em nota. >