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Bruno Wendel
Publicado em 21 de janeiro de 2025 às 02:15
As madrugadas estão tensas para quem é da comunidade LGBTQIAPN+ em Salvador. Isso porque o público vem sendo alvo de assaltos após solicitar o serviço de transporte por aplicativo via moto. Na grande maioria dos casos, após solicitarem as ocorridas em locais frequentados por LGBTs, as vítimas são seguidas e abordadas ainda durante o trânsito por motoqueiros armados, que forçam a parada, espancam e roubam os celulares e cartões. Em 23 dias, já são pelo menos cinco casos apurados pelo CORREIO.
“A gente recebeu algumas denúncias desses casos. Acredito que já existe uma quadrilha organizada para cometer estes crimes. Infelizmente, a comunidade LGBTQIAPN+ é um grupo menorizado socialmente. Então, nos tornamos alvos fáceis desses criminosos, justamente pela fragilidade que a comunidade tem, muito pela falta do apoio familiar, de inclusão no mercado de trabalho, de aspectos mínimos que fortalecem as pessoas na sociedade, que dão, inclusive poderio econômico para que estas pessoas utilizem outros meios de locomoção, como carro, porque a gente sabe que a modalidade de motocicletas é a mais barata”, declara o advogado Ives Bittencourt, presidente da Comissão de Diversidade e Gênero da OBA Bahia.
Em todas as ocorrências apuradas pela reportagem, as vítimas eram homens, que solicitaram a corrida pelo aplicativo 99, entre os dias 21 de dezembro de 2024 e o último dia 17. Entre as cinco vítimas, quatro foram localizadas pela reportagem.
O caso mais recente teve como vítima o filmmaker Pedro (nome fictício). Ele conta que tinha acabado de sair de uma boate no Rio Vermelho e usou o aplicativo, por volta das 4h50, para ir para sua casa, no bairro do Dois de Julho. No entanto, durante o trajeto, ele e o piloto da 99 foram surpreendidos na Federação. “Quando a gente passava pela Avenida Cardeal da Silva, surgiram dois homens, cada um em uma moto, e um deles apontou a arma, mandando encostar. O rapaz da 99 ainda tentou acelerar, mas os criminosos insistiram com a arma e ele parou”, relata Pedro.
Ele e o piloto do 99 foram levados para a Rua Mata Maroto. “Eles imprensaram a gente na parede e começaram o terror. Enquanto um pegava o meu celular para desbloquear, o outro ficava com a arma apontada para o meu rosto. Um deles me deu um tapa no rosto, porque, devido ao nervoso, não acertava a senha. Depois que conseguiu liberar o aparelho, ele me bateu novamente, porque achou que estava encarando. Bateu no rapaz do 99 também e levaram os celulares da gente. Mas antes, disseram que se olhássemos para trás, iam atirar”, relata o filmmaker, que horas depois do mesmo dia registou uma queixa na 7ª Delegacia (Rio Vermelho).
A vítima também acha que foi alvo por ser vulnerável. “Sei que outros gays também foram roubados da mesma forma que eu e isso leva a crer que estamos na mira deles (criminosos)”.
É o que também acha o estudante João (nome fictício), um estudante, outra vítima ouvida pela reportagem. Era pouco depois da meia-noite do dia 29 de dezembro de 2024, quando ele resolveu também voltar para casa, após ter curtido com amigos a noite em um bar que virou um point LGBTQIAPN+ na Rua Almirante Marques de Leão, na Barra.
Morador do bairro Dois de Julho, seguia o seu trajeto até que... “Escutei o barulho de uma outra moto acelerar. Foi aí que o cara emparedou, dizendo que estava armado e que ia atirar se o rapaz da 99 não parasse. Então, não teve uma alternativa e parou no Garcia, perto do Teatro Castro Alves”.
“De imediato, ele pegou o celular do motoboy, que fica logo à vista. Quando entreguei o meu, ele disse que eu tinha outro, porque era um aparelho velho, que não acendia, e que ia me matar. Respondi que não tinha, mas insistia, dizendo que estava armado e que ia me apagar ali. Mas não sei o que deu, que ele foi embora com os aparelhos”, relata João. Ele disse que o assaltante vinha acompanhando-o desde o início da corrida. “Só depois que percebi que o motoqueiro já vinha seguindo a gente da Barra, mas nunca ia imaginar passar por uma situação dessa”, detalha o rapaz.
No intervalo de 3h
Já no dia 21 de dezembro de 2024, foram duas ocorrências, num intervalo de quase três horas. O psicólogo Tiago (nome fictício) tinha acabado de assistir a um espetáculo num espaço cultural na Federação. Já era madruga quando ele pegou a corrida pela 99. Seu destino era sua residência, em Brotas. “Eu guiava praticamente o motoboy, porque ele era de São Paulo e estava recentemente aqui. Quando passávamos pela Avenida Bococô, perto da estação do metrô de Brotas, por volta da 1h, um homem chegou numa moto, na mesma velocidade, sacou a arma e mandou parar”, conta Tiago.
Após acatarem a ordem, o psicólogo e o piloto da 99 foram surpreendidos com outros quatro motoqueiros, cada dupla em um veículo. “Achei que eles iam levar a moto, mas queriam o meu celular e do rapaz (do 99). Aí me deram murros nas costas para passar a senha. Eu fiz o que mandaram, mas um deles continuou a me bater e ainda rasgou a minha camisa. Foi uma abordagem muito agressiva, sem a gente ter sequer reagido”, detalha. Tiago disse que tudo não passou de três minutos. “Mas parecia uma eternidade. O motoboy só dizia pra não fazerem nada com a gente, que ele era trabalhador, mas continuaram a me bater”, detalha o rapaz.
Ainda no último dia 21, o professor de brasiliense André (também nome fictício) deixou uma boate no Rio Vermelho com destino à casa onde estava hospedado, no Dois de Julho. “Pedi um 99 moto para ir embora. Entre as 2h50 e 3h, fui assaltado. Eles abordaram a moto em que eu estava , apontando uma arma”, relata o rapaz.
O fato aconteceu na Avenida Vasco da Gama, próximo a uma loja de autopeças. O assalto foi cometido por dois homens, sendo que o carona era o único que estava armado. “Já foram dando vários murros. Eu não reagi, fui dando a pochete e o celular, mas continuaram dando socos. Pediram a senha do celular, dei e, ainda assim, deram mais alguns socos e foram embora. Estavam de capacete, por isso não vi muitos detalhes no rosto, mas tinha 1,80 mais ou menos, e todos com jaqueta”, conta o rapaz.
André estava em Salvador desde o início do mês de dezembro do ano passado e tinha pretensões de ficar na cidade. “Eu fui à intenção de morar mesmo, fiz algumas entrevistas. Mas ter sido assaltado foi um dos motivos para ir embora. O principal foi a sensação de insegurança de daí em qualquer horário”, declara ele, que deixou a capital baiana no dia 10. Além de registrar ocorrência na 1ª Delegacia (Barris), o rapaz comunicou o episódio à empresa de transporte por aplicativo. “Pedi mais informações para a 99 e eles só responderam o básico: que estão tomando providências internas”, diz.
Posicionamentos
A reportagem procurou a 99. A empresa emitiu um posicionamento referente aos casos que foram registrados em delegacia. Em nota, a 99 disse que “lamenta profundamente o ocorrido” com o passageiro Pedro. “Assim que a ocorrência foi registrada, uma equipe foi mobilizada para investigações internas”, diz o documento. A empresa informou que tentativas de contato dele “foram realizadas para prestar suporte e acolhimento”. Já em relação ao André, a 99 declarou que ele “não tem cadastro na plataforma”. A empresa finaliza a nota dizendo que “está à disposição das autoridades para esclarecer o caso”.
Já Polícia Civil disse que “reforça que casos como esses são tratados com a devida atenção por meio do Departamento de Proteção à Mulher, Cidadania e Pessoas Vulneráveis (DPMCV), responsável por apurar crimes de natureza similar e garantir a segurança de grupos em situação de maior vulnerabilidade” . “As investigações seguem em andamento, e a corporação orienta que novas vítimas registrem boletim de ocorrência em qualquer delegacia ou ainda pelo nosso canal virtual, que funciona 24 horas, para fortalecer as ações de combate a esses crimes e identificar os responsáveis”, diz a nota enviada do CORREIO.