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Larissa Almeida
Publicado em 10 de novembro de 2024 às 13:42
O bairro de Mussurunga, em Salvador, foi o que mais sofreu interrupções no serviço de ônibus em 2024. Foram 61 horas sem ônibus, entre momentos alternados, nas datas de 3 a 6 de maio, de acordo com o levantamento inédito Catraca Racial: o impacto da segurança pública na mobilidade urbana da capital da Bahia, produzido em parceria pela Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, pelo Observatório da Mobilidade de Salvador e pelo Instituto Fogo Cruzado.
Entre 4 de agosto de 2023 e 15 de agosto de 2024, foram 14 interrupções. Nenhuma delas, no entanto, é reconhecida pelos moradores do bairro. “Só vejo ônibus parar em Salvador por greve e em alguns bairros quando o tráfico de drogas impede a entrada do transporte coletivo, mas em Mussurunga nunca vi parar”, afirma a estudante Carol dos Santos, 19 anos.
De acordo com outros moradores, que preferiram não identificar, as suspensões do transporte ocorreram na região da Vila Verde, uma área que não cumpre os requisitos da gestão municipal para ser considerada um bairro oficialmente e, por conta disso, é vinculada a Mussurunga em razão da proximidade. O historiador e cofundador da Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro, inclusive, admite que a maior parte dos registros atribuídos a Mussurunga correspondem a interrupções na outra localidade. “Nossos analistas buscaram a distribuição oficial organizada pela prefeitura, mas a maioria foi em Vila Verde”, diz.
Um homem de 25 anos, morador da Vila Verde, conta que, de fato, a região já foi afetada pelas interrupções no transporte público. "A violência ocasionada pela disputa entre facções acaba gerando uma grande insegurança na população e o transporte fica interrompido na localidade. Só que isso não aconteceu só aqui. Algumas das disputas ocorreram em localidades vizinhas, [como] Invasão, Vila Verde 2, Cajá, Prédios da Cajá. [Quando ocorreu em Vila Verde], eu tive que abrir mão de compromissos ou ir para um outro local a pé para pegar um ônibus", relata.
Além de Mussurunga, os bairros de Fazenda Coutos, Valéria e Pernambués foram os mais impactados pela interrupção do serviço de transporte coletivo. No período analisado pelo levantamento, Fazenda Coutos e Valéria registraram oito interrupções cada, enquanto Pernambués anotou seis. Segundo Dudu, todos esses bairros têm em comum a presença de grupos armados e de ações policiais. “São bairros violentados também pela ausência de políticas públicas e falta de investimentos. Não por acaso, são todos de maioria negra”, afirma.
“A população negra e periférica de Salvador hoje sofre até para permanecer em suas comunidades, devido aos conflitos recorrentes produzidos por um modelo violento de segurança pública. [...] Se não há mobilidade urbana, compromete-se o direito à saúde, educação, renda, lazer. É como se o Estado construísse uma catraca racial não visível a todos os olhos, mas define quem, quando e para onde pode se mover na cidade de Salvador”, analisa o especialista.