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MPF aponta irregularidade na Lei de Cotas da Residência Médica na Bahia e dá 48h para adequação

Caso os organizadores não façam a reserva de vagas para negros da forma adequada, a instituição promete acionar a justiça

  • Foto do(a) author(a) Gil Santos
  • Gil Santos

Publicado em 31 de outubro de 2024 às 13:46

Cerca de 5 mil médicos especialistas estão espalhados no interior da Bahia
Provas serão aplicadas em 15 de novembro Crédito: Shutterstock

Mais uma polêmica envolvendo a Lei de Costas na Bahia. Atualmente, está em curso o processo seletivo que vai escolher os médicos que vão atuar nos hospitais do estado no ano de 2025. São 968 vagas e pela legislação baiana 30% delas deveriam ser destinadas para pretos e pardos, o que daria 290 cadeiras, mas apenas 15 vagas estão sendo destinadas a esse público. O Ministério Público Federal (MPF) identificou a irregularidade e deu 48h para os organizadores fazerem a adequação ou serão acionados na Justiça. O prazo encerra nesta sexta-feira (1º).

As provas serão aplicadas em 15 de novembro. A discussão é sobre como as vagas estão sendo distribuídas. O edital estabelece que 10% das cadeiras do concurso serão destinadas aos pretos e pardos, e apenas em especialidades nas quais a unidade de saúde oferte 10 ou mais vagas, como a maioria dos hospitais não oferece mais de 10 vagas por especialidade em residência o número ficou limitado a 15 das 968 vagas.

O concurso está sendo realizado pela Comissão Estadual de Residência Médica da Bahia (Cerem-BA), instituição vinculada à Comissão Nacional de Residência Médica. O MPF explicou que pela legislação brasileira deve ser reservada aos negros 20% das vagas ofertadas nos concursos públicos federais, mas como os profissionais vão atuar em unidades de saúde da Bahia existe a possibilidade também de que a reserva de vagas ocorra de acordo com a legislação baiana, que é de 30% para negros. Os dois percentuais superam os 10% anunciados no edital.

"O edital em exame, contrariando as leis de regência e a interpretação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, promove o fracionamento indevido e inadequado, de forma que das 968 vagas ofertadas somente 15 foram reservadas para pessoas negras e 1 vaga para pessoa com deficiência", diz o procurador Ramiro Rockenbach, na recomendação publicada nesta quarta-feira (30).

O procurador frisou que o STF determinou que os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida, porque isso burla a política de ação afirmativa, e disse que o objetivo da recomendação é garantir maior efetividade à aplicação das cotas, afastando interpretações e métodos que resultem na diminuição do alcance das políticas públicas.

"Proceda à readequação do Edital de 18/09/2024, do Processo Seletivo Unificado de Residência Médica/Bahia 2025, retificando-o, assim como todos os subsequentes que venha a realizar, de forma a assegurar às pessoas negras o percentual de 30% das vagas ofertadas, [conforme o] Decreto Estadual n.º 15.353/2014, percentual mais favorável, porquanto o certame também envolve instituições estaduais, as quais devem ser calculadas com base no número total de vagas ofertadas por especialidade, e não por instituição", afirma o procurador.

Ramiro Rockenbach explica na recomendação que os organizadores do concurso podem aplicar também média ponderada, oferecendo 20% para as unidades de saúde federais e 30% para a estaduais, mas frisou que elas devem ser calculadas com base no número total de vagas ofertadas por especialidade, e não por instituição. As recomendações valem também para as vagas destinadas às Pessoas com Deficiência (PCD).

"O não acatamento da presente recomendação ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatamento total ou parcial ensejará a adoção das medidas judiciais cabíveis pelo Ministério Público Federal", conclui o procurador da República.

Denúncia

A recomendação do MPF surgiu depois de uma denúncia. O CORREIO conversou com o homem que fez a reclamação. Ele pediu para não ser identificado e contou que não vai fazer o concurso, mas que leu o edital para ajudar uma amiga com a inscrição e percebeu a irregularidade. Na petição enviada ao MPF, ele explica que, conforme o edital, o percentual de 10% somente é aplicado em especialidades nas quais a instituição oferte 10 ou mais vagas e que este critério limita significativamente o alcance da política de cotas.

"Tomemos, como exemplo, a especialidade de Cirurgia Geral, que oferta 78 vagas, das quais 24 deveriam ser destinadas a candidatos negros, caso fosse aplicado o critério de 30%, ou 16 vagas, pelo critério de 20%. Todavia, apenas 1 vaga foi reservada, em razão de que apenas o Hospital Geral Roberto Santos possui mais de 10 residentes nessa especialidade", disse.

No mesmo dia em que o MPF emitiu a recomendação a cerca da Processo Seletivo Unificado de Residência Médica/Bahia 2025, na quarta-feira (30), o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nota se posicionando contra a implementação de cotas nas Residências Médicas. A entidade afirmou que reconhece a importância das políticas afirmativas, mas disse que elas são injustificáveis nessa fase profissional.

O Ministério Público Federal (MPF) e a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) foram procurados para informar se a Comissão Estadual de Residência Médica da Bahia (Cerem-BA) respondeu a recomendação do procurador e quais os próximos passos, mas ainda não se manifestaram.

Essa foi a terceira polêmica envolvendo cotas raciais na Bahia, nos últimos três meses. Na terça-feira (29), O CORREIO divulgou o caso de um homem que assumiu uma vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCE) como cotista, mesmo após a comissão de heteroindetificação ter negado o acesso pelas cotas. Em agosto, uma candidata precisou acionar a justiça para assumir uma vaga de professora na Universidade Federal da Bahia (Ufba) como cotista.