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Hilza Cordeiro
Publicado em 24 de abril de 2020 às 17:24
- Atualizado há 2 anos
A morte do artista plástico Manoel Arnaldo dos Santos Filho, conhecido como Nadinho, na época com 61 anos, completou dois anos sem solução nesta última terça-feira (21). Ele foi morto com um tiro nas costas disparado por policiais militares durante uma operação em Candeias, na Região Metropolitana de Salvador. Nadinho, que não tinha antecedentes criminais, estava dentro do próprio ateliê no bairro Santo Antônio. Os policiais foram processados administrativamente e criminalmente, mas, de acordo com a Polícia Militar, os inquéritos estão suspensos por decisão judicial.
Atualmente, os militares Edvaldo Nunes de Almeida, Leandro Santos Xavier e Dinalvo do Santos Paixão, todos pertencentes à 10ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Candeias), seguem trabalhando realizando serviços internos. Conforme a PM, a documentação dos processos foi encaminhada à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para a adoção de medidas cabíveis.
Os três policiais chegaram a ser indiciados administrativamente pela própria Polícia Militar da Bahia em 25 de agosto do ano passado, que os enquadrou por homicídio doloso, ou seja, quando há a intenção de matar. Neste inquérito, a PM não conseguiu explicar a existência de uma arma de fogo atribuída a Nadinho na cena do crime. A PM explicou ao CORREIO que um dos policiais acusados recorreu da decisão na justiça, suspendendo o desfecho do caso. Por causa da pandemia de coronavírus, ainda não se sabe a nova data para continuidade dos processos.
Filha do artista, a autônoma Maraísa Marina dos Santos, 36, garante que não abrirá mão de lutar pelo julgamento dos oficiais. Segundo ela, a família não tinha condições financeiras de contratar um advogado na época e aceitou os serviços de um profissional ainda com pouca experiência. “Ele não entrou como assistente de acusação no Ministério Público e enrolou a gente”, conta. Atualmente, o processo criminal encontra-se no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) para julgamento do recurso movido pela defesa dos policiais.“O que eles querem fazer é cansar a gente para cair no esquecimento e deixar de ser um crime relevante, mas a gente não vai desistir. Eu ainda estou muito abalada. Não tem um dia que eu abra meu olho e não lembre de tudo o que aconteceu, do dia de terror que nós tivemos e do pai que a gente perdeu. Se painho estivesse vivo hoje, ele estaria fabricando máscaras porque era bom em ajudar. Foi uma crueldade o que fizeram. A nossa luta é a luta também da nossa comunidade, que sofre com isso. Queremos que para os demais policiais isso seja uma sinalização: ‘olhe, se vocês cometerem erros do jeito como cometeram com meu pai, vocês vão pagar’. Eles criminalizaram o meu pai e isso nos machuca muito”, desabafou a filha.Relembre o caso O artista plástico Arnaldo Filho morreu após ser baleado durante uma ação da Polícia Militar dentro de seu ateliê, na noite do sábado 21 de abril de 2018, em Candeias. Segundo os familiares da vítima, PMs entraram no imóvel e já chegaram atirando no homem, que estaria desarmado e desenhando.
Em nota, a PM afirmou, inicialmente, que a morte aconteceu no bairro Santo Antônio, por volta das 20h, após equipe de militares da Operação Força Tática de Candeias receberem um chamado através do Centro Integrado de Comunicação (Cicom), informando que um homem havia invadido uma residência no bairro.
A PM informou que duas equipes estiveram envolvidas nessa ocorrência, cada uma composta por três policiais militares. "Entretanto, apenas uma estava no momento da abordagem do imóvel, a outra equipe chegou em apoio momentos depois", destacou a corporação.
"Ao chegarem no endereço informado, as equipes policiais bateram à porta do imóvel e identificaram-se como policiais militares, contudo o homem que apareceu em uma das janelas recepcionou os policiais empunhando e apontando uma arma de fogo contra os integrantes das guarnições e, segundo o relato dos próprios policiais, teria acionado duas vezes a tecla do gatilho da arma, mas a munição teria falhado. Frente à iminente ameaça, os policiais alvejaram o homem com dois disparos, um atingiu o braço e outro, o tórax", afirmou a PM, em nota.
Na versão da família, os PMs estavam fazendo uma perseguição a assaltantes e entraram na casa de Nadinho. "Eles já entraram metendo o pé na porta e atirando. Não tinha nenhum bandido lá dentro. Ele é uma pessoa de bem. Morava sozinho dentro da casa e nunca foi envolvido com nenhum tipo de crime", afirmou Marcos Alves, sobrinho do artista plástico. O sobrinho ainda disse que os policiais entraram na casa e implantaram uma arma na cena do crime. "Ainda disseram que meu tio tinha pólvora na mão, mas ele não atirou. Era um homem de bem que não tinha nenhum envolvimento. Ele morava nessa casa desde pequeno", complementou Marcos.
Pelas costas Segundo o delegado, foi atingido pelas costas por um dos policiais militares envolvidos na ocorrência. “Três tiros foram disparados na direção da vítima, mas apenas um atingiu-o mortalmente. Os outros dois atingiram a porta e a parede da casa”, disse o delegado titular de Candeias, Marcos Laranjeiras.
Os três policiais admitiram, em depoimento, que não tinham certeza se o que Nadinho tinha na mão era uma arma de fogo. “Eles disseram que viram a vítima com um objeto não identificado na mão. Disseram que não poderiam precisar que existia uma arma de fogo porque já era 21h e estava escuro”, disse o delegado.
O depoimento contradisse a versão oficial da PM à imprensa, em que constava que "o homem que apareceu em uma das janelas recepcionou os policiais empunhando e apontando uma arma de fogo contra os integrantes das guarnições e, segundo o relato dos próprios policiais, teria acionado duas vezes a tecla do gatilho da arma, mas a munição teria falhado. Frente à iminente ameaça, os policiais alvejaram o homem com dois disparos, um atingiu o braço e outro, o tórax".
Em depoimento ao delegado, as testemunhas confirmaram que alertaram os policiais que na residência do bairro Santo Antônio não havia bandidos, mas sim um artista plástico. Nadinho não tinha antecedentes criminais.
Erros A família conta que os erros da Polícia Militar começaram com a troca do endereço em que uma ocorrência de assalto teria ocorrido. “O assalto era na 2ª travessa 31 de março, número 15. O meu pai morava na Travessa 31 de março, número 11. Então já começou errado desde aí. Eles tratam de vidas. Não podem errar coisas assim”, lamentou a filha pedagoga, Márcia Cristina Marinho.
A viúva de Nadinho, Maria das Graças, lamentou a situação e como a família ficou após o ocorrido. “Nós estamos vivendo à base de remédio e eles estão aí, normalmente, trabalhando. Vai dar em qual punição? Eles têm que pagar”, criticou.