Moradores do Stiep desembolsam quase R$ 40 mil para implementar segurança privada

Associações alegam aumento da criminalidade após abandono do antigo Centro de Convenções da Bahia

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  • Millena Marques

Publicado em 11 de outubro de 2023 às 05:00

Câmeras de vigilância no Stiep
Câmeras de vigilância no Stiep Crédito: Paula Fróes

Cerca de 60 moradores do Stiep desembolsaram aproximadamente R$ 40 mil em quatro anos, para implementação de um sistema de câmeras de segurança, com 16 equipamentos, em quatro ruas do bairro: Solimões, Japurá, Purús e Araguaia. A ação popular aconteceu por causa da incidência de delitos na região do antigo Centro de Convenções da Bahia (CCB), que também afeta os bairros do Costa Azul, Jardim Armação e Boca do Rio.

Após sete anos do desabamento do prédio, presidentes de associações, moradores e o vereador Cláudio Tinoco (União Brasil) se reuniram em audiência pública para cobrar o posicionamento do governo do Estado sobre a atual situação do imóvel. O evento aconteceu nesta terça-feira (10), no Centro de Cultura, na Praça Municipal.

Morador do Stiep desde 1980 e atual diretor-secretário da Associação de Moradores do Jardim Atalaia - Stiep (AMJA), a primeira do bairro, José Mário Santiago afirmou que não sai de casa depois das 18h sem carro, com receio de ser vítima de assaltos. "Só saio de casa de carro e olhe lá. Até quando paro no sinal, fico olhando para tudo quanto é lado. Nós, moradores, estamos gastando dinheiro do nosso próprio bolso para fazer a segurança", disse ele ao CORREIO.

De acordo com Santiago, que era presidente da associação até o ano passado, cada morador desembolsa, mensalmente, R$ 410 para manter o serviço de segurança privada. Uma empresa especializada foi contratada para monitorar as câmeras instaladas: quatro vigilantes realizam rondas nas ruas monitoradas pelas câmeras, dois em cada turno. A intenção é aumentar o número de equipamentos nas rua Solimões e Xingu, sendo que esta última ainda não está incluída no sistema de monitoramento.

A reportagem solicitou o número de ocorrências registradas na região em 2015, antes do desabamento parcial, em 2022 e neste ano, para identificar o crescimento da criminalidade no local após parte do CCB desabar. No entanto, até a publicação desta matéria, não havia respostas da Polícia Civil.

A situação de insegurança é reflexo do abandono do CCB, patrimônio de responsabilidade do Governo do Estado da Bahia. É o que apontam associações de moradores da região, incluindo AMJA, Associação dos Moradores e Amigos do Costa Azul (Amoca), Associação de Moradores de Armação (Amar) e Associação de Moradores Arnaldo Lopes da Silva - Stiep (Amals).

Segundo a presidente da Amals, Elenize Velame, o aumento da criminalidade tem início no ano de 2016, quando parte da estrutura do CCB desaba, e o Governo do Estado anuncia demolição meses depois, em novembro. A decisão é suspensa no ano seguinte, por causa de uma determinação do Tribunal Regional do Trabalho da 5º Região (TRT-BA), responsável por penhorar a propriedade para garantir a dívida de R$49 milhões em encargos trabalhistas, com mais de 160 ex-funcionários da Bahiatursa, órgão substituído pela Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia (Sufotur), na atual gestão do governador Jerônimo Rodrigues (PT).

"O local é como se fosse um forte. Eles [criminosos] se sentem fortalecidos e utilizaram o espaço como esconderijo, que possui três saídas, facilitando a entrada e fuga. A situação nos deixa angustiados. É tão sério que evitamos sair a partir de certa hora da noite", pontuou Velame.

Na última segunda-feira (9), por exemplo, a presidente do coletivo recebeu a informação de que uma moradora, já idosa, e a filha foram assaltadas na rua principal do bairro, Manoel Ribeiro. As vítimas foram obrigadas a deitar no chão, sob ameaça de homens armados, mas não registraram o boletim de ocorrência em uma delegacia por medo.

"Eu prefiro não sair de casa. Nós, moradores, procuramos sair uma única vez por semana, para fazer compras de supermercado, algo do tipo. As famílias evitam sair com os filhos, ainda que seja pela tarde. Quando saímos, o foco é sempre nas duas lagoas, onde temos uma certa segurança. Não saímos mais a partir de 20h", disse.

O espaço de 153 mil m², que já recebeu eventos como o 12º Congresso da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2010, e a Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (II CIAD), em 2006, hoje é utilizado como rota de fuga de criminosos, como indica o presidente do Conselho Comunitário de Segurança da região, Bruno Cardoso.

"As pessoas que cometem os delitos enxergam no espaço um esconderijo, que pode servir de abrigo após furtos e assaltos. Drogas e certos pertences já foram encontrados no espaço, por exemplo. Isso torna a região insegura para os moradores", disse Cardoso.

Audiência cobra explicações do Estado

A audiência proposta pelo vereador Cláudio Tinoco, com o apoio dos coletivos de moradores, cobrou transparência por parte do Governo do Estado. A ideia do encontro era descobrir qual o futuro do CCB, palco de eventos que movimentavam a economia baiana desde 1979, ano de inauguração. "Qual é o plano de desmonte e de limpeza da área? O Estado precisa dizer o que ele quer. Depois de sete anos do desabamento parcial, existe uma deterioração do imóvel, com maior incidência de furtos e roubos, além da utilização do espaço como passagem para criminosos", pontuou o edil.

Após a ausência de representantes do governo estadual nessa audiência, o vereador anunciou que irá encaminhar uma denúncia ao Ministério Público da Bahia e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) em que solicitará uma investigação do atual estado de abandono em que se encontra o antigo Centro de Convenções da Bahia. No último mês completaram-se sete anos do desabamento parcial do equipamento e até hoje não há destinação concreta para o local.

Foram convidados para o encontro o secretário de Turismo do Estado, Maurício Bacelar; a Procuradora Geral do Estado, Bárbara Camardelli; o secretário de segurança pública, Marcelo Werner; o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia, Joseval Costa Carqueja; o secretário de Desenvolvimento e Urbanismo, João Xavier; o presidente da CONDER, José Trindade; o secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho; a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, Débora Machado. No entanto, as autoridades não compareceram. As justificativas foram apresentadas ao vereador Tinoco e solicitadas pela reportagem, que não teve acesso às respostas.

Tinoco solicitou informações acerca do possível desmonte/demolição do antigo CCB ao Gabinete do Governador. Em nota, a qual o CORREIO teve acesso, o Gabinete afirmou ter encaminhado a solicitação para a Companhia de Desenvolvimento Urbano (Conder) e às Secretarias da Administração (Saeb), de Turismo (Setur) e de Relações Institucionais (Serin).

A reportagem também procurou as secretarias citadas e a Conder. Entre os questionamentos feitos estão perguntas sobre o futuro do espaço, se está penhorado ou não, qual a dívida que o Estado tem com ex-funcionários da antiga Bahiatursa, quanto já foi pago e quais são os impactos da ausência do equipamento para o trade turístico da Bahia. Até o fechamento desta matéria, apenas a Setur havia respondido a solicitação, orientando fazer contato com a Saeb, o que já havia sido feito.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro