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‘Meu maior desafio é resgatar a magia das mulheres negras adultas’, diz Deusa do Ébano 2025

Eleita neste sábado (15), Lorena Bispo é voz de defesa da beleza e cultura negra

  • Foto do(a) author(a) Millena Marques
  • Millena Marques

Publicado em 16 de fevereiro de 2025 às 19:08

Lorena Bispo, Deusa do Ébano 2025
Lorena Bispo, Deusa do Ébano 2025 Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Aos 22 anos, Lorena Bispo foi coroada a Deusa do Ébano de 2025 na 44ª edição da Noite da Beleza Negra, na noite de sábado (15), na Senzala do Barro Preto, no Curuzu. A pouca idade, no entanto, é apenas um número diante da imponência apresentada pela jovem de Itapuã, que trilha, desde a infância, caminhos para a valorização da beleza preta. Para ela, o principal desafio é resgatar a magia de mulheres negras adultas. Ao CORREIO, Lorena fala sobre a responsabilidade do título, planos para 2025, referências de vida e as dificuldades enfrentadas por blocos afro. Confira entrevista completa:

Como você acordou após ter sido coroada Deusa do Ébano de 2025? Qual foi a sensação ao ter sido anunciada como a nova Deusa do Ébano do Ilê Aiyê?

Eu não consegui dormir. Embora eu esteja muito cansada, estou exausta, eu entreguei tudo de mim, de fato, mas a sensação é de que você está tão cansada que o corpo não desliga. É isso que está acontecendo comigo. Eu estou muito cansada. Minha está a mil, tentando administrar e entender, mas ainda não consegui desligar minha bateria.

Eu não acreditei (que foi coroada). Sabe por quê? Porque quando eu entrei eu derrubei o atabaque. (...) Quando eu entrei que derrubei o instrumento, eu não me desestruturei, segui no que tinha de fazer, mas quando eu vi aquele mar de gente gritando meu nome, eu senti a quadra tremer, eu vi a Senzala do Barro Preto toda tremer, me deu mais gás, mais força. Ouvir o meu nome foi sensação inexplicável. Eu realmente não acreditei por mais que tivesse uma torcida muito grande, o processo é muito difícil para gente. Chegar até lá (na Noite da Beleza Negra) já é um momento de celebração. Eu já estava muito feliz.

Você sentia que era uma das favoritas ao título?

Eu via, percebia o burburinho acontecendo. Toda a expectativa das pessoas – muito por conta do reflexo de 2024 (quando Lorena foi princesa do Ilê), mas eu também estava entendida que as 15 selecionadas eram capacitadas para estar ocupando aquele espaço. Então, para mim, foi uma disputa justa. Justo pelo justo. A gente não criou inimizades. A gente brigou, ‘quebrou o pau’, no palco, mas o processo foi muito gostoso, muito sensível, de acolhimento. Pela primeira vez, eu sinto isso em concursos de mulheres pretas que estão em um processo de competição. Sobre o favoritismo, eu percebia, mas ficava: ‘não, gente, acho que não’. Não quis me afetar com a expectativa mundana.

De onde veio o desejo de se tornar Deusa do Ébano? E qual é a sua relação com o Ilê Aiyê?

Esse sonho é, primeiramente, entendimento de história, de identidade, de onde venho, da minha comunidade. Primeiro, me compreendi enquanto rainha a partir do momento em que eu reconheço e adoço a legitimidade da realeza da minha família. Minha avó, minha mãe, minhas tias, meus tios, meu pai, minhas professoras e todos aqueles que de alguma maneira são referência para mim. Nesse processo, eu entendi que realmente sou constituída por uma corte de realezas por mais que historicamente nos coloquem em um lugar contrário disso. O Ilê Aiyê chega para mim através da influência da minha família. O primeiro momento em que a gente tem contato com a arte, diretamente, né, é quando, aos três anos, minha mãe me matricula na Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Esse é o momento em que começo a dançar. Lá (Funceb), eu vivo 15 anos da minha vida. Nesse processo, eu entendo como é a dança, como minha mãe instrumentaliza e impulsiona esse sonho em mim e entendo como o Ilê Aiyê legitima essa realeza que sempre existiu na minha família.

Como foi a sua preparação para chegar ao título de Deusa do Ébano?

Verdadeiramente, essa preparação se inicia a partir do momento em que eu compreendo, legitimo a minha história e a minha identidade. E o que significa isso? Significa sobre quem são as referências negras para mim? Eu tenho referências negras na minha família. Então, eu entendo que essa corte de realezas é a minha própria família. Quando tenho convicção disso, eu entendo que esse processo está acontecendo. Antes do mundo entender a nossa, a gente precisa entendê-la, e isso é doloroso. É um exercício de resgate. (...) Tecnicamente falando, esse processo se inicia muito tempo antes do concurso. Eu digo que chego na dança através do útero de minha mãe, mas eu início na dança de blocos afro a partir da rainha Vânia Oliveira. Ela me pare nesse mundo. Ela ganha como princesa em 2002 e 2014, mas, para a comunidade, ela é rainha legítima. Essa preparação se inicia no meu primeiro contato com Vânia, em 2019.

O título traz uma responsabilidade imensa. São muitos os desafios ao representar milhares de meninas e valorizar a beleza negra. Quais são os principais e como você pretende encará-los?

Eu penso que um dos meus grandes desafios é resgatar a magia, a esperança, mas, sobretudo, convocar a realeza de mulheres. Eu consigo realizar isso com crianças, que é um processo que faço com as meninas do Malezinho, de como elas se reconhecem rainhas. Mas eu penso que mulheres, já formadas, têm dificuldade de acessar esse lugar mágico, esperançoso. Então, esse é um dos meus maiores desafios: trazer essas mulheres para um lugar de possibilidade, transformação e convocação. Mas, a mesmo tempo, é um compromisso que assumi. Assumo em vida. É uma ação que faço contidamente, não porque agora estou Deusa do Ébano. Eu já faço isso desde o momento em que consigo entender a minha história.

Rainha Lorena Bispo por Arisson Marinho/CORREIO

Com o título, o que você tem de planejamento para 2025? O que a gente pode esperar de Lorena Bispo?

Gente, não espera nada de mim, hein? (Risos) Não espera nada. As pessoas criam muitas expectativas e eu penso que eu quero viver o processo. Não quero dizer que ‘vou fazer e acontecer’, não. O que me comprometi a fazer, cumprirei na medida que posso, que consigo. Mas, nesse momento agora, eu quero celebrar, respirar, festejar com os meus, com as pessoas que acreditaram em mim e que se inspiram em mim, seja espiritualmente ou fisicamente. Eu penso também em uma agenda para esse ano de muitos compromissos, de entendimento de como a gente vai multiplicar esse troféu, de que forma esse troféu vai afetar a vida das pessoas.

Na noite da Beleza Negra, Vovô do Ilê voltou a falar da dificuldade de fazer grandes carnavais com os blocos afro por falta de patrocínio. Como você enxerga isso?

É uma situação bastante problemática porque o Carnaval de Salvador bebe, se estrutura, se renova, se transforma por meio dos blocos afros, mas, infelizmente, para uma nata da sociedade e devido ao que é interessante ou não para os olhares desses patrocinadores, a gente não tem uma valorização. Tanto que para os blocos afros serem transmitidos é uma dificuldade absurda. Se a gente não tem algumas emissoras específicas, ninguém vai ver passar na avenida. ‘Ah, Lorena, mas os blocos passam muito tarde.’ Mas por que será que passa de madrugada? Será que não é um horário estratégico para a gente não estar vendo, celebrando, ovacionando quem de fato dá seguimento ao Carnaval. A fala de Vovô é muito assertiva para que a gente compreenda esses patrocinadores. Quem são essas pessoas que querem patrocinar o nosso Carnaval. O Carnaval é uma festa do povo, mas, infelizmente, está ficando privada.

Hoje, você já é referência para muitas meninas e mulheres. Durante a preparação até o título, quais mulheres foram as suas referências?

Não posso deixar de falar de Rita Maria, minha avó, de Maria das Dores, minha bisavó, de Raquel, minha bisavó paterna, de Maria, minha tia-avó, de Rosa, de Joana, minha avó paterna, não posso deixar de falar de professoras, que são imprescindíeis para mim. Eu penso que o exercício da educação precisa ser transformador. Felizmente, eu tive professores que me impulsionaram e impulsionam neste lugar, sobretudo mulheres negras. Obviamente que há as intelectuais que admiro, Conceição, Evaristo, Lélia González, Carolina Maria de Jesus, tantas outras. Mas eu entendo também que não só nessa intelectualidade acadêmica (encontra referências), mas nessa intelectualidade de casa, de vida, de rua, de cozinha, de tantos outros lugares e encruzilhadas.

Na noite da Beleza Negra, cada uma teve nome, idade, profissão e orixá que cada rege cada ori (cabeça) anunciados. Qual é a relação do seu orixá nesse processo?

Ave, Maria. Falar dessa mulher em minha vida é uma coisa doida porque minha mãe Ewá, de fato, atua de forma transformadora em minha vida. Eu serpenteio na vida por conta dela. Tanto que, muitas vezes, o elemento da dança que utilizo é o da cobra. Ano passado, fiquei conhecida como menina da cobra. Mas eu não consigo deixar de trazer o elemento dessa cobra, mas essa cobra não só rasteja, essa cobra que troca de pele. Como é essa troca? É entender o processo verdadeiramente da transformação. É entender que esse orixá está em todos os lugares possíveis.

Por fim, a quem você dedica esse prêmio?

Gente, a dedicação desse título é uma coisa muito emocionante para mim. Falar sobre a dedicação desse título é falar de todas aquelas e aqueles que estão comigo. É um panteão de dans gingando comigo, um panteão de pessoas acreditando, não só a minha família. Pessoas que eu nem conheço, que vibraram e vibram por mim. É estar aqui espiritualmente falando, porque eu sei que eles (orixás) estão, mas fisicamente. A dedicação vai para todos aqueles que estão comigo e seguirão nesse reinado comigo até o fim, até um novo início, na verdade.