'Medo constante': baianos relatam temor na estrada em viagens para fazer exames em Salvador

Ônibus com 21 passageiros caiu em uma ribanceira na BR-324; Quatro morreram

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  • Wendel de Novais

Publicado em 3 de setembro de 2024 às 05:00

Ônibus caiu em ribanceira na madrugada de segunda-feira na BR-324 Crédito: Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO

ônibus da cidade Canarana, que caiu em uma ribanceira na BR-324, matando quatro pessoas na madrugada dessa segunda-feira (2) em São Sebastião do Passé, não é o único veículo a deixar o interior, diariamente, em direção a Salvador. Todos eles transportam baianos que precisam deixar o município de origem para ter acesso a exames, consultas e procedimentos disponíveis apenas na capital. Entre esses passageiros, um sentimento é comum: o medo constante.

Como os compromissos médicos são marcados, quase sempre, no início da manhã, as viagens nestes ônibus, regulados e fornecidos pelas prefeituras, acontecem durante a noite e a madrugada. Um horário delicado em muitos casos. Vera Benigno, 50 anos, é moradora de Itapetinga, na região sudoeste, mas vem para Salvador de maneira recorrente. Na capital, ela faz exames, consultas e procedimentos para reconstruir o tímpano.

O caminho entre a cidade e Salvador é longo: cerca de 470 quilômetros. O ônibus que a prefeitura fornece sai sempre à noite, o que a faz passar cerca de 10 horas na estrada durante a noite. “Nessa hora, a gente tem um medo constante, de tudo. Medo do motorista cochilar, dele correr demais, um animal aparecer na pista e até de ladrão porque, vez ou outra, assaltam ônibus como o meu, perto de Salvador. É uma agonia mesmo, mas quem precisa do tratamento tem que encarar”, afirma ela.

Vera até dorme no percurso, mas, em muitos momentos, acorda por estar em alerta. Segundo ela, para outros passageiros o medo é tão grande que precisam se medicar para aguentar a viagem. “Tem muita gente que toma remédio e dorme a noite toda para não ver a viagem, só acorda quando chega. Tem quem não consegue dormir, fica o tempo todo de olho na pista, no motorista, em tudo que possa acontecer”, fala.

Um outro baiano, que prefere não se identificar e não falar a cidade em que vive, diz que depende do serviço municipal para ter acesso a atendimento oncológico. Por isso, faz o percurso de 260km uma vez por mês, mas sem sossego. “A estrada é perigosa, a noite deixa tudo pior. Porém, a condição do ônibus, que está dando sinais de necessidade de manutenção, é o que mais preocupa. Direto, quebra na estrada e, em uma dessa, tenho medo da falha causar algo pior”, conta o passageiro.

Veículo fico muito danificado com o acidente na BR-324 Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Outro problema apontado por passageiros é a situação dos motoristas, que não descansam o tempo necessário e, muitas vezes, sem o conforto adequado. Um motorista, que também pede para não se identificar, diz que tem uma rotina complicada, com um roteiro de nove horas de viagem entre a sua cidade e Salvador. Para piorar, ele faz essa rota três vezes por semana, indo e vindo.

“O negócio é que, apesar da gente ter o dia para descansar, muitas vezes, ficamos em casa de apoio com muitas outras pessoas e sem a condição certa para dormir direito. Então, encara colchão duro, dorme mal, fica com sono e até com dores na coluna. A estrada já é complicada à noite, nesse regime de trabalho tudo fica pior”, fala.

O motorista André Luiz transporta passageiros de Ribeira do Amparo, no nordeste do estado, que vão realizar exames na capital baiana. Ele conta que a jornada dura cerca de 20 horas entre as viagens ida e volta e a entrega dos pacientes nas unidades de saúde da capital.

“Nós saímos a meia-noite e chegamos em Salvador às cinco da manhã, quando começamos a entregar os pacientes nos hospitais. Dependendo da estrada, chegamos em Ribeira do Amparo entre 20h e 21h. Em alguns dias, passamos por até 15 clínicas e nem todas têm suporte para o atendimento, mudando o trajeto da viagem e nos expondo a riscos como animais soltos e motoristas imprudentes”, diz.

A reportagem procurou a Secretaria de Saúde para falar sobre o caso específico de Canarana e entender as circunstâncias do acidente, mas não recebeu retorno até o fechamento da reportagem.