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Wendel de Novais
Publicado em 3 de setembro de 2024 às 05:00
O ônibus da cidade Canarana, que caiu em uma ribanceira na BR-324, matando quatro pessoas na madrugada dessa segunda-feira (2) em São Sebastião do Passé, não é o único veículo a deixar o interior, diariamente, em direção a Salvador. Todos eles transportam baianos que precisam deixar o município de origem para ter acesso a exames, consultas e procedimentos disponíveis apenas na capital. Entre esses passageiros, um sentimento é comum: o medo constante. >
Como os compromissos médicos são marcados, quase sempre, no início da manhã, as viagens nestes ônibus, regulados e fornecidos pelas prefeituras, acontecem durante a noite e a madrugada. Um horário delicado em muitos casos. Vera Benigno, 50 anos, é moradora de Itapetinga, na região sudoeste, mas vem para Salvador de maneira recorrente. Na capital, ela faz exames, consultas e procedimentos para reconstruir o tímpano. >
O caminho entre a cidade e Salvador é longo: cerca de 470 quilômetros. O ônibus que a prefeitura fornece sai sempre à noite, o que a faz passar cerca de 10 horas na estrada durante a noite. “Nessa hora, a gente tem um medo constante, de tudo. Medo do motorista cochilar, dele correr demais, um animal aparecer na pista e até de ladrão porque, vez ou outra, assaltam ônibus como o meu, perto de Salvador. É uma agonia mesmo, mas quem precisa do tratamento tem que encarar”, afirma ela. >
Vera até dorme no percurso, mas, em muitos momentos, acorda por estar em alerta. Segundo ela, para outros passageiros o medo é tão grande que precisam se medicar para aguentar a viagem. “Tem muita gente que toma remédio e dorme a noite toda para não ver a viagem, só acorda quando chega. Tem quem não consegue dormir, fica o tempo todo de olho na pista, no motorista, em tudo que possa acontecer”, fala. >
Um outro baiano, que prefere não se identificar e não falar a cidade em que vive, diz que depende do serviço municipal para ter acesso a atendimento oncológico. Por isso, faz o percurso de 260km uma vez por mês, mas sem sossego. “A estrada é perigosa, a noite deixa tudo pior. Porém, a condição do ônibus, que está dando sinais de necessidade de manutenção, é o que mais preocupa. Direto, quebra na estrada e, em uma dessa, tenho medo da falha causar algo pior”, conta o passageiro. >
Outro problema apontado por passageiros é a situação dos motoristas, que não descansam o tempo necessário e, muitas vezes, sem o conforto adequado. Um motorista, que também pede para não se identificar, diz que tem uma rotina complicada, com um roteiro de nove horas de viagem entre a sua cidade e Salvador. Para piorar, ele faz essa rota três vezes por semana, indo e vindo. >
“O negócio é que, apesar da gente ter o dia para descansar, muitas vezes, ficamos em casa de apoio com muitas outras pessoas e sem a condição certa para dormir direito. Então, encara colchão duro, dorme mal, fica com sono e até com dores na coluna. A estrada já é complicada à noite, nesse regime de trabalho tudo fica pior”, fala.>
O motorista André Luiz transporta passageiros de Ribeira do Amparo, no nordeste do estado, que vão realizar exames na capital baiana. Ele conta que a jornada dura cerca de 20 horas entre as viagens ida e volta e a entrega dos pacientes nas unidades de saúde da capital.>
“Nós saímos a meia-noite e chegamos em Salvador às cinco da manhã, quando começamos a entregar os pacientes nos hospitais. Dependendo da estrada, chegamos em Ribeira do Amparo entre 20h e 21h. Em alguns dias, passamos por até 15 clínicas e nem todas têm suporte para o atendimento, mudando o trajeto da viagem e nos expondo a riscos como animais soltos e motoristas imprudentes”, diz. >
A reportagem procurou a Secretaria de Saúde para falar sobre o caso específico de Canarana e entender as circunstâncias do acidente, mas não recebeu retorno até o fechamento da reportagem.>