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Maysa Polcri
Publicado em 5 de novembro de 2024 às 05:00
De início, até parece uma consulta médica comum. O paciente informa quais são seus sintomas, se faz algum medicamento de uso contínuo e solicita o seu documento para faltar ao trabalho. Mas todas as perguntas são respondidas online, e é o paciente que decide quantos dias quer de atestado. Depois, basta fazer um Pix de R$ 29 para receber o documento em PDF. Uma investigação do CORREIO revela que a compra de atestados médicos falsos pela internet é rápida e simples. O crime, no entanto, pode estar com os contados.
Isso porque o Conselho Federal de Medicina (CFM) lança, nesta terça-feira (5), a plataforma Atesta CFM. O site vai reunir informações sobre todos os atestados médicos emitidos no Brasil. Os dados poderão ser checados por pacientes, profissionais e empresas. O objetivo é combater fraudes e irregularidades na emissão dos documentos. A partir de 6 de março de 2025, só serão permitidos atestados feitos através da plataforma.
Fraudar documentos assinados por falsos médicos deve ficar mais difícil a partir do lançamento da plataforma. Hoje, obter um atestado pela internet varia entre R$ 29 e R$ 160, segundo uma pesquisa feita pela reportagem. O valor depende da quantidade de dias de afastamento e do site utilizado para a compra. Ao menos 15 sites prometem enviar o documento em até 30 minutos para os compradores.
O CORREIO fez o teste. Em um desses sites, o interessado é direcionado para uma conversa no WhatsApp. Uma mensagem automática pergunta qual o tipo de documento o cliente deseja. Além de atestados, são vendidos laudos e receitas médicas, atestados para prática de esportes, exame de gravidez e até atestado de sanidade mental.
Se o atestado falso for para um dia de trabalho, o custo é de R$40. O valor máximo cobrado pelos falsificadores é R$160 para 15 dias de folga. A promessa é que os atestados sejam emitidos com assinatura de médicos que trabalham no exterior, carimbo oficial e QR Code para verificação. Isso é possível porque os criminosos fraudam as assinaturas de profissionais verdadeiros, como explica Otávio Marambaia, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb).
Otávio Marambaia
Presidente do CremebApenas neste ano, o Cremeb recebeu 1.505 solicitações de veracidade de atestados. Dessas, 203 foram identificados como falsos - o que representa 13% do total. As consultas podem ser solicitadas por qualquer pessoa através do site do conselho. As empresas respondem pela maioria dos pedidos. Fornecer atestado médico é crime e, para os funcionários, pode causar demissão por justa causa.
Em outro site consultado pela reportagem, os atestados custam R$29 independente da quantidade de dias de afastamento. São feitas diversas perguntas ao interessado, inclusive, qual o código da Classificação Internacional de Doenças (CID) desejado e se há algum fator de risco, como comorbidades. Os sites oferecem ainda o envio do atestado online ou físico.
O presidente do Cremeb explica quais podem ser os riscos da disseminação dos documentos falsificados. “Altera o perfil de risco de doenças em empresas, além de causar prejuízo financeiro, aumentando o absenteísmo. É também uma coisa ruim para a saúde pública porque é importante que os dados sejam verdadeiros, no sentido de que políticas públicas possam corrigir ou orientar as ações de saúde”, diz Otávio Marambaia.
A adulteração de atestado médico configura crime de falsidade ideológica e falsificação de documento, com pena de até seis anos de reclusão. Tanto o médico que fornece atestado como o indivíduo que utiliza o serviços descumprem a lei. A Polícia Civil da Bahia foi questionada sobre a prática, mas informou que não possui dados sobre denúncias de atestados falsos. O Ministério Público da Bahia não se manifestou sobre o assunto.
A plataforma digital servirá para coibir a emissão de atestados médicos falsos, a partir do dia 5 de novembro. Disponível no site da entidade e por aplicativo, o serviço gratuito tem três versões - uma para o médico, outra para o cidadão e a terceira para a empresa. O uso será obrigatório a partir de março de 2025.
Para utilizar o sistema, o profissional de saúde deverá preencher um cadastro e emitir o atestado pela própria plataforma. Assim, o documento contará com um QR-Code para conferência e validação dos dados do profissional de medicina.
O paciente poderá consultar os atestados cadastrados em seu nome e a empresa conseguirá checar a veracidade dos documentos, bem como usar filtros para identificar a faixa etária dos empregados que mais estiveram doentes ou qual o setor com mais afastamentos, facilitando o planejamento de ações em prol da saúde dos trabalhadores.