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Mãe Cleusa: cem anos de história

Filha mais velha da lendária Mãe Menininha, Cleusa Millet foi a quinta ialorixá do terreiro do Gantois, o mais importante do país

  • M
  • Millena Marques

Publicado em 25 de dezembro de 2023 às 06:00

Mãe Cleusa e Maria Bethânia
Mãe Cleusa e Maria Bethânia Crédito: Arquivo pessoal

Nascida em 25 de dezembro de 1923, Cleusa Millet ou Mãe Cleusa, completaria seu centenário de vida nesta segunda-feira (25). Filha mais velha de Mãe Menininha do Gantois, Mãe Cleusa foi sacerdotisa do mais importante terreiro de candomblé do país por nove anos, de 1989 até 1998. Foi Cleusa a responsável por comandar a maior reforma da estrutura física do Ilé Iyá Omi Àse Iyamasé, conhecido popularmente como Gantois, em 1990.

Fruto do casamento de Maria Escolástica da Conceição Nazareth, Mãe Menininha, e seu esposo, Álvaro Mac Dowell de Oliveira, Cleusa Millet nasceu no centro de Salvador e foi iniciada por Mãe Menininha na década de 30, para Orixá Nanã. A ialorixá estudou na Escola Nossa Senhora de Lourdes e, em seguida, no Colégio Sacramentinas, ambos na capital baiana. Em 1946, recebeu o diploma de obstetriz pela Faculdade de Medicina da Bahia.

A primogênita de Mãe Menininha foi muito esperada pelo casal. Ainda menina, a filha mais nova de Cleusa, Mônica Millet, escutava os relatos do nascimento e da infância da mãe, que nasceu em uma manhã ensolarada, na Rua Saldanha. "Mainha foi muito esperada e muito querida por meus avós. As pessoas sempre falavam que, ainda criança, minha mãe tinha um jeito particular, muito peculiar, uma personalidade muito calma", diz Mônica.

Coletiva Mãe Cleusa por Antenor Pereira/Arquivo CORREIO

Quem cresce em casa de candomblé sabe o quão é importante respeitar as pessoas mais velhas, sendo familiares de sangue ou não. Desde menina, Cleusa sempre foi exemplo de respeito e integridade. "Mainha foi a pessoa mais maravilhosa que já conheci. Até hoje, ela é meu modelo de conduta, retidão, honestidade, acolhimento e inteligência. Ela tinha a capacidade de transmutar as adversidades da vida", afirma a caçula.

Cleusa morou boa parte de sua vida no Rio de Janeiro, onde trabalhou na Caixa Econômica Federal por um ano. Chegou ao sudeste em 1947 e, no ano seguinte, retornou temporariamente para Salvador após falecimento do pai. Dois anos depois, retornou ao Rio, concluiu a formação em enfermagem e assumiu um cargo no Hospital Maternidade dos Servidores da Prefeitura do Estado da Guanabara (JASERG).

Cleusa desembarcou definitivamente em Salvador apenas em 1965, casada com Eraldo Diógenes Millet e com três filhos: a caçula, Mônica Nazareth Renée Millet, e os dois filhos mais velho, Álvaro Eraldo Renê Millet e Zeno Eduardo Renê Millet. O motivo da mudança? A preocupação com o estado de saúde de Mãe Menininha.

Morando no Alto do Gantois, Cleusa fortaleceu sua participação nos compromissos do terreiro, demonstrando o interesse em servir à comunidade. "Minha mãe tinha essa convivência com uma estrutura social e religiosa, junto com Mãe Menininha", diz o filho do meio de Mãe Cleusa, Zeno Millet.

Mãe Cleusa e Antônio Carlos Magalhães
Mãe Cleusa e Antônio Carlos Magalhães Crédito: Arquivo Pessoal

Legado

Foi uma vida dedicada ao serviço no Gantois. Em 1968, Cleusa conseguiu a instalação de uma escola pública no terreiro junto à gestão pública municipal, antes mesmo de ser ialorixá. Já em 1988, a herdeira de Mãe Menininha iniciou uma campanha de distribuição de cestas básicas para a comunidade. Como obstetriz, foi responsável por realizar mais de cem partos no Gantois e nos bairros vizinhos.

Embora tenha sido uma mãe de santo muito reservada, Mãe Cleusa foi uma figura importante para a manutenção do Gantois. Foi por meio dela, a propósito, que o processo de tombamento do terreiro junto ao Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi iniciado, em 1997. Cinco anos depois, o Ilé Iyá Omi Àse Iyamasé foi reconhecido como Patrimônio Histórico e Etnográfico do Brasil.

"O legado de Mãe Cleusa está nos seus filhos de santo e o campo que ela preparou para a atual ialorixá, Mãe Carmen, dar seguimento aos procedimentos litúrgicos com base na sua ancestralidade. O legado é manutenção da tradição dos nossos antepassados africanos", afirma o antropólogo Fábio Lima, doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Após três anos da morte de Mãe Menininha, que ocorreu em 1986, Cleusa assumiu o posto de ialorixá do Gantois. Nesta posição, a líder religiosa iniciou aproximadamente 70 pessoas no candomblé. "Ela sempre tinha alguma coisa para fazer. Isso fez dela uma pessoa muito querida e carismática. Cada filho de Mãe Cleusa tinha uma peculiaridade, o que é natural em uma relação entre sacerdote e filho", diz Zeno.

Além da Bahia

O artista plástico porto-riquenho Manny Vega, 67 anos, conheceu Mãe Cleusa em 1984, durante uma visita que fez a Salvador para o Carnaval. A conexão foi imediata. Os dois dividiam o mesmo gosto pela arte, especialmente pela pintura, o que estreitou os laços de uma relação, que foi importante para a iniciação de Vega como filho de Menininha. Em 1985, o artista retornou à Bahia, onde foi iniciado no Gantois, para Oxóssi.

"Mãe Cleusa continua sendo uma referência muito profunda, como conservadora de Axé para a comunidade inteira, como Mãe eterna. Ela continua onipresente, brilhante e inspiradora", diz Manny Vega, que esteve com Mãe Cleusa um ano antes da morte da ialorixá.

Os laços com o Gantois continuam os mesmos. Manny Vega esteve no terreiro em junho deste ano. "Gantois continua sendo minha casa, meu clã espiritual, meu lugar de encontro comigo mesmo e que me fez ser a pessoa que sou agora, um servidor de humanidade", afirma.

Gantois em silêncio

Era manhã de uma quinta-feira, 15 de outubro de 1998, quando Mãe Cleusa morreu após ter uma parada cardiorrespiratória no Hospital Aliança, em Salvador, aos 67 anos. Na madrugada daquele dia, a filha de Nanã foi internada com fortes dores no peito. O óbito foi confirmado às 7h45.

O corpo foi velado sob o trono de Oxóssi, no salão do Gantois, uma semana antes das comemorações à Xangô. O velório foi marcado por filhos de Mãe Cleusa e frequentadores do terreiro, entre eles a cantora Maria Bethânia, a escritora Zélia Gattai e o ator Benvindo Siqueira. "Estou triste, precisava vir para dar força. Aqui é casa da força e da luz", disse Bethânia na ocasião.

A escritora Zélia Gattai, esposa do também escritor Jorge Amado, esteve na despedida da amiga. "Vim me despedir da minha mãe. Ela era o segmento de Mãe Menininha e foi embora muito cedo", afirmou.

O então presidente do Congresso Nacional, o senador Antônio Carlos Magalhães, e o então governador da Bahia, César Borges, também prestaram homenagens à Mãe Cleusa durante o velório. A ialorixá foi enterrada no dia 16 de outubro de 1988, no Cemitério Jardim da Saudade. O governador César Borges declarou luto oficial no estado no mesmo dia.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo e colaboração do arquivo CORREIO