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Larissa Almeida
Publicado em 6 de dezembro de 2023 às 07:00
Líder máxima do Instituto Federal da Bahia (Ifba) como reitora, a professora Luzia Matos, reeleita na última quinta-feira (30), tem como um dos principais pontos da sua segunda gestão a criação de soluções para a permanência dos estudantes, garantido a eles uma formação integral e de qualidade. Para ela, a diminuição dos índices de evasão e a consequente retenção dos alunos é o grande desafio da instituição. E para isso, sabe que precisa melhorar a eficiência acadêmica e o funcionamento institucional.
Negra e segunda mulher a ocupar essa cadeira na história do Ifba, ela afirma ser alvo de opressões de raça e gênero com elevada frequência no ambiente de trabalho. É também nesse espaço que, como forma de resistência e por reconhecimento à importância da temática, passou a liderar um movimento de combate ao assédio nos campi da instituição, nomeado como ‘Campanha de Enfrentamento ao Assédio’.
Nesta entrevista, Luzia Mota também relembra os longo doze meses que passou à espera da posse do cargo de reitora, que só aconteceu após ela pedir ao Supremo Tribunal Federal que determinasse sua nomeação ao Governo Bolsonaro, que estava ignorando-a. “Foi uma experiência muito traumática”, define.
Da posse ocorrida em 2020 até o momento atual, ela relembra e comemora os feitos, projeta melhorias no Ifba para o futuro e fala sobre os desafios de gerir a instituição de ensino federal com maior orçamento do Nordeste – que ainda assim, segundo Luzia, é insuficiente para atender a demanda dos 21 campi espalhados pela Bahia. Confira:
1) Com a reeleição confirmada, você continua à frente da Reitoria do Ifba. Quais são as principais propostas previstas para esse novo ciclo?
A minha reeleição foi pautada em cima da consolidação do projeto que nós desenvolvemos ao longo desses últimos quatro anos, então é um projeto político, ético e pedagógico que tem como propósito inserir o Instituto Federal da Bahia na agenda regional da Bahia e na agenda nacional. O Ifba, ao longo desses últimos anos, se tornou um parceiro privilegiado na execução de diversas políticas públicas do governo estadual e federal, então uma das nossas principais bandeiras para esses próximos quatro anos é consolidar esse espaço conquistado e esse papel institucional do Ifba, que é o segundo maior orçamento na educação federal no estado da Bahia.
Temos também a perspectiva de investir na permanência dos nossos estudantes, uma permanência que garanta a eles uma formação integral e de qualidade. Na pesquisa, nós estamos com firme propósito de investir nos nossos grupos de pesquisa para ampliarmos o número de custos de pós-graduação que nós oferecemos, tanto mestrado quanto especializações, e criar o nosso primeiro programa de doutorado próprio do Ifba.
2) Quais demandas previstas para sua primeira gestão não foram cumpridas, mas você pretende concluir agora?
Uma coisa que nós não conseguimos tocar nesses quatro anos de gestão foi em um debate mais verticalizado a respeito do acesso, que é uma das etapas da permanência. Nós vamos avançar na constituição de uma organização melhor do nosso processo seletivo, debatendo as principais perspectivas de democratização do acesso nas instituições federais e fortalecendo esse setor dentro da instituição.
3) O que precisa ser revisado em relação ao acesso?
Hoje, o ingresso é feito através do Enem, de provas e de sorteio. Nós queremos fazer políticas de permanência ligadas já nesse acesso. Os meninos entram, às vezes, com alguma deficiência por conta da oferta do Ensino Fundamental. Então, [queremos implementar] políticas para fortalecer, como cursos de fortalecimento do Fundamental.
4) Quais são suas sugestões?
Nós estamos trabalhando na possibilidade da democratização do acesso, ou seja, diminuir os aspectos meritocráticos do ingresso para que ele seja mais uma etapa da permanência e do êxito dos estudantes. Nessa última seleção, nós realizamos um sorteio eletrônico para os cursos subsequentes. Esse sorteio eletrônico foi até objeto de análise do Ministério Público, que considerou que era uma iniciativa adequada e que favorecia o acesso dos Estudantes à instituição. Isso diminuiu os aspectos meritocráticos do processo seletivo e nós observamos que houve um incremento no número de inscrições para as vagas do subsequente, que foram para o sorteio, em um percentual de 66%.
5) De modo geral, quais melhorias ainda precisam ser implementadas no Ifba?
Precisamos melhorar a nossa eficiência acadêmica para que nós tenhamos sempre uma diminuição dos índices de evasão e de retenção e, com isso, tenhamos um número maior de profissionais formados pela instituição. Essas atribuições, que cabem a Reitoria e que cabem aos diretores gerais nos campi, são uma relação que nós precisamos melhorar para que o funcionamento institucional também melhore.
6) Em que pé anda o projeto para a construção do campus do Ifba no bairro de Cajazeiras, em Salvador?
O Ifba foi procurado em 2021 por cerca de 20 organizações populares do bairro de Cajazeiras. Eles trouxeram essa demanda da possibilidade de implementação de um campus do Instituto Federal da Bahia na comunidade de Cajazeiras, com oferta de cursos do Ensino Médio e da Educação superior. O Instituto acolheu essa demanda porque entendemos a necessidade da comunidade de Cajazeira ter um Ifba. Sabemos que o Campus Salvador não consegue absorver toda a demanda da cidade.
Tivemos uma série de audiências públicas em Cajazeiras, na Câmara de Vereadores de Salvador, reuniões com deputados e deputados da bancada federal e estadual, estivemos também na Secretaria de Educação do Estado da Bahia para apresentar o projeto e ver se conseguimos a aprovação do Ministério da Educação. Nós entregamos esse estudo de viabilidade à secretaria de educação profissional do MEC e estamos aguardando alguma posição.
7) Há previsão de entrega desse campus?
A criação do campus Ifba Cajazeiras é uma pauta que estará presente no meu mandato desses próximos quatro anos. Eu espero entregar esse equipamento para a cidade de Salvador nos próximos quatro anos e tenho certeza de que ele cumprirá um papel importante no desenvolvimento da educação profissional da cidade e na formação da juventude e dos adultos.
8) Como você avalia sua primeira gestão?
Ao assumir, depois de um ano de luta, eu tive muita dificuldade com a transição da gestão. Eu finalizo esse ciclo considerando que houve um fortalecimento da gestão democrática dentro do Ifba. E essa gestão democrática não é construída apenas com esses processos eleitorais. Nesses quatro anos, houve um conjunto de aspectos que consolidou a democracia interna no Ifba, por exemplo, a participação da comunidade interna em audiências públicas, em consultas públicas, na construção de documentos institucionais, nos processos decisórios, na escolha de representantes para diversas instâncias acadêmicas administrativas e no funcionamento pleno dos órgãos colegiados.
O Conselho Superior da instituição, que havia sido muito fragilizado na gestão anterior, passou a ter um funcionamento pleno, bem como o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, que não funcionava na gestão anterior, e os conselhos de campi. Tudo isso eu considero como um legado desses últimos quatro anos. A instituição teve uma organização em torno da sua funcionalidade e, com isso, ela amadureceu os processos da gestão democrática.
9) Mesmo tendo sido em 2018, você só tomou posse em 2019 após pedir ao STF que determinasse sua nomeação e reclamar da omissão do Governo Bolsonaro. Como foi esse episódio e essa espera de um ano?
Foi uma experiência muito traumática tanto para mim, que estava na condição de reitora não empossada, quanto para a comunidade do Ifba, que é composta por mais de 30 mil pessoas e viveu momentos de extrema insegurança e violência em relação à sua integridade institucional. Durante esse um ano que nós estivemos lutando pela posse, eu tive que fazer um movimento de unidade interna.
Tivemos contato com os atores políticos do Estado, particularmente com a bancada Federal para que ela se posicionasse a favor da minha posse, e a bancada se posicionou no processo que foi para o Supremo Tribunal Federal. Tivemos também uma ação interna de visitar todos os campi para manter essa unidade em torno da minha posse. Isso foi muito importante para garantir uma saúde da instituição, já que nós estávamos sendo atacados tanto pela gestão interna quanto pelo Governo Federal. [...] Fui a primeira reitora eleita que Bolsonaro não empossou, então, de certa forma, o Ifba com a minha figura se tornou símbolo de resistência àquele governo pela democratização das instituições.
10) A justificativa dada pelo outro lado era de que existiam irregularidades no processo eleitoral que te elegeu, como o peso maior dado ao voto dos alunos. Qual foi a conclusão dessa apuração que foi feita?
A nota técnica final, que valida o processo, não apresenta nenhuma irregularidade, tanto que o processo que foi encaminhado para o MEC foi o mesmo processo que foi liberado no dia 24 de dezembro de 2019 para a minha nomeação. Não houve nenhuma mudança na forma do cálculo da eleição, nenhum documento foi indeferido. Solicitaram alguns esclarecimentos do Conselho Superior e da Procuradoria Jurídica e foi o bastante, só que isso levou um ano. Então, eu não posso, em sã consciência, afirmar que houve ali aspectos relacionados com a imprecisão do processo. O que houve foi uma vontade uma decisão política de um governo que não aceitava os processos democráticos dentro das instituições federais.
11) Enquanto mulher negra, quais são as dores e os prazeres de ser a reitora de uma instituição federal?
É um motivo de orgulho para mim que fui a aluna da casa e que pude sentir na minha própria existência o papel de uma política pública na vida de um indivíduo, na vida da família desse indivíduo e na vida da comunidade. Eu sou uma prova viva do papel que o Instituto Federal da Bahia tem na vida de muitos e muitas jovens. Ser uma mulher negra nesse local de dirigente máxima da instituição me coloca em uma em uma posição de muita responsabilidade e de muita representatividade. Essa é a parte boa de você poder contribuir com a emancipação de mulheres, principalmente de mulheres negras, em uma sociedade que o racismo não permite que nós possamos nos desenvolver plenamente.
A parte ruim é você ter que conviver 24 horas do seu dia com situações de violência política de gênero, com misoginia, com machismo, com racismo que tocam não apenas a você, que está no cargo máximo, mas que toca toda a equipe que você trabalha. Eu tenho, na Reitoria do Ifba, uma maioria de pessoas negras assumindo os principais cargos da gestão. Somos conhecidos no Brasil todo como o Instituto Federal que tem a gestão mais negra do Brasil e isso tem um custo muito alto na nossa vida e na nossa saúde mental, porque somos visados pelas opressões. Isso ocorre em vários ambientes da instituição.
12) A trajetória para chegar até o lugar que você ocupa hoje teve muitos obstáculos?
Teve obstáculos que são pertinentes a essas trajetórias dentro das instituições. Eu tenho uma trajetória que iniciou no Ifba como aluna, na década de 80. Fui estudantes do curso técnico em eletrônica, depois trabalhei como técnica e me licenciei em Física pela Universidade Federal da Bahia. Me tornei docente em 1994. [...] Foi todo esse arcabouço, dentro da própria instituição, que me permitiu me tornar a reitora da instituição em 2018.
13) Sendo o Ifba o maior instituto federal do Nordeste, o orçamento gerido por você é muito alto. Mas é suficiente?
Não é suficiente porque nós estamos tendo um processo de degradação orçamentária desde 2014, então é uma série histórica que nós estamos atravessando ou com estagnação do orçamento ou com a diminuição. Eu tenho até um gráfico que costumo apresentar em algumas atividades [...] a incoerência entre a linha do tempo orçamentária e a linha do tempo das matrículas que o Instituto vem tendo no mesmo período.
14) Para onde esse é orçamento é destinado?
Nós temos um orçamento hoje que é de cerca de R$500 milhões. Ele é dividido basicamente em três partes: uma parte tem a ver com os salários, que é a parte da manutenção dos recursos humanos, correspondente aos servidores – que é a maior parte do orçamento; temos uma parte do orçamento que é para o custeio, que é para um funcionamento de todos os campi e da Reitoria, e também de outras unidades que nós temos; e temos uma terceira parte, que é o orçamento de investimento. Essa é a parte que nos permitiria modernizar os laboratórios, fazer pequenas obras, construir algum prédio que fosse necessário.
15) Em setembro você foi até a China em busca de parcerias com empresas de tecnologia e instituições da área da Educação. O que te motivou a isso?
A Huawei, que foi a principal empresa de tecnologia que estabeleceu a parceria nessa visita à China, procurou o campus de Jequié e, a partir dessa parceria, nós fomos desenvolvendo a possibilidade de uma parceria maior que envolvesse todos os nossos campi. A empresa tem uma área estratégica, que é para a formação de profissionais. Então, esta parceria envolve a formação dos nossos estudantes para além da formação formal curricular, porque eles podem acessar plataformas de digitais de educação, concurso relativos às tecnologias das empresas e podem ser certificados por essas empresas. Dentro do Ifba, por sua vez, há formação docente nessas tecnologias para que haja o acompanhamento desses estudantes.
16) Então essa viagem rendeu frutos?
Rendeu frutos com a Huawei e também fizemos uma visita técnica ao polo de inovação da Suzano, que é uma empresa brasileira, mas que tem um polo de inovação em Xangai. Estamos tentando fechar também uma parceria para os campi que nós temos no Extremo Sul da Bahia, em Vera Cruz.
17) Entre as principais ações da sua gestão, está a liderança no movimento contra o assédio no ifba. No entanto, alguns alunos, ouvidos pela reportagem, reclamam que o movimento ainda não avançou o suficiente. Para eles, faltam novas ações de campanha pelas unidades do Ifba, uma vez que são esses eventos que geram encorajamento à denúncia de casos de assédio. Por que isso não foi pra frente? O que falta para essas ações acontecerem em larga escala?
Hoje, a instituição está criando, em cada canto do IFBA, as comissões locais de enfrentamento ao assédio que vão executar nos campi a política que foi construída pela Reitoria. Essas comissões farão o acolhimento das denúncias, o acolhimento das vítimas, haverá toda a orientação de como essas denúncias devem ser feitas e essa comissão também fará o papel pedagógico durante todo o ano com ações formativas e informativas sobre a questão do assédio, para que a instituição se torne um lugar seguro. Agora, é um processo. Você não enfrenta um problema estrutural como esse com ações isoladas, é necessário ter ações sistêmicas.
18) Há um prazo para implementação dessas comissões?
Até metade de dezembro todas as comissões serão criadas. Nós estamos no momento de chamada pública.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo