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Lideranças cobram reconstrução de terreiro destruído na Chapada Diamantina

Templo cultua o jarê, religião exclusiva da Chapada e que é abordada no livro Torto Arado

  • Foto do(a) author(a) Maysa Polcri
  • Maysa Polcri

Publicado em 27 de julho de 2024 às 06:25

Terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca ficou destruído no final de semana
Terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca ficou destruído no final de semana Crédito: Reprodução

destruição do terreiro Peji da Pedra Branca, localizado dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina, repercutiu durante toda a semana entre os praticantes do jarê - religião exclusiva da localidade. Parte do templo religioso foi demolida durante ação de agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Agora, lideranças cobram a reconstrução do imóvel sagrado.

Segundo denúncia da comunidade local, o terreno onde o templo é localizado pertence à família de Gilberto Tito de Araújo, o Mestre Damaré, há 45 anos. Portanto, antes da criação do Parque Nacional, fundado em 1985 com o intuito de preservação ambiental e histórico-cultural.

Em 2014, um levantamento feito pela Associação dos Filhos de Santo do Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra mapeou 40 terreiros em cinco cidades da Chapada. Um deles foi o Peji da Pedra Branca. Sandoval Amorim, presidente da associação e filho de um dos maiores líderes do jarê, o falecido Pedro de Laura, é uma das lideranças que cobra medidas após a destruição.

“O que foi perdido na destruição do terreiro não tem preço, todos os assentamentos às entidades e as imagens antigas. Mas, queremos que os órgãos responsáveis construam um novo terreiro para o Damaré porque o que eles fizeram não foi certo”, afirmou Sandoval. A reportagem tentou contatar Gilberto Tito, mas não teve retorno. Em uma entrevista concedida após a demolição, Mestre Damaré disse estar abalado com o episódio.

A prefeitura de Lençóis acompanha o caso e cobrou esclarecimentos ao ICMBio, como explicou Uilami Dejan, diretor de Promoção da Igualdade Racial do município. “Nós criamos o Dia Municipal do Jarê, que foi celebrado pela primeira vez neste ano, em 16 de abril. Fizemos uma grande celebração nos bairros da cidade e, logo agora, tivemos um ataque a um dos nossos terreiros mais antigos. Foi algo muito simbólico e violento”, lamentou Uilami.

Em nota, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) informou que "instaurou procedimento para cobrar do Poder Público a adoção de medidas eficazes voltadas ao reconhecimento formal da prática de Jarê enquanto patrimônio cultural e a implementação de um plano de salvaguarda no município". O procedimento foi instaurado pela Promotoria Regional Ambiental do Alto Paraguaçu, em colaboração com o Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (Ceama) e do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac).

O jarê mistura saberes e práticas indígenas, além do candomblé e do cristianismo. É uma religião exclusiva da Chapada Diamantina e ganhou projeção nacional com o romance Torto Arado, publicado em 2019 pelo autor baiano Itamar Vieira Júnior. Em 2021, o CORREIO fez uma reportagem especial sobre a presença do jarê na região.

Para Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), a destruição foi resultado do racismo estrutural. “Queremos que ocorra troca da gestão do parque e que os responsáveis respondam por esse ato de racismo religioso. O terreiro também deve ser reconstruído”, pontuou.

Antes da ação que ocorreu no Peji da Pedra Branca, agentes do ICMBio estiveram no terreiro de Pai Gil de Ogum, que também fica na parte norte do Parque Nacional da Chapada.

"Nosso terreiro é bem próximo ao que foi destruído. São cerca de 30 minutos de caminhada. Nós tivemos dias de muito medo de que eles voltassem para fazer a mesma coisa aqui. Ficamos pensando que eles não destruíram o terreiro porque haviam pessoas quando eles chegaram aqui", disse Layra Silva, que frequenta o terreito de Pai Gil há 13 anos. Ela contou que os religiosos foram ameaçados de multa e tiveram que retirar um assentamento de mais de 30 anos do terreiro.