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Raquel Brito
Publicado em 11 de julho de 2023 às 16:04
Na última sexta-feira (07), Pedro Paulo Docílio, 21, estudante de administração, só queria comemorar o fim do semestre com três amigos no Bombar, um bar localizado no Rio Vermelho. Entretanto, se deparou com uma noite de violências: além de ofensas racistas, com frases como “você se acha só porque é negão”, Pedro foi agredido fisicamente com um tapa no rosto por uma mulher.
Ele estava na fila do banheiro enquanto esperava uma das amigas, quando uma desconhecida se aproximou e ofereceu sua bebida a ele e outro de seus amigos, afirmando que não beberia mais. Eles aceitaram e, de acordo com Pedro, ela lhes passou o copo. Entretanto, logo depois, a mulher que estava com ela estapeou a mão de seu amigo, derrubando o copo no chão, pegou o copo e arremessou na parede.
“A gente não pegou o copo na mão dela de forma agressiva nem nada, ela passou o copo para nós. Em nenhum momento, nesse primeiro contato que a gente teve com a primeira garota, a gente desrespeitou ela. O único contato que a gente teve foi o de dizer: 'pode deixar aqui que a gente bebe', e ela passou o copo. A gente não entendeu aquela cena, simplesmente voltamos a conversar. Queríamos esquecer aquela cena”, conta Pedro.
Entretanto, as ofensas continuaram. Pedro conta que, sem nenhum tipo de provocação ou contato, a mesma mulher se virou novamente para ele, falando que ele “se acha porque é negro”, ao que ele só respondeu pedindo respeito e voltou a conversar com os amigos. Momentos depois, a mulher o abordou mais uma vez, dizendo “a diferença entre você e eu é que você é preto e eu sou branca”, e lhe desferiu um tapa no rosto.
O estudante afirma que foram os aprendizados de sua família que o fizeram manter a tranquilidade frente às injúrias. “Nessas situações onde acontece o ato racista, as pessoas querem que a gente se desestabilize, que a gente seja agressivo e revide a situação racista da mesma forma, com agressividade. Mas minha mãe e minha avó me ensinaram aqui em casa que essa não é a forma correta de se agir, que a gente tem que lembrar de tudo que passamos então e tentar de alguma forma ser resiliente naquela situação e se manter íntegro. Eu saí daquela situação com a mente tranquila e entendi que eu não tinha feito nada, que eu tinha sido vítima de um ato racista”, conta.
Além das ofensas proferidas contra Pedro, a mulher agrediu verbalmente os funcionários do local. Procurado, o Bombar afirmou que considera a situação inadmissível, e que casos nesse nível nunca haviam sido registrados no estabelecimento, que preza pela diversidade racial, sexual e de gênero.
“O Bombar é um bar que trabalha muito a diversidade. Desde a sua equipe de gestão até o seu corpo de trabalho e o público que frequenta, isso é escancarado. Tem registro de todos os lugares da não-aceitação a qualquer tipo de LGBTfobia, transfobia, racismo e assédio às mulheres. Isso é uma política do Bombar. Tanto que, além das ações de treinamento de funcionários, temos o auxílio da Flor de Cacto, um coletivo de mulheres que trabalha com atividades anti-assédio e anti-racismo, para sermos um um coletivo que fiscaliza a própria ação. A gente está sempre nesse processo de convidar as pessoas a participarem e a nos transformar. Essa foi uma situação que fugiu completamente do controle. A gente tem os registros em câmera, os registros das testemunhas, mas todo o acompanhamento e tudo que precisa ser disponibilizado o Bombar já disponibilizou. Agora, nós precisamos que a justiça de fato se manifeste”, afirma o estabelecimento.
A denúncia foi registrada na Central de Flagrantes de Salvador no último sábado, após uma guarnição da 12ª CIPM ser acionada ainda do bar, de onde Pedro e a agressora foram levados até a delegacia. De acordo com a Polícia Civil, a apuração será iniciada pela 7ª DT/Rio vermelho.
O crime de injúria é inafiançável e pode render prisão de até cinco anos Em janeiro deste ano, o crime de injúria racial foi equiparado ao racismo. Isso significa que ele não prescreve e é inafiançável. Com a tipificação da injúria como racismo, fruto da Lei 14.532/2023, a punição saltou de um a três anos para dois a cinco anos. A pena é dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas.
A mudança foi um marco importante porque condutas racistas recebiam penas mais leves já que o crime não era tipificado como racismo. Enquanto a injúria consiste em ofender alguém por elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo versa sobre uma coletividade indeterminada.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro