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Insegurança provocou 85 interrupções no transporte público de Salvador

Cinco interrupções geraram 316 horas sem acesso a ônibus, o equivalente a 13 dias

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 11 de novembro de 2024 às 05:00

Ônibus param de circular na Barroquinha
Ônibus param de circular na Barroquinha Crédito: Arisson Marinho /Arquivo CORREIO

Entre 4 de agosto de 2023 e 15 de agosto de 2024, Salvador registrou pelo menos 85 interrupções totais ou parciais do serviço de ônibus por conta da insegurança. No total, 30 bairros foram afetados, segundo o levantamento inédito Catraca Racial: o impacto da segurança pública na mobilidade urbana da capital da Bahia, produzido em parceria pela Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, pelo Observatório da Mobilidade de Salvador e pelo Instituto Fogo Cruzado.

Os dados foram obtidos a partir da análise de informações levantadas pela Rede de Observatórios da Segurança e pelo Instituto Fogo Cruzado, e com base na comparação de registros disponibilizados pela Prefeitura de Salvador, via pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI), e pelo Sindicato dos Rodoviários.

O estudo também revelou que pelo menos 19 das 85 interrupções estavam associadas a ações policiais, enquanto 57 não tiveram informações das circunstâncias que levaram à suspensão do transporte coletivo. Somente nove casos, contudo, não foram relacionados às ações das forças de segurança do estado. Ao todo, 15 interrupções geraram 316 horas sem acesso a ônibus, o equivalente a 13 dias.

O bairro de Mussurunga foi apontado como o que mais sofreu com a interrupção do transporte coletivo. Foram 14 vezes em apenas um ano, sendo o mês de maio deste ano a ocorrência mais grave, já que os moradores ficaram sem acesso ao serviço por sete dias seguidos.

Além de Mussurunga, os bairros mais afetados pela interrupção no transporte em decorrência de tiroteios foram Fazenda Coutos e Valéria (com 8 episódios cada), Pernambués (6), Águas Claras (5), Nordeste de Amaralina e Engenheiro Velho da Federação (4 cada), Beiru/ Tancredo Neves e Mirantes de Periperi (3 cada), Boa Vista de São Caetano, Santa Cruz, Santa Mônica, Narandiba, Pirajá, Engomadeira e IAPI (2 cada).

Um episódio registrado em cada um destes bairros: Alto das Pombas, Fazenda Grande do Retiro, São Caetano, Conjunto Pirajá, Paripe, Periperi, Capelinha, Castelo Branco, São João do Cabrito/Plataforma, Barragem de Ipitanga, San Martin, Ilha Amarela, Jardim Nova Esperança, Barreiras, Cajazeiras e Arenoso.

Impactos para a população

O uso do nome Catraca Racial para referenciar o levantamento se deve ao fato de que, nos 30 bairros com interrupções do transporte coletivo no último ano, a população é majoritariamente composta por pessoas negras. O termo, de acordo com Dudu Ribeiro, historiador e co-fundador da Iniciativa Negra, é para alertar a sociedade quanto ao controle e restrição de direitos que a violência que acomete a cidade tem imposto na vida das pessoas socialmente mais vulneráveis.

“Ao controlar a perspectiva das pessoas de transitarem pela cidade, através da interrupção do transporte público, há um conflito de direitos. Sem mobilidade urbana, a população desses bairros fica muitas vezes sem acesso ao trabalho, à educação, à consulta médica e ao lazer. Esse é um dos temas mais urgentes dos últimos meses na cidade de Salvador”, destaca.

Para Tailane Muniz, coordenadora do Instituto Fogo Cruzado na Bahia, o problema é histórico, por se tratar de falhas na política da segurança pública. “Os dados revelados por este levantamento são fundamentais para o poder público visualizar o cenário por suas evidências e tomar para si a responsabilidade de garantir um direito que é básico”, pontua.

O impacto da falta de mobilidade quando esse tipo de episódio acontece é depositado na conta de quem planeja as operações policiais, por conta de diversas falhas que já ocorreram nesse tipo de ação. Um levantamento publicado pela Iniciativa Negra e pelo Instituto Fogo Cruzado, na semana passada, mostrou que um em cada quatro tiroteios mapeados em Salvador ocorre em horário de aula e em até 300 metros de distância de pelo menos uma escola pública. Dos tiroteios registrados, 43% aconteceram no entorno de unidades educacionais, durante ações policiais entre 4 de julho de 2022 e 30 de agosto deste ano.

Segundo Dudu Ribeiro, embora a política de guerra às drogas e a opção pelo confronto armado não sejam as ações mais eficazes, não é preciso interrompê-las para deixar a população segura. Ou seja, é possível que as polícias baianas continuem a operação, mas garantam medidas para que elas não afetem, dentre outros direitos, o acesso à educação e à mobilidade da população.

“Não há nenhum tipo de sugestão de que a polícia deva interromper o seu trabalho, mas é necessário que se estabeleçam protocolos. O nosso estudo que demonstra o impacto dos tiroteios em áreas escolares mostra que é algo perfeitamente evitável que as polícias façam operações no horário de entrada e saída das escolas, por exemplo”, afirma.

“Quando falamos de mobilidade, é importante que esteja dentro do planejamento das ações policiais um estudo dos impactos na mobilidade das pessoas e medidas para diminuí-los. Inclusive, observando ou criando mecanismos que permitam que o Estado acolha a população, garantindo o acesso à saúde no sistema público quando as pessoas perderem uma consulta médica, por exemplo”, completa Dudu Ribeiro.

Do outro lado, os rodoviários e as empresas de ônibus que precisam interromper o serviço porque também sofrem as consequências da insegurança. No que diz respeito aos que trabalham diretamente com o público, o impacto maior é o comprometimento da saúde mental, enquanto os empresários lidam com prejuízos financeiros.

“Infelizmente a insegurança pública na Bahia vem atingindo, principalmente, a população mais carente e não temos como agir de outra maneira que não suspendendo as operações, visto que isso pode atingir nossos rodoviários e colaboradores, bem como a população em geral. A situação está incontrolável. Precisamos ter uma resposta do governo para que a operação de transporte público seja feita como deve ser feita”, ressalta César Nunes, presidente do consórcio Integra.