Inocentes na mira: por que traficantes executam quem faz gestos vinculados a facções rivais

Sinais com dedos, símbolos e tatuagens colocam pessoas em risco na Bahia

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  • Wendel de Novais

Publicado em 15 de outubro de 2024 às 07:00

Jovens foram mortos após posarem para foto em Emissário de Arembepe Crédito: Reprodução

Os sinais de facção, que eram gatilhos de homicídios registrados entre criminosos, agora, em Salvador e na Bahia, se converteram no ‘motivo’ para execuções de pessoas inocentes sem qualquer vínculo com o crime. Caso, por exemplo, dos dois músicos da Malê Debalê que foram mortos pelo Comando Vermelho (CV) em Emissário de Arembepe, em Camaçari, na semana passada. A execução de Daniel Natividade, de 24 anos, e Gustavo Natividade, de 15, é uma demonstração de como as organizações criminosas deram um passo à frente nas ações do ‘Tribunal do Crime’.

É isso o que explica um policial militar, que terá nome e cargo preservados nesta matéria. “A gente conhece há tempos o Tribunal do Crime, que prende, julga e mata criminosos de organizações rivais ou até mesmo pessoas com dívidas ou atitudes que desagradem traficantes. Nesses casos, o pessoal era levado para uma espécie de acareação. Agora, nessas situações em que pessoas fazem os sinais de facções, a versão da vítima nem é mais ouvida. A execução acontece sem defesa”, explica.

No caso de Emissário de Arembepe, as vítimas, que são irmãos e estavam em um passeio turístico, não tinham uma vinculação ao tráfico. Ainda assim, por posarem em uma foto com gestos que formavam o número 3, vinculado no mundo do crime ao Bonde do Maluco (BDM), foram perseguidos e mortos por homens do CV. Especialista em Segurança Pública, Antônio Jorge Melo, que é coronel reformado da Polícia Militar, alerta que é preciso ter ciência da dimensão que esses sinais têm para as facções.

“O gesto representa perigo porque é visto como um desafio que precisa ser respondido da forma mais agressiva possível. [...] Como essas facções criminosas buscam o controle territorial, não admitem a presença de alguém que tenha ligações com outras facções rivais e não toleram até mesmo que façam referência a outros grupos, quando apenas por ostentação tiram fotos ou fazem vídeos com sinais identitários usados por rivais”, ressalta Melo, ao analisar o motivo para respostas tão violentas.

Não se deve usar os gestos, que são vistos como afronta pelas facções Crédito: Imagem gerada por inteligência artificial através do Adobe Firefly

Um policial penal, que também prefere não se identificar na matéria, relata o peso desses sinais dentro dos presídios. “Fazer um sinal como esse na frente de um traficante de facção rival ou mesmo deixar que ele veja pelas redes sociais é muito perigoso. Em Salvador, por exemplo, já tivemos início de rebeliões porque, misturados, os traficantes começaram a fazer saudações dos rivais e isso, dentro do código de ética deles, é inadmissível e precisa de uma resposta violenta”, fala.

No caso citado pelo policial, que foi registrado em fevereiro de 2022, a rebelião se iniciou no Pavilhão 2 devido a um confronto entre facções ou uma disputa de poder entre líderes de uma mesma facção. No fim, cinco detentos acabaram mortos e houve temor que o confronto dentro do presídio tivesse repercussão entre as facções na rua.

Ainda assim, há registro de pessoas que fazem os sinais das facções em fotos ou em outros contextos. Para Antônio Jorge Melo, há uma questão de territorialidade no uso desses símbolos. “Eu entendo que é uma questão de pertencimento e do empoderamento que os membros dessas organizações criminosas têm para uma parte da população e para jovens dessas localidades”, analisa.

A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) para saber se a pasta registra casos de mortes decorrentes do uso de sinais e se tem em curso algum projeto para conscientização dos riscos que os gestos trazem para pessoas inocentes. No entanto, a SSP-BA não respondeu até o fechamento desta reportagem.