Homens, negros e adultos: conheça o perfil da população em situação de rua em Salvador

Negros são 93% da população em situação de rua da capital baiana

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  • Larissa Almeida

Publicado em 9 de janeiro de 2024 às 06:00

Pessoas em situação de rua recebendo doações  Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Das 5.130 pessoas vivendo em situação de rua em Salvador, 77% (3.949) são homens e 93% (4.778) são negras. Os dados são do Censo das Pessoas em Situação de Rua de Salvador, divulgado na manhã desta segunda-feira (8). O estudo é fruto de uma parceria entre a Prefeitura e o Projeto Axé, com cooperação técnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Movimento População de Rua (MNPR) e a Rede Cata Bahia.

De acordo com o Censo, a população preta é a maioria entre as pessoas em situação de rua, equivalendo a 64% (3.265) do total recenseado. Pessoas pardas aparecem em seguida, com 29% (1.513). Por sua vez, as pessoas brancas ocupam o terceiro lugar do perfil racial, com 4% (208) das pessoas mapeadas.

Para Ademário Costa, cientista Social e coordenador de Relações Institucionais do Movimento Negro Unificado (MNU), as razões para as pessoas negras serem a maioria em situação de rua na capital baiana têm raízes históricas. Ele destaca que o colorismo têm influência decisiva nesse cenário, uma vez que pessoas pretas compõem a maioria desses dados.

“Nosso racismo à brasileira é baseado em uma política de branqueamento da população que atribui aspectos negativos para a população negra de forma gradativa. Quanto mais a população se aproxima das origens africanas maior é a ausência de direitos, tratando de forma menos perversa a parte da população que apresenta um fenótipo mais europeizado ou socialmente branco”, pontua.

No que diz respeito ao sexo, Lucas Vezedek, técnico em atividades educacionais do Projeto Axé, aponta que o fato de os homens serem a maioria dentre as pessoas em situação de rua em Salvador acompanha o cenário nacional. As mulheres representam 19% (975) do total. “Um dado sobre educação patriarcal indica que os homens e os meninos das partes trabalhadoras mais vulneráveis vão para as ruas buscar sustento, enquanto as mulheres são mantidas no ambiente doméstico. Elas não são menos vulneráveis por isso, mas ficam mantidas por mais tempo em casa”, esclarece.

Ademário Costa acrescenta que a lógica patriarcal, que idealiza o homem como provedor, baseia a educação que é dada para eles desde crianças. “Para os homens sempre foram destinados trabalhos fisicamente mais pesados e de maior exposição a riscos sociais, menor cuidado com a saúde baseado em mitos sobre as condições físicas masculinas que fortalecem o racismo e na prática contribuem para diminuir os direitos desse segmento populacional”, afirma.

Há dois anos vivendo no Viaduto do Politeama, Vagner Santos, 22 anos, é produto dessa lógica cruel. Sem casa depois de sucessivas perdas por enchentes, ele resolveu ir para as ruas com sua esposa e filho para buscar sustento. “A precisão falou mais alto e a gente veio para cá. Perdemos nossa casa, que era no Largo do Rio Vermelho, e agora eu faço de tudo para sobreviver. Às vezes aparece um ‘corre’ para fazer, outro dia ficamos aqui o dia todo. Meu maior desejo é ter uma casa para mim, minha mulher, meus filhos e minha mãe”, diz.

Pessoas adultas são maioria entre aquelas em situação de rua, representando 81% (4.175) da população recenseada. Em seguida, estão as pessoas idosas, com 9% (479%), e crianças, com 5% (275). Os adultos, apesar de representarem a maior quantidade de pessoas nas ruas, passam a viver nessa condição a partir da infância. Segundo Lucas Vezedek, isso ocorre por contexto de privação de direitos a que são submetidos quando crianças.

“Temos um cenário de negação de direito de acesso à política públicas que vão colocar crianças em situação em que há exploração do trabalho infantil, então a grande maioria delas começa a trajetória de rua sendo exploradas”, ressalta.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo