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Homem assume vaga de cotas raciais no TCE após declarar que se 'bronzeia com facilidade'

Bruno Cabral diz ser pardo e ter a pele morena, mesmo após banca de heteroidentificação ter concluído que "o fenótipo é de uma pessoa socialmente branca"

  • Foto do(a) author(a) Gil Santos
  • Gil Santos

Publicado em 29 de outubro de 2024 às 05:15

Homem usou sistema de cotas para ingressar no TCE
Candidato usou sistema de cotas para ingressar no TCE Crédito: Reprodução

Um candidato conseguiu tomar posse no Tribunal de Contas do Estado (TCE-BA) como homem negro, mesmo após a banca de heteroidentificação do concurso ter afirmado que ele é um homem branco. Bruno Gonçalves Cabral, 35 anos, diz ser pardo e solicitou uma liminar para assumir a vaga, mas o pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça. Ele recorreu alegando ter tido um avô pardo, e apresentou um laudo médico que diz que ele tem a pele morena que bronzeia com facilidade, e conseguiu.

A juíza Maria do Rosário Passos da Silva Calixto suspendeu as decisões da comissão de heteroidentificação e determinou o retorno provisório do candidato para a lista de aprovados cotistas negros, até que haja uma decisão de mérito pelo juiz de primeiro grau. A vaga é para Auditor Estadual de Controle Externo. Na decisão, a juíza reproduziu a conclusão da banca examinadora do concurso.

"De acordo com análise do fenótipo do candidato Bruno Gonçalves Cabral, foi verificado que o mesmo possui: pele branca, nariz alongado, boca com traços afilados e cabelos naturalmente não crespos. Tais características o enquadram, no fenótipo de uma pessoa socialmente branca, não passível de sofrer discriminação por cor/raça ou etnia, diante da aparência que assim apresenta", afirmam os examinadores.

A banca de heretoindentificação conclui. "Dessa forma, rejeitamos a autodeclaração do candidato supracitado, uma vez que seu fenótipo não foi identificado, por esta comissão de heteroidentificação, integralmente ou em sua maioria, condizente às pessoas da população negra (pretos e pardos)", diz o parecer.

A juíza afirma que o texto dos examinadores é igual ao usado para dispensar outros candidatos no mesmo concurso, lembra que não compete ao judiciário substituir a banca examinadora, mas que cabe a análise da legalidade do ato. Ela afirma que Bruno disse ter tido um avô e uma tia pardos, que o candidato apresentou um laudo dermatológico que diz que ele tem a pele morena que bronzeia com facilidade e concedeu a liminar. Maria do Rosário afirma que a decisão é parcial, enquanto o mérito é julgado pelo primeiro juiz do caso.

Na ampla concorrência, Bruno ficou em 45º lugar e não conseguiria ser aprovado. Entre cotistas, ele ocupa a 8ª posição, sendo o penúltimo do ranking das vagas disponíveis para esse público. Procurado, Bruno Cabral afirmou que é uma pessoa parda, que a decisão da banca foi equivocada e que aguarda o julgamento.

"Assumi na condição de pessoa parda, previsto na legislação. As justificativas da banca não se sustentam ao falar que tenho pele branca e lábios finos e rosados. Qualquer pessoa ao meu redor vê claramente uma pessoa parda. Por hora, o julgador concordou com as provas apresentadas, mas o processo ainda está em andamento. Além disso, outras pessoas com fenótipo próximo ao meu tiveram a autodeclaração aceita", afirmou.

Candidatos negros reclamaram dele ter tomado posse. Bruno prestou concurso também para Agente de Tributos Estaduais da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, em 2022, e para Técnico em Informações Geográficas e Estatísticas do IBGE, em 2016, onde havia vagas para pessoas negras, mas ele optou pela ampla concorrência. Ele disse que não usou as cotas nesses certames porque desconhecia o próprio direito. Bruno disse que a banca também recusou a autodeclaracão de um atual servidor do TCE, no ano anterior, em processo seletivo diferente, e que o órgão age de modo arbitrário.

"Esta mesma banca, identificou como negro pardo, indivíduos com características idênticas às minhas nesse mesmo processo do TCE: cor de pele, tipo de boca e tipo de cabelo". E concluiu. "A banca não afirmou que sou branco, mas 'socialmente branco', construção ideológica da instituição, o que fere ainda mais minha história de vida", disse.

Bruno Cabral durante a posse no cargo Crédito: Reprodução

Disputa judicial

A vaga que está sendo alvo de uma queda de braço no Tribunal de Justiça da Bahia vai pagar R$ 10.325,34 por 30 horas de trabalho semanais entre outros benefícios.

Depois que teve a classificação negada pela banca de heteroidentificação, Bruno recorreu, os examinadores fizeram uma nova análise e mantiveram a decisão. Em 19 de abril, foi publicado o resultado final do concurso, com a lista definitiva de aprovados negros e sem constar o nome dele e de outros candidatos que tiveram a autodeclaração recusada.

Em seguida, Bruno entrou com um pedido de antecipação de tutela para que o Tribunal de Justiça revertesse a decisão da banca. O candidato também requereu o benefício da gratuidade de justiça, informando não poder arcar com as custas do processo, avaliada em R$ 1 mil.

O juiz Marcelo de Oliveira Brandão indeferiu os dois pedidos. O magistrado disse que há ausência de elementos para justificar a antecipação do direito sem análise de mérito e não concedeu a liminar, e afirmou que ao analisar os autos é possível identificar que Bruno tinha renda superior a R$ 6 mil e não tinha os requisitos para ter direito a gratuidade da justiça. O candidato recorreu, em 9 de julho, e conseguiu a liminar que permitiu que ele tomasse posse em 1º de outubro.

Em nota, o TCE informou que o concurso tinha 20 vagas e validade de 90 dias, e que tem o dever de convocar os aprovados durante a validade do concurso. O Tribunal frisou que apesar do candidato já ter tomado posse a questão está sub judice, à espera da decisão da Justiça.

"O Tribunal de Contas encaminhou à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que é quem tem competência de fazer a defesa judicial dos interesses do Estado da Bahia, os subsídios e informações para que pudesse ser feita a defesa da lisura do procedimento durante o processo de heteroidentificação, argumentando que seguiu as regras legais do edital para tentar reverter a decisão liminar", diz a nota.

Procurado, o Ministério Público da Bahia informou que  "recebeu representação sobre o caso, instaurou notícia de fato e encaminhou ofício ao Tribunal de Contas do Estado solicitando manifestação a respeito dos fatos".

Já a Fundação Getúlio Vargas, responsável pelo concurso e pela banca de heteroidentificação, afirmou em nota que "não tem qualquer relação com a convocação e posse após a realização do concurso".

Acrescentou ainda que "o procedimento de heteroidentificação obedece estritamente as previsões legais, nesse concurso notadamente a Lei Estadual da Bahia nº 13.182/2014, regulamentada pelo Decreto Estadual da Bahia nº 15.353/2014, tanto na análise do fenótipo dos candidatos que é observado pela comissão (item 8.6 do edital de abertura) bem como na composição da comissão que deve ser mista e heterogênea, formada por profissionais com experiência na temática da diversidade racial".

A FGV afirmou que não comenta questões sub judice, disse que é necessário aguardar o desfecho da ação e acredita que, ao final, deverá preponderar o entendimento da Banca da heteroidentificação. "No caso em tela, o referido candidato foi classificado no resultado final do concurso, publicado em 23 DE AGOSTO DE 2023, somente na lista de ampla concorrência: https://conhecimento.fgv.br/sites/default/files/concursos/609_tce-ba-resultado-final-de-aprovados-2024-04-10.pdf", concluiu.