Feminina, cultural e histórica: mulheres da feira defendem importância e memória de São Joaquim

Maioria entre os empreendedores, são mulheres que lideram a  salvaguarda da feira enquanto patrimônio imaterial

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  • Priscila Natividade

Publicado em 2 de setembro de 2024 às 06:00

Mediada pela editora-chefe do CORREIO, Linda Bezerra, roda de conversa destacou a liderança feminina na Feira de São Joaquim
Mediada pela editora-chefe do CORREIO, Linda Bezerra, roda de conversa destacou a liderança feminina na Feira de São Joaquim Crédito: Priscila Natividade/ CORREIO

Mulheres, empreendedoras e autônomas. É a energia feminina que movimenta de uma ponta a outra, a Feira de São Joaquim. “São mulheres fortes, corajosas que lutam e mantêm a feira. São chefes de família, são chefes de São Joaquim. É só chegar lá bem cedo que você só vai ver mulher trabalhando. São elas que mandam”, diz Dadá, chef de cozinha e proprietária do restaurante Cantinho da Dadá, localizado bem no coração da feira há 50 anos. Junto com as duas filhas, Dadá toca o negócio que vende mais de 80 pratos de feijoada no sábado. Se somar com a rabada, o mocotó, isso chega a 200 refeições.

Defensora do legado e do patrimônio da feira, Dadá também foi uma das convidadas da 2ª Edição da Arena São Joaquim, que aconteceu neste sábado (31), na Doca 1, no Comércio. A cozinheira se juntou a chef de cozinha dos restaurantes Encantos da Maré, Deliene Mota, e a assistente de secretaria do Sindicato dos Feirantes e Ambulantes de Salvador (Sindfeira), Suzy Mendes para discutir ‘A importância das Mulheres na Salvaguarda da Feira de São Joaquim enquanto Patrimônio Cultural’.

Mediada pela editora-chefe do CORREIO, Linda Bezerra, a roda de conversa trouxe experiências e histórias de quem vive e respira a feira de São Joaquim todos os dias.

“A gente está falando de um patrimônio imaterial que está na memória, na cabeça, na fala, na vida das pessoas. Isso é de um valor único. Existe um universo na Feira de São Joaquim que não é percebido. A memória de quem vive na feira. Isso tem uma importância enorme para o tombamento dela. Esse é o nosso interesse”, defende Linda Bezerra sobre a valorização de São Joaquim enquanto símbolo cultural e histórico.

Foi lá que Deliene Mota alimentou seus negócios e tornou os restaurantes Encantos da Maré, localizados na Cidade Baixa, a referência que são atualmente. “Eu sou filha da feira de São Joaquim. Ela é mulher, é mãe. A feira alimenta. É uma troca. Alimenta meus restaurantes e eu alimento pessoas. Aqui, são as mulheres que dominam. Venho, compro, passeio, troco uma ideia, converso, ‘tomo uma’. Isso é muito poderoso. É a união de força dessas mulheres que podem fazer grandes coisas na Feira de São Joaquim”.

Suzy Mendes confirma que a maioria dos empreendedores da feira é formada por mulheres. A assistente de secretaria do Sindfeira destaca que existe um esforço para estimular a formalização e de valorizar o trabalho dessas feirantes. “Conheço de perto a vida delas e são muitas histórias que chegam para a gente. São Joaquim é um lugar de mulheres que sustentam seus filhos com a feira. Estamos sempre orientando sobre a importância da formalização. Mas é um projeto que precisa ganhar mais força. É um trabalho que começa muito pela confiança que se estabelece com essa trabalhadora”.

A iniciativa, fruto da parceria entre a JA Bahia e a Wilson Sons, contou ainda com a presença de agentes de microcrédito do Crediamigo Banco do Nordeste, a fim de conscientizar sobre a importância do associativismo e da formalização como estratégia de crescimento. Também durante a Arena São Joaquim, 18 feirantes que participaram do curso de formação ‘Capacitar para Conectar’, receberam o certificado. O encerramento do evento ficou por conta da Banda Didá. “São as mulheres que diariamente fazem com que essa feira seja esse apogeu incrível. É importante trazer a mulher como líder de tudo isso”, reforça a supervisora de marketing e analista em ESG no Tecom Salvador, unidade da Wilson Sons, Adriana Medeiros. A seguir, veja mais histórias sobre a força da presença feminina que sustenta a Feira de São Joaquim.

Protetora da Marujada

 Dadá é chef de cozinha e proprietária do Restaurante Cantinho da Dadá
Dadá é chef de cozinha e proprietária do Restaurante Cantinho da Dadá Crédito: Priscila Natividade/ CORREIO

Foi de um “finado caboclo da feira”, como ela mesmo conta, que Dadá ganhou uma imagem de um marujo no dia do seu aniversário, 9 de setembro. Isso já faz 30 anos, mas foi daí em diante que a chef de cozinha e proprietária do Restaurante Cantinho da Dadá, tornou a festa obrigatória.

“O marujo é uma entidade do mar. Um legado de família. No início era só frutos do mar, mas ficou caro e passei a fazer a feijoada. Juntei os afilhados – que são muitos – e aí, como não faz festa?”. A famosa Marujada aconteceu neste domingo (01). Foram 30 quilos de feijão na panela e mais outros 20 quilos de marisco. “Não sou besta, ofereço para todo mundo. É uma festa para a gente brincar, mas tem também a obrigação. Começa com o cortejo, tem camisa, um samba de viola e muito feijão para ninguém dizer que comeu pouco”, garante.

"Não sou besta, ofereço para todo mundo. É uma festa para a gente brincar, mas tem também a obrigação"

Dadá
chef de cozinha e proprietária do Restaurante Cantinho da Dadá

Dadá está na Feira de São Joaquim há 50 anos. E nem adianta chamá-la de Marilena. A cozinheira sempre foi e será a ‘Dadá da Feira’. No início, Dadá vendia artesanato até que seu tempero conquistou quem passava por lá. Criou os filhos, vendeu comida e em São Joaquim se tornou referência: “A feira é lugar de mulher forte, de luta”, afirma.

Milagres e gastronomia

Deliene Mota é chef de cozinha dos Restaurantes Encantos da Maré
Deliene Mota é chef de cozinha dos Restaurantes Encantos da Maré Crédito: Priscila Natividade/ CORREIO

Quem circula pela Cidade Baixa e passa hoje pela frente de um dos restaurantes Encantos da Maré, nem imagina que lá em 2019, quando Deliene Mota começou pegou uma carona até a Feira de São Joaquim, sem nem um centavo na bolsa para comprar os ingredientes.

“Eu vivo de milagre. Saí de casa assim mesmo, de carona da Ribeira para cá, sem saber como iria pagar o que eu precisava comprar para cozinhar. Quando cheguei em São Joaquim, na barraca de Neilton da carne do Sol, peguei dois quilos fiado na sexta-feira para pagar na segunda. Hoje eu compro caixas. No caminho tinha também Lu, que me vendeu para pagar depois. Foi o povo da feira que me ajudou a construir os Encantos das Marés. Voltei, paguei e comprei mais. O restaurante prosperou”, conta.

"Foi o povo da feira que me ajudou a construir os Encantos das Marés. Voltei, paguei e comprei mais. O restaurante prosperou"

Deliene Mota
chef de cozinha dos Restaurantes Encantos da Maré

Deliene trabalhava já há 19 anos com eventos. Após perder os pais, não viu mais sentido em continuar nesse segmento. Queria mesmo era abrir uma coisa sua, fazer sua própria comida, ter um restaurante, um sonho. “Caminhando pelo meu bairro, eu vi o espaço e decidi: era aqui”. Hoje, Deliene comanda, ao mesmo tempo, uma unidade no Bonfim e outra na Pedra Furada. Entre os pratos principais estão o de Frutos do Mar na Chapa e o Baião de Dez. “Tudo é uma troca. Alimento pessoas e elas me alimentam também”.