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Thais Borges
Publicado em 2 de setembro de 2023 às 05:00
Ao menos seis vezes na semana, a dona de casa e pedagoga Iranildes Maria Maia vai à academia fazer musculação e pilates. Aos 78 anos - e a poucos dias de completar 79 -, a rotina de atividade física é uma constante na vida dela há mais de três décadas. Por isso, começar a usar suplementos nutricionais foi um caminho quase natural.
Iranildes não é atleta de fisiculturismo, não está dentro do que se espera no estereótipo de 'marombeira' e provavelmente não tem uma rotina muito diferente da maioria das pessoas com quem você convive. Ainda assim, diariamente, ela usa ao menos cinco suplementos nutricionais: dois polivitamínicos, além de whey protein, creatina e ZMA (um composto de zinco e magnésio).
"É para fortalecer os músculos, por causa da incidência de queda. Idosos têm essa coisa, que é o desgaste natural. Às vezes as pessoas dizem que o tempo não tem nada a ver, mas tem a ver sim. Quando a gente é criança é uma coisa, mas lá na faixa dos 30 anos já começa o processozinho, embora lentamente. É natural do corpo e nos resta procurar nos cuidar", diz ela.
Não é raro encontrar gente como Iranildes. Se alguns anos atrás, era comum só 'frequentar' a academia, hoje essas idas envolvem uma rotina mais consistente que vai da regularidade ao uso dos suplementos: whey protein, creatina e glutamina, só para citar alguns dos mais populares. Só o consumo dos concentrados de proteínas cresceu 25,1% no país em 2022, em comparação ao ano anterior, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad), que representa o setor responsável por suplementos e alimentos funcionais.
Mas a prateleira da suplementação, porém, ganhou reforços importantes, especialmente após a pandemia, com os suplementos conhecidos como nutracêuticos - compostos que combinam 'nutrição' e 'farmacêutica', como vitaminas, minerais, ômega 3 e melatonina.
"Em relação aos suplementos esportivos, sempre houve uma procura muito grande e há uma demanda crescente natural. No entanto, de cinco anos para cá, a procura dos nutracêuticos explodiu. Aí sim, triplicou. Dos esportivos houve crescimento, mas é natural e acontece ano após ano", estima o farmacêutico Gibran Souza, diretor do Sindicato dos Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma).
Entre setembro de 2020 e dezembro de 2022, o consumo de suplementos vitamínicos e complementos alimentares também cresceu 23,2%, pelos dados da Abiad. Já na última pesquisa sobre hábitos de consumo feita pela entidade, em 2020, em 59% dos lares brasileiros há pelo menos uma pessoa que usa suplementos, sendo que o hábito é mais comum entre mulheres. Dentre os que usam, 69% também fazem atividades físicas.
Necessidade
Suplemento, como o próprio nome já dá a entender, é toda substância proveniente de alimentos ou produzida sinteticamente que cumpre a função de suplementar algo que o corpo não produz organicamente ou que não está sendo fornecido por alguma razão, como carência na alimentação ou problema de saúde. Na última década, os suplementos usados para atividades esportivas ficaram famosos, mas estão longe de serem os únicos.
Vitaminas, minerais e hormônios sintéticos como a melatonina também se enquadram nessa categoria. Sempre que há alguma disfunção ou desequilíbrio, por exemplo, é preciso recorrer a um suplemento, como explica a nutricionista Edneia Passos, mestra em Saúde Comunitária e professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
A maior frequência na prescrição de suplementos está ligada, inclusive, ao desenvolvimento tecnológico na área de saúde, que passou a usar até inteligência artificial para avaliar as funções orgânicas e metabólicas do corpo humano. “A gente ficava atento à questão dos macronutrientes, como carboidratos, gorduras e proteínas. Agora, com esse acesso a tecnologias de saúde que permitem um olhar mais micro, isso tem trazido mais informações a respeito de vitaminas, minerais, enzimas. Isso permite esse olhar mais minucioso”, explica.
Não existe um público específico para quem os suplementos são indicados - qualquer pessoa, em diferentes momentos da vida, pode precisar deles. No caso de quem pratica esportes, principalmente de alta intensidade, é comum usar suplementos proteicos ou calóricos (com muitos carboidratos) para melhora do desempenho, segundo a médica endocrinologista Isabella Magalhães, professora da Medicina FTC.
Além disso, pessoas que fazem entre uma e duas horas de exercício físico, pelo menos cinco vezes por semana, em geral, podem precisar desse incremento - seja para não ter baixo rendimento, seja para não perder músculos. "É ideal ter suplementação, porque acaba tendo uma quebra do músculo para dar aporte de carboidrato. O músculo contém estoques de glicogênio e, quando acaba o estoque, há uma quebra. A tendência, então, é haver redução de massa muscular porque os aminoácidos do músculo vão ser convertidos em glicose", explica.
Alguns grupos, como pessoas idosas, mulheres na menopausa, grupos que não têm muita exposição ao sol estão entre aqueles que têm risco de desenvolver doenças ósseas, como osteoporose. Nesse caso, a vitamina D é recomendada. Outro exemplo é o de quem tem uma dieta vegetariana ou vegana, que tem risco de deficiência nutricional, como da vitamina B12. Esse nutriente não pode ser obtido por meio de alimentos vegetais, sendo restrito aos que têm origem animal.
Os idosos podem, inclusive, usar suplementos que são comumente associados à prática esportiva, como whey protein e creatina. “Não é visão de estética, é saúde mesmo”, enfatiza a endocrinologista. Ela explica que esses suplementos, aliados à atividade física de musculação, são importantes para evitar o processo de redução de massa óssea e muscular que leva ao risco de queda e afeta atividades corriqueiras.
“Idosos podem usar whey protein sem problema nenhum. Tem alguns tipos de whey protein, como concentrado, isolado e hidrolisado. O que a gente recomenda é que pessoas com algum tipo de intolerância à lactose usem o hidrolisado porque já tem aminoácidos quebrados e a absorção é mais rápida”, diz. O whey concentrado é chamado assim porque tem concentração mais alta de glicose, enquanto o isolado pode ser usado por pessoas que querem emagrecer.
Energia
Dona Iranildes Maia conta como a musculação ajuda em sua rotina. Quando começou a fazer musculação, ainda antes da pandemia, seu filho, que era seu parceiro de treinos, sugeriu que ela buscasse uma nutricionista para saber se tinha indicação de suplementos alimentares. Hoje, ela usa o whey para ganhar massa e a creatina para ter mais disposição.
“Eu estava me sentindo bem, até porque tenho a saúde muito boa devido à atividade física. Para mim, é uma coisa super importante, mas eu sempre tive uma mente bem aberta. Queria tomar, mas queria tomar orientada”, explica.
Na primeira consulta, a nutricionista fez um exame de bioimpedância. Ela, que tinha 76 anos na época, ouviu da profissional que sua idade corporal era de uma pessoa com apenas 54 anos - mais de duas décadas mais jovem.
Na época, ela já fazia caminhadas diárias em torno do Dique do Tororó. Agora, além da musculação, também faz pilates. Entre suas amigas de mesma idade, Iranildes é a única que tem essa rotina.
“Pessoas idosas não fazem atividade física porque existe uma resistência, mas mesmo que não faça atividade, o whey é importante. Com a musculação, mais ainda. Eu fico muito bem. Com a creatina, por exemplo, fico mais disposta na academia. Sem contar que os músculos dos braços e das pernas estão bem torneados”, conta Iranildes, que gasta cerca de R$ 600 com a compra de todos os suplementos.
No entanto, assim como com as crianças, idosos são considerados parte de um grupo mais vulnerável e, portanto, existem limites de consumo e de ingredientes nos suplementos indicados. De acordo com a nutricionista Leila Rodrigues, doutoranda em Biotecnologia e professora da Unifacs, a creatina, uma das que mais tem sido recomendada para idosos, tem benefício de funcionar justamente como uma espécie de reservatório de energia para as atividades que exigem muita potência em um curto espaço de tempo.
Ao mesmo tempo, também é uma substância que ajuda no aumento de massa muscular, na força, melhora a recuperação e previne a sarcopenia - que é justamente a perda de músculos. Mas a creatina caiu nas graças do público em geral - não só dos idosos.
Em geral, muitos pacientes já chegam aos consultórios pedindo prescrição desses suplementos. “A maioria das pessoas não procuram ganhar medalhas ou não treinam em alta intensidade e longa duração. Nessa conjuntura, uma alimentação balanceada e ajustada a uma rotina de exercícios pode viabilizar os objetivos esperados”, pondera Leila, que ressalta que a indicação de suplementos deve ser feita de forma individualizada e por um profissional de nutrição.
Mais comuns
Além da creatina, o whey protein se destaca entre os proteicos - o nome em inglês diz respeito à proteína do soro do leite. Ele ajuda a ganhar massa muscular, auxilia na recuperação depois do exercício físico, assim como na saciedade e na imunidade. Além disso, outros populares são os suplementos de carboidratos, que fornecem energia ao repor glicogênio durante o exercício, e a cafeína, que potencializa a contração muscular, adia o cansaço e contribui para a performance.
A professora reforça que, uma vez prescritos por profissionais da área, suplementos não trazem riscos à saúde. Os problemas costumam acontecer quando são usados de forma indiscriminada e sem acompanhamento. Além disso, a alimentação deve ser adequada a esse uso, no que diz respeito às quantidades e qualidade. "Os suplementos são a 'cereja do bolo', ou seja, as bases para saúde e desempenho esportivo são dieta e exercício físico", acrescenta.
Mas há, ainda, aqueles suplementos que se tornam uma espécie de tendência em um período específico. Não é incomum que esses modismos surjam, inclusive, nas redes sociais. "Há uns três, quatro anos atrás, a chamada maca peruana e o tribulus terrestris tinham uma procura absurda. Estavam sendo muito divulgados, propagados por influenciadores, nutricionistas e endocrinologistas como suplementos naturais", diz o farmacêutico Gibran Souza.
A maca peruana aumentaria a saciedade e diminuiria a fome, enquanto ao tribulus terrestris comumente são atribuídas vantagens como o aumento de massa muscular e aumento da libido. "A propagação faz com que a busca nas drogarias aumente bastante, tal qual qualquer produto que tem esse marketing direto ou indireto. Posso afirmar que isso tem a ver com a sazonalidade, como o efeito verão, e também com essa questão mercadológica de que é natural", acrescenta.
Com a pandemia, houve o 'boom' da vitamina D, que foi vista como um caminho para ter mais imunidade. O problema, como pondera a nutricionista Edneia Passos, professora da Escola Bahiana de Medicina, é que o uso dela deve ser individualizado. "Não é um padrão para todo mundo. Não é à toa que, no mercado, tem diferentes formas de uso. Tem gente que usa de forma diária, outros vão usar uma vez por mês, outros uma vez por semana".
A pandemia também teria sido um dos fatores que potencializou o uso indiscriminado da melatonina, especialmente para dormir. Na verdade, a melatonina é um hormônio produzido naturalmente pelo corpo, mas a versão sintética tem sido largamente usada. Além disso, segundo a nutricionista, a tendência mais recente é recorrer às vitaminas do complexo B para ter energia.
“A gente vive um processo de medicalização da vida em que tudo precisa de um elemento, de medicamento, de um fármaco ou de um suporte externo para desenvolver atividades essenciais como dormir, ter energia, ler, estudar. Os suplementos nutricionais estão dentro desse processo também”.
Exercícios
O tipo de atividade física que uma pessoa pratica também é algo a ser considerado antes de escolher um suplemento. Segundo o profissional de educação física Leandro Paim, mestre em Educação Física e doutorando em Reabilitação e Desempenho Funcional, alguns suplementos vão ser mais benéficos dependendo do estilo de exercício que a pessoa faça.
“Quem faz musculação e Crossfit se beneficia muito da creatina, porque ela aumenta a taxa de desenvolvimento de força. A proteína também vai ser excelente para praticantes de musculação, mas outros indivíduos que praticam esportes como ciclismo e corrida podem se beneficiar”, explica ele, que é professor dos cursos da área de Saúde da Unex.
Os termogênicos, como a cafeína, têm ganhado espaço. No entanto, ele pondera que a questão desse tipo de suplemento é a confiabilidade. “Eles têm um ponto que tem que ser bastante considerado antes do uso, que é o fato de que algumas pessoas podem ter efeitos colaterais, desconfortos, arritmia e ansiedade. Não é para todas as pessoas”, reforça.
A engenheira química Catharina Matos, 23, faz suplementação com creatina e whey protein há um ano. Ela conta que a adaptação, no começo, foi fácil, por ter pesquisado muito a respeito das duas substâncias. Atualmente, Catharina faz musculação entre cinco e seis vezes por semana, além de corrida pelo menos duas vezes por semana.
Ela decidiu fazer a suplementação depois que deu início à musculação, porque queria ganhar massa magra. Começou pelo whey protein. “Antes eu não era acompanhada pela nutricionista, mas após o acompanhamento ela orientou as quantidades corretas para que eu atingisse meu objetivo, que é a hipertrofia”, conta.
O investimento mensal dela na compra de suplementos fica entre R$ 250 e R$ 300. “Com o uso dos suplementos, junto com a academia e a alimentação adequada, vi mudanças no meu corpo. Além da perda de gordura, percebi a definição nos músculos e a força que foi aumentando”.
Cuidados
Suplementos são vendidos em lojas específicas, em lojas de produtos naturais, em farmácias e até em supermercados. Para comprar, não é preciso apresentar nenhuma prescrição médica. Por isso, os profissionais de saúde se preocupam com o uso indiscriminado e sem acompanhamento.
“Muitos jovens que não têm ajuda profissional começam a se exercitar e fazer dietas por conta própria e acham que devem fazer qualquer tipo de suplementação. A facilidade do acesso a essas lojas é até arriscada. A gente consegue promover mais saúde aumentando o consumo de hortaliças, proteínas e fazendo pequenos ajustes na alimentação. Mas o problema é que as pessoas querem resultado do dia para a noite”, alerta a médica endocrinologista Isabella Magalhães.
Em geral, os suplementos já vêm com uma sugestão de uso no rótulo. No entanto, o farmacêutico Gibran Souza explica que essa indicação pode trazer problemas. “A sugestão de quantidade e frequência é a mesma para quem tem 15 anos e para quem tem 60? É a mesma para quem se identifica como homem e quem se identifica como mulher? É a mesma para quem faz atividade física todos os dias e quem faz duas vezes? É a mesma para quem tem problema cardiovascular, diabetes, por exemplo? Não é. A Anvisa permite, mas muitos profissionais consideram inadequado”, diz, referindo-se à autorização da Agência Nacional de Segurança Sanitária para incluir sugestão de uso no rótulo dos produtos.
Uma pessoa com doença renal, por exemplo, precisa avaliar cuidadosamente a quantidade de proteínas que consome diariamente já que a baixa atividade dos rins pode levar até a diálise. Há, ainda, uma preocupação com relação aos anabolizantes, que são substâncias cujo uso pode trazer consequências graves.
Os anabolizantes são esteroides - hormônios sintéticos que podem ser semelhantes à testosterona ou outros hormônios andrógenos. Eles promovem o crescimento muscular e, consequentemente, o aumento dos músculos. Este ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a prescrição de anabolizantes para fins estéticos, ganho de massa e desempenho esportivo.
"Não se deve usar nenhum hormônio para ganhar massa, porque vai trazer muito mais prejuízos do que benefícios. Aumenta os riscos de saúde muscular e até de saúde mental", cita a médica Isabella Magalhães. Alguns dos efeitos adversos citados pelo CFM são doenças cardiovasculares, doenças hepáticas, risco de infarto, infertilidade e transtornos mentais.