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Nilson Marinho
Publicado em 14 de abril de 2025 às 09:30
Os passos são curtos, mas ágeis o suficiente para impulsionar o corpo numa corrida leve, quase um trote. Nesse ritmo, a feira irmã Rosalina Andrade, de 59 anos, que faz parte das Servas do Sagrado Coração de Santa Caterina, percorre diariamente o trajeto entre o Centro e a orla turística de Porto Seguro, no sul da Bahia, sempre nas primeiras horas da manhã, sem faltar um dia sequer. >
Quem cruza com ela não passa indiferente. Primeiro, porque, sem cair em estereótipos sobre a idade, é impossível não se impressionar com seu fôlego às vésperas de completar seis décadas de vida. Depois, porque ela corre vestindo o hábito religioso, e nem mesmo a saia abaixo dos joelhos compromete seu desempenho na pista.>
Diariamente, são de oito a dez quilômetros percorridos pelas ruas da cidade, uma distância comum entre corredores amadores que mantêm uma rotina de treinos. Para iniciantes, no entanto, esse percurso pode parecer inalcançável, sobretudo sem preparo físico adequado e acompanhamento profissional.>
“Aos 59 anos, o corpo ainda tem plena capacidade de responder bem aos estímulos físicos, desde que respeitados os limites individuais e com acompanhamento adequado. Muitas pessoas com 50, 60, 70 anos ou mais correm 10 km ou até maratonas, mas o que faz a diferença não é a idade, e sim a constância, os cuidados e o respeito ao corpo. Irmã Rosalina, por exemplo, parece mostrar exatamente isso: disciplina e consistência acima de tudo”, afirma Maria Clara Nogueira, educadora física e doutora em Ciências da Saúde.>
Para a análise, a especialista observou o desempenho da irmã a partir de um vídeo publicado no perfil de um portal de notícias de Porto Seguro, no Instagram. Nas imagens, a religiosa aparece correndo pelas ruas da cidade, enquanto é registrada por um ciclista em dois momentos diferentes.>
A publicação, que já ultrapassa 19 mil curtidas, recebeu uma enxurrada de elogios à disposição da corredora amadora, que faz pilates três vezes na semana e que, outrora, já foi praticante de handebol, basquete, vôlei e ciclismo. “Irmã Rosa é exemplo. Todos os dias encontro ela já voltando, e sempre me pergunto: ‘qual é a minha desculpa?’”, escreveu um seguidor. Outra seguidora comentou: “Irmã Rosalina é uma fofa. Corre o ano inteiro e, sempre que passa, nos dá um bom dia cheio de carisma. Exemplo!”.>
Mas a trajetória de Irmã Rosalina na corrida não começou com passadas firmes e longas distâncias. Quando decidiu calçar os tênis, há seis anos, alternava entre trotes leves e caminhadas. Foi assim, em ritmo gradual e disciplinado, que começou a ganhar fôlego, até que, em 2023, deixou de lado as pausas e passou a correr direto. Embora percorra entre oito e dez quilômetros diariamente, ela já foi além: seu recorde é de 14 quilômetros contínuos, sem uma única parada, nem para respirar com calma, nem para tomar água.>
“Para mim, a corrida é algo muito bom. Eu me sinto muito bem quando corro. Acho uma atividade extremamente saudável para a nossa saúde. Quando consigo correr, me sinto muito melhor do que nos dias em que, por algum motivo, não posso ir. Prefiro correr pela manhã, não gosto de ir à tarde. Acho o começo do dia mais tranquilo, mais calmo, e isso me deixa muito mais relaxada”, comenta a religiosa.>
Após a corrida, Irmã Rosalina diz sentir uma profunda sensação de bem-estar, calma e tranquilidade, efeitos que, segundo ela, se estendem ao longo do dia. A atividade física, que considera uma prioridade em sua rotina, é o que garante disposição para cumprir suas diversas tarefas: atua na pastoral do batismo, no Bairro Parque Ecológico; na Paróquia Nossa Senhora da Pena, onde catequiza crianças e adolescentes; e como professora na Educação Infantil.>
“Antes de ir para minha corrida matinal, minha primeira ação é fazer minhas orações de entrega ao Senhor, pedindo proteção divina. Em seguida, faço meu alongamento e saio. Tanto a espiritualidade como a saúde física para mim se complementam, pois são processos que intensificam o bem-estar e a saúde de qualquer pessoa”, diz.>
Nascida em Orós, interior do Ceará, e criada na vizinha Campos Sales, Irmã Rosalina teve uma infância simples e alegre. Brincava de baleado e bandeirinha com as colegas e, ainda adolescente, encontrou na Igreja e nos grupos de jovens da paróquia da cidade o terreno fértil para o que viria a ser sua vocação. >
Naquele período, chegaram por lá as irmãs da Congregação das Servas do Sagrado Coração de Santa Caterina Volpicelli, de origem italiana, cujo objetivo era trabalhar na evangelização, auxiliando o pároco na formação de agentes pastorais e na catequese de crianças e jovens.>
As freiras abriram caminho para o sonho de ser religiosa já que, para muitas meninas do sertão cearense, era algo, então, inalcançável pela ausência de congregações religiosas fora das capitais ou cidades mais desenvolvidas.>
“As irmãs, ao chegarem à paróquia, não mediram esforços para acolher essas vocações. Comigo não foi diferente. Como já fazia parte do grupo de jovens, fui convidada a participar dos encontros vocacionais e, a partir daí, senti o desejo de ser irmã. Esse sentimento foi se intensificando até que compreendi que se tratava de um chamado. Passei a frequentar a casa das irmãs e, com o tempo, tomei a decisão de ingressar na vida religiosa. Hoje, após 36 anos de consagração, sou feliz por ter feito essa escolha”, conta.>
Há 23 anos em Porto>
Seguro, ela é figura conhecida nas comunidades do Centro e do bairro Parque Ecológico, e pretende continuar sua caminhada, ou melhor, corrida, entre saudações diárias, incentivos e pedidos de fotos.>
“Diariamente, ouço diversas pessoas afirmarem que sou uma inspiração, que, quando crescerem, querem ser como eu. Me parabenizam e me incentivam a continuar correndo. Houve um episódio em que um turista pediu para tirar fotos comigo para mostrar à família e incentivá-los. A mensagem que deixo para todos é: comecem, independentemente da idade, mesmo que seja com uma caminhada. Aos poucos, quem sabe, podem iniciar uma corrida no próprio ritmo. Como disse Santa Caterina Volpicelli: ‘Nossa Mãe Maria Santíssima nos assiste maternalmente. Confiemos sempre Nela e permanecemos calmos e tranquilos’”, arremata, Irmã Rosalina.>