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‘Foi como tirar uma venda dos olhos’: como é a vida de adultos que não sabem ler e nem escrever na Bahia

Analfabetismo no estado é maior entre as pessoas com 65 anos ou mais

  • Foto do(a) author(a) Maysa Polcri
  • Maysa Polcri

Publicado em 18 de maio de 2024 às 11:00

Homens pardos com mais de 65 anos são a maioria entre os não alfabetizados na Bahia Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Se o analfabetismo tivesse um rosto, na Bahia, ele seria assim: de homem, pardo e com mais de 65 anos. Essas são as características de grande parte da população que não sabe ler e nem escrever em território baiano. Quando as portas do ensino público foram ampliadas no país, a partir de 1990, eles já estavam fora da idade escolar e não foram resgatados. Os anos passaram e os analfabetos continuam sem o direito básico que garante autonomia.

Durante 46 anos de vida, Denilson Santos precisou memorizar os números e cores dos ônibus para não errar o destino da viagem. Tarefas banais do dia a dia, como responder uma mensagem no celular ou ler um bilhete no trabalho, também eram impossíveis para o baiano natural de Cabaceiras do Paraguaçu. Os obstáculos da infância difícil impediram que ele, ainda criança, aprendesse a ler e escrever.

A mãe de Denilson se mudou com os filhos para Salvador quando se separou do marido. Ciente das dificuldades financeiras da família, ele logo arranjou um emprego como vendedor de picolé. Naquela época e durante as décadas seguintes, só tinha como alternativa confiar nos clientes, afinal, fazer contas não era uma opção viável.

“No dia a dia, a gente vai aprendendo. A vida da pessoa que não sabe ler e escrever é uma luta, acaba tomando um tapa dali e pegando as coisas no ar. Eu tomei muito calote, muita gente desonesta se aproveitou de mim”, conta Denilson. Contrariando o que seria esperado para uma pessoa analfabeta, o baiano conseguiu se virar na vida adulta: montou uma loja de materiais de construção e se tornou empresário. Mas os problemas continuavam aparecendo.

A vida começou a mudar três anos atrás quando escutou, em uma rádio, que uma faculdade ofertava aulas para adultos analfabetos de graça. “O mais difícil é o primeiro passo. Quem tem uma certa idade fica com vergonha, mas depois que você se enturma, um passa para o outro um pouco de sabedoria”, diz.

O empresário Denilson aprendeu a ler aos 46 anos
O empresário Denilson aprendeu a ler aos 46 anos Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

E foi assim, vencendo o medo e a vergonha, que Denilson tomou coragem para voltar à sala de aula e aprender, finalmente, a ler e a escrever. Aos poucos, os dois filhos e a esposa deixaram de precisar estar ao lado dele na hora de fechar um negócio na loja. “Foi uma maravilha na minha vida. Passei a enxergar muitas coisas, foi como se tirasse uma venda dos meus olhos”, afirma Denilson, que hoje tem 49 anos.

Se o problema do analfabetismo começa a ser resolvido quando as pessoas estão em idade escolar na Bahia, ele ainda afeta os mais velhos. De 2010 a 2020, a taxa de analfabetismo caiu em todas as faixas etárias no estado, com exceção das pessoas com acima de 55 anos. O IBGE considera as pessoas analfabetas a partir dos 15 anos de idade. 

Cerca de 12% da população baiana, em geral, é analfabeta, mas, no recorte de pessoas acima dos 65 anos, a taxa sobe para 36,7%. As informações fazem parte de dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na sexta-feira (17).

Quando Denilson Santos encarou o retorno aos estudos, encontrou a professora Marialva Gargur. Ela é responsável pelo Programa de Alfabetização e Letramento da Faculdade Estácio. Neste semestre, a professora dá aula para 75 alunos. O curso, que é totalmente gratuito, abre inscrições através do site a cada semestre. 

“Nosso objetivo é dar autonomia, cidadania e reconhecimento de direitos a essas pessoas. Quase 90% das histórias que a gente ouve são de quem precisou largar os estudos para ajudar na sobrevivência familiar”, conta Marialva. Os professores do curso são alunos de pedagogia da faculdade.

Apesar da iniciativa, ainda faltam políticas públicas que garantam a educação de pessoas mais velhas na Bahia. Só no estado, o número de pessoas com 55 anos ou mais que não sabem ler e nem escrever cresceu 8%, atingindo a marca de 872.400 baianos, entre 2010 e 2022.

“Essas pessoas ainda têm muita vida pela frente e vão envelhecendo sem ter acesso a esse direito mais básico. Não podemos esperar resolver o problema do analfabetismo com a troca de geração”, defende Mariana Viveiros, supervisora de informação do IBGE na Bahia.

Em nota enviada à imprensa após a divulgação dos dados do Censo 2022, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) ressaltou que possui programas para a inclusão da população mais velha, através do Educação Jovens e Adultos (EJA). “Hoje, na Bahia, há cerca de 125 mil pessoas matriculadas nesta modalidade de ensino, oferecida em 1025 escolas, de 403 dos 417 municípios baianos”, pontuou.

“A SEC também atua para reduzir o analfabetismo entre o público jovem e adulto, através do Projeto Sim, Eu Posso, que é desenvolvido em parceria com a Universidade do Estado da Bahia (Uneb). O projeto foi lançado em junho de 2023 e tem o objetivo de combater e erradicar o analfabetismo na Bahia. Entre as principais características do Sim, Eu Posso está a possibilidade de alfabetizar em curto período”, completa a pasta.

As iniciativas ainda parecem distantes de resolver o problema do analfabetismo entre os mais velhos, segundo a especialista Cláudia Costin, que foi Diretora Sênior para a Educação no Banco Mundial, entre 2014 e 2016. Para ela, é preciso que a reinserção de adultos e idosos nas salas de aula seja mais atrativa e tenha, ainda, a busca ativa dessa população.

“Todo jovem que foi deixado para trás precisa ter uma chance de novo, mas a taxa de desistência na educação de jovens e adultos é enorme no Brasil inteiro. Precisamos de novas maneiras de lidar com isso, provavelmente associando a recuperação das aprendizagens perdidas à uma formação técnica”, analisa Cláudia Costin, que preside o instituto Singularidades, que forma professores.

“O adulto precisa ter a sensação de que ele logo vai poder melhorar de vida, o que, de fato, acontece”, conclui. A cada vez que lê uma notícia no jornal ou faz uma conta no trabalho, o baiano Denilson Santos, recém alfabetizado, reforça o que diz a especialista. 

“Nunca é tarde para aprender. O conhecimento que a gente tem, ninguém tira. A mesma coisa acontece com a leitura, depois de aprender, ninguém consegue mais tirar de você”, afirma Denilson.