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Festival de Maragogipinho evidencia exportação de cerâmica da Bahia

2ª edição do evento homenageou o 'boi-bilha', peça principal para o reconhecimento do artesanato local

  • Foto do(a) author(a) Brenda Viana
  • Brenda Viana

Publicado em 17 de novembro de 2024 às 17:24

Peças artesanais de Maragogipinho
Peças artesanais de Maragogipinho Crédito: Brenda Viana / CORREIO

A cerca de 71 km de Salvador pela BR-101, é possível chegar em Aratuípe, distrito famoso por ser o maior polo de cerâmica da América Latina - reconhecido pela Unesco. É lá que ocorre a 2ª edição do Festival de Maragogipinho, que começou no dia 14 e acaba neste domingo (17).

Artesanato da Bahia
Artesanato da Bahia Crédito: Brenda Viana / CORREIO

O ofício, que vem desde o século 18, é realizado por mais de 140 olarias (oficinas do ceramista) e exposto em praça, becos e vielas de Maragogipinho, com louças de barro, potes, panelas, vasos, pratos, esculturas, moringas, talhas, potes, esculturas e, claro, o boi-bilha.

Olaria em Maragogipinho
Olaria em Maragogipinho Crédito: Brenda Viana / CORREIO
Santos feitos de barro em Maragogipinho
Santos feitos de barro em Maragogipinho Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Peça de artesanato que une a figura do boi nordestino e a bilha, utensílio muito conhecido por armazenar cachaça, o boi-bilha está presente no tema do evento deste ano: "Cerâmica e Tradição: Celebrando o Boi-Bilha". Mestre Vitorino, de 104 anos, foi o responsável por levar a herança dos povos indígenas para a peça. Essa arte emblemática em formato de boi, modelado em argila, e pintado com pigmentos naturais - o tauá, da cor avermelhada, e a tabatinga, da cor branca e pintada em padrões ornamentais, flores e folhas - se tornou referência para movimentar a economia local, abrindo a janela para a potência do Recôncavo baiano.

Com essa visibilidade tamanha fora da própria cidade, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) iniciou o processo para registrar o Ofício de Oleiros e Oleiras como Patrimônio Imaterial da Bahia, dando mais reconhecimento e valorização a essa prática identitária.

Olaria em Maragogipinho
Olaria em Maragogipinho Crédito: Brenda Viana / CORREIO
Olaria em Maragogipinho
Olaria em Maragogipinho Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Esse trabalho, que movimenta a economia local, foi passado de pai, seu José Teófilo dos Reis, de 72 anos, para os sete filhos. Conhecido como Zé Curú, ele criou a família vendendo suas peças, mas com muita dificuldade, já que antigamente não tinha tanta visibilidade como hoje em dia. Ceramista há 62 anos, seu Zé deixou claro ao CORREIO que a maior herança que ele pode passar para os filhos é, justamente, a arte que aprendeu com os pais.

"O que eu faço meus filhos também fazem. Todo mundo trabalha nas lojas aqui pertinho, ganham o dinheiro deles e tudo certo. Eu fico satisfeito de ver peças minhas sendo levadas para fora, porque antes, há uns 40 anos, os clientes vinham comprar aqui, sabe? Antes não tinha desenvolvimento fora de Maragogipinho. Hoje evoluiu muito com o trabalho sendo mostrado para todo mundo", diz ele, orgulhoso, seguindo em direção ao forno, seu fiel amigo há mais de 30 anos.

Seu Curú no forno de 30 anos
Seu Curú no forno de 30 anos Crédito: Brenda Viana / CORREIO

No puxadinho da loja de seu Zé, há uma vendedora da mesma família: Geisiane Evangelista, de 32 anos, filha dele. Seu Curú, que foi cadastrado e recebeu a Carteira Nacional do Artesão - um registro profissional para regularizar a profissão - passou todos os ensinamentos para a filha, que aprendeu brincando enquanto o pai trabalhava. Aos 10, iniciou o processo de trabalho de fato para ajudar no sustento da família. 

"Só com 18 anos eu me dediquei à pintura. Agora eu e meu marido fazemos tudo sozinhos. Meu pai me deu esse pedacinho [da loja] para eu conseguir ter meu dinheiro. Já tenho encomenda para fora, para o Mercado Modelo, São Paulo, Estados Unidos e vou sobrevivendo", explica a artesã, que todo mês envia 200 bonequinhas para a capital baiana para vendedores locais e casas de eventos. Segundo ela, consegue receber cerca de R$ 5 mil a R$ 7 mil por mês, dependendo da demanda.

Geisiane Evangelista e suas peças no puxadinho
Geisiane Evangelista e suas peças no puxadinho Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Andando mais um pouco, passando pelo rio Aratuípe, a visão é apenas das olarias, com palhas nos telhados e várias peças em exposição. Uma casinha de taipa é avistada em meio a várias olarias justamente por ser de um artesão, Taurino Oliveira, conhecido como Seu Zé, que aprendeu com o Mestre Vitorino a criar o boi-bilha ainda em 1954, quando foi feita a primeira peça. Nascido em 1957, ele cresceu entre as olarias do povoado, levando as peças para casas de mulheres artesãs para terminar o brunimento - detalhe que dá o brilho às peças. 

"Veio um professor mineiro para desenvolver o curso de artesanato em 1954, e trouxe a bilha, que é uma peça grega para dar início. Nessa peça, ele pegou a cabeça do boi e colocou na bilha e formou estilo uma carranca. Vitorino queria fazer uma peça no estilo dele e colocou esse boi nas peças. Aí, eu vi a oportunidade de produzir sempre essa peça do boi com uns 10 anos. Comecei a produzir apenas como forma de acabamento, colocando chifre, rabo, orelha, para formar o boi-bilha. Com o tempo foi registrado o barro vermelho e a tintura branca como artesanato da América Latina", explica seu Zé.

Seu Zé na olaria
Seu Zé na olaria Crédito: Diogo Andrade

Na pracinha de Maragogipinho, uma loja chama a atenção pela quantidade de pessoas visitando. A dona tem o mesmo nome de uma atriz, Thaís Araújo, e as duas fazem arte. No entanto, a Thaís, da Bahia, 42, cresceu vendo a avó - hoje com 93 anos - a trabalhar com o barro e fazendo o alisamento da peça em casa. Só começou a fazer as primeiras peças para vender há apenas 7 anos, mesmo com uma bagagem familiar extensa. Na loja é possível ver a modernização das pinturas com outras cores, mas a artesã enfatiza que está resgatando a tradição do tauá e da tabatinga. 

"Esse resgate das peças mais raiz da gente está vindo com tudo. O processo do barro, da catação, o maçador, colocar na pisa, enfim, tudo isso acaba agregando demais para sustentar a comunidade e a cultura. A gente pode se considerar independente, que sobrevive do barro. E nesse meio tempo, apesar do processo do transporte para exportação saindo daqui e indo para outros estados ainda ser um pouco complicado, temos a possibilidade de mostrar nossa arte com essas feiras, com o festival. Minha vó, por exemplo, só foi reconhecida agora aos 93 anos, mesmo com uma história no barro desde criança. Então, é assim que conseguimos mostrar as artesãs expandindo a nossa arte para outros horizontes", disse Thaís.

Thaís Araújo e suas peças de barro
Thaís Araújo e suas peças de barro Crédito: Brenda Viana / CORREIO
Terço feito de barro
Terço feito de barro Crédito: Brenda Viana / CORREIO

O secretário do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), Davidson Magalhães, fala sobre a valorização dos artesãos e artesãs locais no desenvolvimento turístico da região, principalmente para a preservação da riqueza cultural com a segunda edição do evento.

"O Festival, que já entrou no calendário cultural do estado, surgiu com esse propósito e foi só o pontapé, que já tem impactado a comunidade. Temos investido em cursos de qualificação, selos de certificação e vamos iniciar agora, por meio do Ipac, o processo de reconhecimento da cerâmica de Maragogipinho como patrimônio imaterial da Bahia."