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Evento reuniu integrantes de comunidades de terreiros no Parque Pedra de Xangô neste final de semana
Larissa Almeida
Publicado em 16 de junho de 2024 às 21:12
O encontro entre a fé a cultura de tradições africanas teve como palco o Parque Pedra de Xangô, no bairro de Cajazeiras X, neste final de semana. Em homenagem ao orixá Xangô, representante da justiça, dos raios e trovões, dezenas de pessoas se reuniram na área remanescente de quilombo e aldeamento indígena para participar da quarta edição do Festival da Fogueira, evento realizado pela Associação Bominfá e Samba das Matriarcas, com apoio da Prefeitura de Salvador. A iniciativa tem como intuito celebrar e fortalecer os laços entre o monumento religioso e as comunidades de terreiros.
Neste domingo (16), a programação contou com apresentações musicais e a ação empreendedora com apoio do Sebrae que levou o Saberes Ancestrais, projeto itinerante que reúne potências do afro-empreendedorismo, para expor produtos artesanais de diversos tipos, desde sabonetes e moda íntima até bolsas de crochê. Idealizadora da iniciativa e CEO da Ouromin, loja de acessórios ancestrais, Fabiana Pontes valorizou o convite para fazer parte do festival.
“Estar hoje no Festival Pedra de Xangô é uma imensa alegria e honra para nós do Saberes Ancestrais por podermos contribuir para esse momento histórico e fortalecer as nossas potencialidades. Somos mulheres, em sua maioria, e cada uma tem sua especificidade dentro dessas relações culturais e religiosas. Então, estar agregando é de extrema importância e necessidade”, disse.
Ao longo da tarde, a animação ficou por conta da apresentação de quadrilha junina feita pelo grupo Black Play Dance. Além deles, um trio elétrico colocou todo o público no clima do samba de roda, sob o comando da banda Samba dos Obás. A autônoma Tatiana Carla, de 54 anos, marcou presença no evento pela primeira vez, mas não se intimidou. Já entrosada com um grupo de amigos, ela colocou todo o samba nos pés e nas cadeiras, afirmando ser aquela a sua forma de homenagear Xangô.
“A fé e minha religião me trouxeram aqui hoje. Mesmo sendo moradora de Cajazeiras, essa é a primeira vez que venho e só estou aqui pela minha fé em Xangô. Fiz um pedido muito forte e fui atendida, então acho que devia essa visita. Até o momento, estou gostando e sambando muito”, admitiu, aos risos.
Enquanto a diversão deu o tom da tarde deste domingo, o ponto alto do evento, no sábado (15), foi a celebração religiosa. Mas, antes do culto ao momento sagrado, houve a inauguração de uma cerimônia para a titulação de personalidades civis e religiosas que se destacaram pela atuação em defesa e proteção das religiões de matriz africana. No âmbito religioso, foram nomeados sete guardiões, que passam a ter, oficialmente o papel de zelar pela proteção do patrimônio Parque Pedra de Xangô.
Já no aspecto político-civil, 12 personalidades ganharam o título de Obá Sorun, nomeação que em oyó correspondia ao cargo de primeiro-ministro, sendo um poderoso personagem da estrutura da organização política do reinado. A honraria, de acordo com Catarina Matos, secretária da Associação Bominfá, é uma forma de reconhecimento àqueles e àquelas que estão lutando publicamente por políticas públicas para a conservação e proteção do monumento, bem como das comunidades de terreiros.
Por volta das 18h do sábado, houve o anúncio dos guardiões e dos Obá Sorun, seguida de uma moção de aplausos para homenagear instituições que apoiam a preservação das religiões de matrizes africanas, como a Onira, ronda policial específica para combater o racismo religioso. Depois, enfim, todos ficaram diante da pedra para acender a fogueira em celebração a Xangô, encerrando o momento religioso com a Roda de Bani, quando foram entoadas cantigas em reverência à entidade.
Nomeado Obá Sorun, o babalorixá do terreiro Ilê Axé Obá Paleomon, Josias Matos, destacou a importância do festival. “Minha relação com Xangô é de extrema harmonia, propriedade, empoderamento e amor. O festival tem duas vertentes muito importantes: primeiro, a questão religiosa e dizer não à intolerância religiosa e ao racismo religioso; a outra parte é o empreendedorismo afrodescendente, porque aqui é um patrimônio que precisa de turismo e comércio ao seu redor. É necessário que o Poder Público entenda isso”, reivindicou.
Luzi Borges Olukòso, diretora de Políticas para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana de Terreiros do Ministério da Igualdade Racial e nomeada guardiã da Pedra de Xangô, garantiu honrar compromisso de valorizar o monumento. “Fiquei muito emocionada de ser guardiã da Pedra, porque é um reconhecimento ancestral desse lugar que eu ocupo no mundo. Eu quero permanecer reverenciando minha cultura de África, então me coloco à disposição da luta do povo preto de terreiro no Brasil e sobretudo na Bahia”, declarou.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo