Feira de empreendedorismo feminino reforça a luta da mulher negra em Salvador

Exposição de produtos ocorreu durante o Festival Latinidades neste domingo (7)

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  • Brenda Viana

Publicado em 8 de julho de 2024 às 05:00

Feira Afro Bahia
Feira Afro Bahia Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Mulheres pretas, muitas delas mães solo, que lutaram para ter seus nomes e espaços conquistados no mercado informal soteropolitano, estiveram na tarde deste domingo (7) nos Largos Pedro Arcanjo e Quincas Berro D'água, no Pelourinho, para participar da Feira Afro Bahia, ação que fortalece, gera e promove a igualdade racial e econômica de lideranças negras de Salvador.

Ocupando o espaço soteropolitano pela primeira vez durante o Festival Latinidades, nos dias 6 e 7 de julho, a Feira já transitou entre os municípios de Santo Amaro, Cachoeira e Castro Alves. Na edição deste mês, 55 mulheres, 90% delas negras, expuseram seus produtos, lojas e também suas histórias.

Feira Afro Bahia por Brenda Viana / CORREIO

"Meu ex-marido me botou contra a parede e mandou eu escolher entre ele ou os estudos depois de duas filhas. Decidi escolher continuar indo para a escola. E foi assim que ele me abandonou com quatro crianças em uma comunidade carente de São Paulo", diz Ana Cristina das Neves, de 64 anos, baiana e dona da marca Candaces Moda Afro, criada após um problema de saúde e depressão.

Ela decidiu investir ainda mais no artesanato e no mercado informal após os 40, idade bastante difícil para mulheres que lutam para continuar na CLT. Em casa, com problema no braço, decidiu fazer bolsas com caixa de leite, puff com pneu, pegando tecidos descartados de um vizinho que trabalhava com malha de roupas para ginástica. Seguindo o sonho de mostrar para todo mundo que sabia empreender, fez uma exposição em uma feira de São Paulo - onde foi morar, casou e teve filhos - e muitas mulheres gostaram mais das roupas com estampas africanas do que os próprios produtos da barraca. Sem saber corte e costura, Ana foi tentando aos poucos, até que conseguiu firmar uma clientela de mulheres plus-size, visto que muitas delas têm busto largo e quadril também.

"Eu fui criando técnicas minhas para cortar minhas peças para mulheres gordas. Cresci bastante, não tínhamos MEI, nem maquininha, nem nada. Hoje fazemos 300, 400 peças por mês, então, uma das coisas que eu deixo bem claro é que a informalidade acaba abraçando o empreendedorismo das mulheres pretas. Salvador ainda tem deixado a desejar em relação a ajudar muitas de nós acima dos 40. A gente sabe fazer, nós somos criadoras, produtoras, consultoras das nossas histórias. Precisamos só daquela porta para abrir", diz Ana Cristina.

 Ana Cristina das Neves da Candaces Moda Afro
Ana Cristina das Neves, da Candaces Moda Afro Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Em contrapartida, enquanto a dona da Candaces surgia com seu lado empreendedor por São Paulo, a filha de Quilombolas Juvanete Viana, 52, saiu diretamente de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, para estudar e seguir com os passos do avô, um caixeiro viajante que vendia tudo pelas estradas da vida. Antes da pandemia, ela vendia azeite de dendê, mel e outros produtos que saíam do Quilombo dela para vender em Salvador. No entanto, o filho de 12 anos, que descobriu que tinha diabete tipo 1, aproveitou o período em casa para aprender design gráfico, construindo assim estampas para a mãe com linhas africanas e de Orixás em roupas.

"Através da internet nós fomos começando a criar a lojinha, com estampas criadas pelo meu filho. Agora ele se formou no curso, me ajuda também no empreendedorismo. A feira é perfeita para a gente ter o contato com outras pessoas, ter aquele famoso boca a boca, e ir colocando o nome do nosso empreendimento para crescer na sociedade", explica a dona do Zezé Quimbolas.

 Juvanete Viana do Zezé Quilombola
Juvanete Viana do Zezé Quilombola Crédito: Brenda Viana / CORREIO

E foi justamente dessa forma, de pessoa em pessoa, que Diana Ribeiro, 42, mais conhecida como Deusa do Ébano de 2013 do bloco afro Ilê Aiyê, conseguiu colocar sua loja, o AfroAfeto, para ser reconhecida. Antes disso, ela chegou a vender produtos de revistas de catálogo para ter uma renda extra e, enquanto tentava desde 2006 ser Deusa, ela investia nos estudos - hoje formada em nutrição. Mas, como muitas pessoas não conseguem trabalhar no que escolheu para o estudo, decidiu abrir a loja, que traz produtos de orixás e estampas étnicas. Uma dos produtos é o leque com tecido afro, o carro-chefe da empresa.

"O Ilê abriu as portas para que eu pudesse ter a maturidade para pensar em estudar, porque eu só tinha o segundo grau completo. Fui crescendo, fazendo faculdade, hoje estudo para concurso e, em paralelo, tenho minha loja que também acaba sendo uma oportunidade quando eu digo que fui Deusa do Ébano, abrindo portas para as minhas vendas. Tive uma grande venda no Carnaval com os leques, no concurso também, enfim. A feira também dá essa oportunidade de mostrar nossas criações", conta.

Diana Ribeiro do AfroAferto
Diana Ribeiro do AfroAferto Crédito: Brenda Viana / CORREIO

De criação a empreendedora Viviane Vergasta, de 37 anos, entende. A prima foi demitida do emprego e, com o FGTS, decidiu investir em algum negócio e fazendo sociedade com produtora cultural no final de 2016. Com a ideia de criarem algo focado em acessórios africanos, ainda novidade em Salvador, as duas pesquisaram bastante antes de colocar os produtos à venda. "Vimos que vinham várias estampas da Angola, mas achamos fornecedores em São Paulo e começamos as produções", explica.

Apesar de ter feito a sociedade pensando em uma renda extra, Viviane conta que ainda não consegue viver 100% do artesanato em Salvador e também com a loja nas redes sociais. "Sou produtora e gestora cultural, então acabo trabalhando com as duas coisas. Os dois dialogam, de certa forma, juntos, já que preciso estar vinculada com a cultura e empreendedorismo".

 Viviane Vergasta do MalikáÁFrica
Viviane Vergasta do MalikáÁFrica Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Ao contrário de Viviane, a artesã Peróla precisou se reinventar após ser demitida aos 50 anos quando era coordenadora de um curso de inglês. Com dificuldade para conseguir outro emprego, ela decidiu vender em tempo integral as bijuterias que já vendia ainda na época em que era CLT. "Tive que ter essa virada de chave na minha vida, porque você sair do formal e ir para informal, minha filha, não é para qualquer pessoa. Ainda bem que eu, no meu auge dos 60 anos, tenho o apoio do Sepromi".

Pérola Negra
Pérola Negra Crédito: Brenda Viana / CORREIO

Esse órgão que a empreendedora cita durante a entrevista é a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais. A coordenadora interina Francisca Bonfim explica que a Feira Afro Bahia foi criada para fomentar o empreendedorismo negro. Em julho, a feira foi realizada pela Associação de Moradores Santa Luzia, com 100% das mulheres expondo seus produtos justamente porque no dia 25 de julho é o dia da mulher negra latino-americana caribenha. No geral, homens também realizam suas exposições, inclusive casais que já vivem na informalidade.

"A gente sabe que o maior gargalo dentro do empreendedorismo é o financeiro. Então, há o CrediAfro, que é uma política pública de crédito, onde o empreendedor formal pode acessar até R$ 50 mil, e o informal de R$ 3 mil a 15 mil, e esse crédito vem para dar essa resposta ao nível de recursos", explica.

Serão 24 feiras com chamadas públicas. Os interessados se inscrevem, há uma curadoria interna e, em seguida, são chamadas para participar da feira. Ao todo, são sempre 55 empreendedores chamados para a exposição das lojas e produtos.