Famílias deixam Alto das Pombas e Calabar às pressas durante conflito armado

Moradores fugiram apenas com a roupa do corpo

  • Foto do(a) author(a) Maysa Polcri
  • Maysa Polcri

Publicado em 5 de setembro de 2023 às 05:00

Famílias deixaram as localidades com sacolas e malas de mão
Famílias deixaram as localidades com sacolas e malas de mão Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Moradores que contavam com privilégio de um local mais seguro não pouparam esforços para deixar suas residências no Alto das Pombas e no Calabar, na tarde de segunda-feira (4). Por volta das 15 horas, enquanto agentes de segurança ainda procuravam criminosos que aterrorizaram as localidades desde a madrugada, pessoas caminhavam a passos largos e com olhares que refletiam medo e desconfiança. Famílias buscaram refúgio em casas de conhecidos depois de juntaram pertences às pressas em malas de mão e correram para salvar crianças e animais de estimação da zona de confronto.

Enquanto subia o mais rápido possível a Avenida Benício Ramos, conhecida como Beco do Mijo, uma grávida de sete meses ficou sem fôlego. A pressa, mesmo diante da dificuldade física, tinha explicação plausível: o medo da guerra de facções que tem como pano de fundo o Alto das Pombas. A mulher, com medo, preferiu não se identificar, mas contou que a casa onde seu pai mora foi invadida durante o início da tarde. Eram integrantes da facção Comando Vermelho (CV) que, naquela altura, se escondiam de policiais e de membros do Bonde do Maluco (BDM), grupo criminoso rival.

Cerca de três horas depois da invasão da casa do pai, a mulher voltou à localidade para buscar roupas que ele não conseguiu levar quando fugiu para a casa de uma parente, no Ogunjá. “Meu pai estava em casa com meu irmão de 13 anos e viu os bandidos entrando pela sala. Ele contou que foi desesperador. Os dois saíram só com as roupas do corpo e eu vim buscar algumas coisas”, contou. Nem a presença de viaturas e agentes de segurança na região diminuiu o medo de quem transitava pelo beco que liga o Alto das Pombas ao Calabar. “Morei aqui durante anos e nunca imaginei que fosse ver tanta violência assim, na luz do dia”, lamentou a grávida.

Os desatentos que tentavam cruzar a Rua Teixeira Mendes, na região do Cemitério do Campo Santo, durante a tarde, rapidamente eram avisados do perigo por quem acompanhava de perto a ação da Polícia Militar. “Não vá, não, que é barril”, disse um homem a uma idosa. A mulher queria visitar a filha, mas desistiu quando se deu conta do perigo. “A qualquer momento pode vir bala”, alertou outro rapaz.

A reportagem flagrou famílias formada por até quatro membros, inclusive crianças, guardando malas de forma apressada no porta malas de carros. Cachorros e até passarinhos em gaiolas deixavam a localidade na companhia de seus donos. As cenas de fuga no Alto das Pombas se repetiam no Calabar. A incerteza sobre quando seria seguro voltar para casa assustava muitas pessoas.

Por volta das 15 horas, agentes de segurança ainda tentavam localizar criminosos que provocaram tiroteios e fizeram 17 reféns em quatro sequestros nas horas anteriores. Cinco suspeitos feridos foram retirados por policiais do Beco do Mijo depois de um tiroteio.

Cinco suspeitos morreram depois de serem retirados por policiais da Avenida Benício Ramos
Cinco suspeitos morreram depois de serem retirados por policiais da Avenida Benício Ramos Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Segundo a Polícia Militar (PM), os criminosos dispararam armas de fogo e lançaram granadas contra guarnições da Rondesp Atlântico, no Alto das Pombas. Eles foram encaminhados ao Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiram. Três fuzis de calibre 556, duas pistolas calibre 9 mm, duas granadas, munições e drogas foram apreendidas com os suspeitos, ainda de acordo com a PM.

Se durante o dia a violência não cessou, moradores estavam apreensivos sobre como passariam a noite na localidade em guerra. Uma jovem, que mora próximo ao Cemitério Campo Santo, por sorte, não estava em casa durante a madrugada de segunda-feira (4). O que ficou sabendo através de relatos de vizinhos, no entanto, foi suficiente para ela não voltar no dia seguinte. “Eu vou passar a noite em outro bairro por causa disso. A sensação é de impotência por não saber o que fazer e ter que esperar para ver no que vai dar”, desabafou ela, que mora há mais de 20 anos na região.

Bairros ao redor sentem o efeito da violência

A falsa ideia de que bairros nobres integram uma redoma destoada da violência promovida pelo tráfico de drogas em bairros populares cai, cada vez mais, por terra. Moradores de locais como Barra, Graça, Federação e Jardim Apipema relatam terem escutado tiroteios durante a madrugada e famílias saíram de casa para se distanciar do foco de tensão. Um apartamento no 13º andar foi atingido por uma bala perdida.

Uma mulher que preferiu ter a identidade preservada mora há seis anos no Jardim Apipema e nunca tinha vivido tantos momentos de tensão. “Por volta de 0h30, acordei com o barulho dos tiros, rojões e bombas. Hoje, de manhã, ouvi mais tiros que não pareciam estar perto, mas fiquei com medo de bala perdida ou que a rua virasse rota de fuga”, relata. O medo fez com que ela, o marido e o filho de dois anos deixassem o apartamento e buscassem refúgio na casa de parentes, no Canela. “Só volto para casa no final de semana e olhe lá”, completou.

O que era apenas receio na residência da família que mora no Apipema, virou realidade na casa da escritora Ritah Oliveira, 57. O apartamento na Rua Manoel Barreto, na Graça, foi alvo de uma bala perdida que atravessou o vidro da sala do 13º andar, ricocheteou na parede da sala e parou no chão. "Não pegou em ninguém porque nessa hora eu estava em pé, na mesma posição, no quarto de minha mãe. Se eu estivesse na sala não estaria falando com você agora", disse.

Ritah foi surpreendida pela bala perdida no 13º andar do prédio, na Graça
Ritah foi surpreendida pela bala perdida no 13º andar do prédio, na Graça Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Por volta das 0h30, Ritah ouviu um ruído de vidro sendo quebrado no apartamento. Na hora, ela imaginou que uma cristaleira que guardava na cozinha havia caído no chão. “Eu me sinto desprotegida. A gente nunca acha que algo desse tipo vai acontecer tão perto”, lamentou. Há dois anos, ela mora na Graça com a mãe de 83 anos e conta que os barulhos dos tiroteios têm se tornado mais frequentes. “Somos um efeito colateral dessa violência”, resumiu com o semblante triste. A idosa também estava abalada diante do ocorrido.