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Elaine Sanoli
Publicado em 22 de outubro de 2024 às 06:15
Pela primeira vez em solo soteropolitano, a professora e geógrafa norte-americana Ruth Wilson Gilmore reuniu estudantes, professores e pesquisadores da área de humanidades, no auditório Raul Seixas, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), para apresentação do seu livro ‘Califórnia Gulag’, traduzido pela primeira vez para a língua estrangeira. O livro é baseado no processo de encarceramento da Califórnia, nos Estados Unidos.
Embora tenha percorrido outras capitais brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e São Luís, as atividades do circuito “Do capitalismo racial à geografia da abolição” ganham novos contornos na cidade mais negra fora do continente africano. “Eu sempre quis vir aqui. É um lugar central na história do colonialismo, escravização, agricultura industrializada. É também um lugar bonito porque tantas pessoas de tantas partes do sul atlântico vivem aqui juntos e fazem o seu mundo”, descreve a pesquisadora.
O livro de Gilmore reúne um apanhado de informações sobre a relação entre o sistema prisional e racialidade da população norte-americana. Nele, a ativista parte de uma inquietação de um grupo de mulheres negras abolicionistas que buscam alternativas ao sistema prisional para as pessoas que as cercam. Apesar de ser comumente associado à luta pela libertação do período de escravização no século XIX, o termo “abolicionismo” ganha uma nova leitura moderna por Gilmore, que pensa o aprisionamento da população negra ao encarceramento nos presídios.
“Abolição é pensar que temos que mudar uma coisa, mudando tudo: como vivemos, como interagimos com o outro, como fazemos nossas casas, como organizamos nossas escolas, quais tipos de centros culturais podemos aproveitar juntos. Algumas pessoas já fazem isso todos os dias. Nosso trabalho, como abolicionistas, é tentar descobrir como fazer o óbvio, que essas pessoas já fazem, e nos juntarmos para fazer o que precisa ser feito”, argumenta a teórica.
Gilmore explica, ainda, o conceito de 'capitalismo racial', no qual também se baseia sua obra: "O capitalismo demanda uma desigualdade e o racismo é o que vai garantir isso". De acordo com a autora, a solução para violência policial e encarceramento em massa passam pela construção de propostas coletivas da comunidade.
O livro de Ruth Gilmore, que já foi diretora do Center for Place, Culture and Politics (CPCP), e professora no departamento de Earth and Environmental Sciences, do centro de pós-graduação da City University of New York (CUNY), é baseado em teoria raciais, política econômica e marxismo cultural.
A vinda da professora Ruth para o Brasil é idealizada pela Iniciativa Negra e Editora IGRÁ KNIGA, responsável pela tradução e publicação da obra. Para o cofundador e diretor executivo da Iniciativa Negra Dudu Ribeiro, a temática abordada pelos escritos de Gilmore são um completo à realidade da população negra baiana. "A gente compreende que o modelo penal que afeta a população negra dos Estados Unidos, também compromete vidas negras no Brasil. Todas elas são baseadas numa ideia de guerra às drogas, mas que não é uma guerra contra substâncias, mas contra pessoas", diz. "Em Salvador, na última quarta-feira, nós tivemos 16 pessoas assassinadas em um único dia, no meio da semana e todos eram homens negros", relembra o historiador.
A apresentação teve tradução simultânea da também geógrafa e professora do Instituto de Geociência da Ufba Azânia Mahin. "É uma honra para mim, ela é uma referência", celebrou durante sessões de autógrafos da escritora.
A programação do circuito terá sequência nesta terça-feira (22), com uma roda de conversa sobre Abolicionismo e o papel da Arte, no Instituto de Letras da Ufba, a partir das 14h. A atividade conta com a presença do projeto 'Corpos Indóceis, Mentes Livres', que trabalha a literatura no presídio feminino da Mata Escura, em Salvador, como forma alternativa de reduzir a pena de detentas.
Para expandir as barreiras da acadêmica, a professora deve passar, ainda, pelo Nordeste de Amaralina para dialogar com a comunidade. O Centro Social Urbano (CSU) do bairro será palco do encontro com o coletivo Mulheres e Luta, a partir das 18h30 desta quarta-feira (23).