Estátua de Mãe Stella é reinaugurada após incêndio em Salvador

Obra foi produzida em tamanho real para homenagear uma das principais referência do candomblé no Brasil

  • Foto do(a) author(a) Gil Santos
  • Gil Santos

Publicado em 10 de agosto de 2023 às 10:03

Estátua de Mãe Stella foi refeita após ato de vandalismo
Estátua de Mãe Stella foi refeita após ato de vandalismo Crédito: Gil Santos/CORREIO

O olhar sereno de Mãe Stella de Oxóssi em seu trono voltou a repousar sobre a Avenida Luís Vianna (Paralela) e sobre a via que leva o nome da religiosa. A escultura, incendiada em dezembro de 2022, foi restaurada e recolocada no lugar, na manhã desta quinta-feira (10). A obra é uma das últimas peças produzidas pelo artista plástico Tatti Moreno e faz uma homenagem a uma das ialorixás mais importantes do país.

Em 4 de dezembro do ano passado, uma madrugada de domingo, motoristas que transitavam pela avenida, nas proximidades do bairro de Stella Maris, viram a estátua em chamas e avisaram ao Corpo de Bombeiros e à polícia que abriu um inquérito para apurar o caso. A principal suspeita é de intolerância religiosa. Em 2019, cinco meses após a inauguração, a obra foi pinchada e teve a placa arrancada.

Nesta quinta-feira (10), Mãe Ana de Xangô, ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, casa que foi comandada por Mãe Stella durante 42 anos, ressaltou a importância da reinauguração da estátua . "É um momento magnífico, importante para a comunidade de axé, para o povo de santo, inclusive no Ilê Axé Opô Afonjá, onde comemoramos a ancestralidade de Mãe Stella. Eu fui iniciada por ela, que é uma referência para o mundo, e fico muito emocionada com esse momento", pontuou.

Durante a reinauguração, o padre Lázaro Muniz, representante do Conselho Inter-religioso, destacou a importância da luta contra a intolerância religiosa. "Não podemos mais admitir que as religiões sejam vilipendiadas, maltratadas e ofendidas por causa de ideologias religiosas. A religião de forma nenhuma deve ser um instrumento de opressão, de maldição ou, pior ainda, de escravização. Precisamos respeitar todas as formas religiosas", afirmou.

Quatro dias após o atentado, lideres religioso do candomblé, espíritas e católicos realizaram um ato ecumênico em solidariedade ao povo de santo e pedindo pelo fim dos ataques as religiões. Na época, a cantora e atual ministra da Cultura, Margareth Menezes, também participou do evento. O prefeito Bruno Reis (União Brasil) disse que o poder público estará focado em combater qualquer discriminação religiosa. 

"Abril de 2019 estávamos aqui prestando essa homenagem. Infelizmente, em dezembro de 22, tivemos um ato de vandalismo, numa cidade que não tolera qualquer tipo de discriminação. Em Salvador não haverá jamais espaço para qualquer tipo de disputa, de guerra entre as religiões. Nós vamos combater qualquer tipo de manifestação nesse sentido. Hoje estamos restabelecendo a história, a homenagem. Graças ao saudoso Tatti Moreno e a seus filhos podemos ter a estátua de Mãe Stella de volta", disse.

Quando morreu, em 27 de dezembro de 2018, Mãe Stella era ialorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, no bairro de São Gonçalo do Retiro, em Salvador, desde 1976. Foram 42 anos à frente de um dos terreiros mais tradicionais do Brasil. Ela estava internada há 13 dias em Santo Amaro, no Recôncavo, e morreu por volta das 16h.

Segundo o Hospital Incar, a morte foi causada por sepse de foco urinário e por insuficiência renal crônica associada a hipertensão arterial sistêmica. Enfermeira de formação e também escritora, Mãe Stella publicou o primeiro livro em 1988. Chamado E daí Aconteceu o Encanto, a obra foi escrita em parceria com Cléo Martins e apresenta histórias sobre as origens do Opô Afonjá e das primeiras ialorixás que comandaram a casa. Depois disso, ela escreveu outros milhares de textos. 

Repercussão

O artista plástico Tatti Moreno construiu uma estátua em tamanho real de Mãe Stella sentada no trono e outra de Oxóssi logo atrás dela, com 6,5 metros de altura. A obra foi feita à base de resina de poliéster e fibra de vidro, e toda a escultura tem 8,5 metros de altura, incluindo uma base de concreto de dois metros. Os filhos dele, André e Gustavo Moreno foram responsáveis por reconstruir a obra.

“Usamos o mesmo material com a adição de um produto retardante, como uma preocupação a qualquer ato de vandalismo. É uma espécie de antichamas. Buscamos as referências da execução de meu pai, e depois cumprimos as etapas do trabalho que é a modelagem, a formatação, o processo de acabamento, pintura, complemento e definição da peça com todas as suas características e originalidades. Foi uma honra”, disse André.

Gustavo completou. “É muito importante para todos nós esse legado tão gigante que os dois deixaram, meu pai como criador e Mãe Stella como essa pessoa importantíssima dentro do nosso candomblé e de grande representatividade para o Brasil inteiro”, disse.

Além da reconstrução da estátua foi necessário também restaurar a escultura de Oxóssi que ficou danificada pelas chamas. O secretário municipal de Cultura e Turismo (Secult), Pedro Tourinho, destacou a importância da religiosa.

“Mãe Stella é uma ialorixá que teve uma capacidade de comunicação e de abrir portas, assim como Mãe Senhora e Mãe Aninha, seguiu toda a tradição do Afonjá de ampliar a rede de apoio e de potência do candomblé. Mãe Stella seguiu esse caminho e a gente tem que homenagear e saudar isso”, afirmou.

No local foram instaladas câmeras de segurança da Guarda Civil Municipal. O diretor geral do órgão, Maurício Lima, acredita que isso pode inibir a ação de vândalos. “Elas foram bem posicionadas para que qualquer atividade seja registrada. O monitoramento será durante 24h, além das rondas que são realizadas no local”, frisou.

Mãe Stella é a homenageada na Flipelô 2023

O presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), Fernando Guerreiro, lembrou que Mãe Stella está sendo homenageada na Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô 2023), evento que segue até domingo (13), no Centro Histórico.

“Além de ser uma autoridade religiosa, ela é uma grande personalidade cultural, está sendo homenageada pela Flipelô e é imortal da Academia de Letras da Bahia. Então, a reconstrução dessa estátua é muito importante. Pedimos a população que fique atenta, porque não é um monumento da prefeitura, é um monumento da cidade do Salvador”, disse.

Aos mais próximos, Mãe Stella dizia que só poderia ser feliz se estivesse perto do orixá Oxóssi, a quem, segundo o povo de santo, pertencia sua cabeça. A religiosa foi considerada uma das maiores representações do Candomblé no Brasil. Escritora, poetisa e defensora dos direitos da população negra, ela nasceu em 2 de maio de 1925 em Salvador e morreu em 27 de dezembro de 2018, aos 93 anos.

Mãe Stella lutava pela conscientização sobre a importância de preservar as tradições ancestrais e pela promoção da tolerância religiosa e do respeito às diversidades culturais. De enfermeira a zeladora do axé, Mãe Stella de Oxóssi, Odé Kayodé, foi a quinta ialorixá a comandar o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro, casa fundada em 1910 por Eugênia Anna dos Santos, Mãe Aninha.

Confira obras escritas pela religiosa:

• E daí Aconteceu o Encanto (1988), escrito em parceria com Cléo Martins, traz histórias sobre o Opô Afonjá e as primeiras ialorixás da casa;

• Meu tempo é agora (1993), uma espécie de livro-manual para a formação de seus filhos-de-santo;

• Òsósi - O caçador de alegrias (2006), que traz ìtans (narrativas míticas) de Oxóssi, seu orixá regente;

• Òwe-Provérbios (2007), uma coletânea de ditos em Iorubá e brasileiros acompanhados das interpretações da escritora;

• O infantil Epé laiyé - terra viva (2009), que narra a história de uma árvore que ganha pernas;

• Opinião (2012), reunião de crônicas selecionadas entre as que a ialorixá publicou na imprensa baiana;