Queima de ônibus demonstra ausência de controle do Estado, diz especialista

Dois ônibus foram queimados em Salvador em menos de uma semana; cinco bairros ficaram sem transporte público

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  • Millena Marques

Publicado em 17 de outubro de 2024 às 18:53

Ônibus incendiado no IAPI
Ônibus incendiado no IAPI Crédito: Ana Albuquerque/CORREIO

Em menos de uma semana, cinco bairros de Salvador tiveram a circulação de transporte público suspensa após dois ataques a ônibus nos bairros do IAPI, na última quarta-feira (16), e no Bairro da Paz, na segunda (14). A queima é uma prática que foi exportada do Rio de Janeiro e demonstra a ausência de controle do Estado sobre esse tipo de ação, segundo especialistas de segurança pública.

“O Rio de Janeiro talvez tenha sido assim o laboratório, aqui no Brasil, dessa organização, dessas facções criminosas e o modus operandi também. Ele está sendo exportado para todo o Brasil”, disse o coronel reformado da Polícia Militar Antônio Jorge Melo.

Além do prejuízo que causa na cidade como um todo, especialmente em termos de deslocamento urbano, os ataques a ônibus também dificultam a movimentação das forças de segurança. A prática, inclusive, não é algo específico de uma determinada facção, segundo Melo.

"Através da mídia, dos contatos, das próprias facções, da expansão, das alianças celebradas entre essas facções, os diversos estados da federação, também nesse processo se estende o modus operandi em relação a como demonstrar o poder, de como é dificultar a ação das forças de segurança”, continuou o coronel.

Questionado se o Estado perdeu o controle da situação, Hebert Toledo, especialista em segurança pública e professor associado da Universidade Federal do Sul da Bahia (Ufsb), afirmou que “não se pode falar que o Estado perdeu o controle, pois não se perde o que nunca se teve.”

“Não se trabalha com inteligência, com monitoramento, mas, com repressão pontual. Colocar mais policiamento ostensivo não resolve o problema, pois é preciso antecipar. Colocar um policial em cada ônibus inviabiliza a polícia”, complementou. Como as ações acontecem rapidamente, é muito difícil que alguém seja preso, o que, segundo o especialista, gera impunidade.

Por outro lado, o cofundador do Iniciativa Negra e coordenador do Observatório de Segurança da Bahia, Dudu Ribeiro, disse que o Estado possui “parte do controle da situação porque participa de forma direta e, às vezes, de forma indireta do modelo de segurança pública.”

“É o Estado que assume a ideia de guerra, que chama de ‘guerras às drogas’, mas não é uma guerra contra substâncias, é uma guerra contra pessoas, determinadas pessoas, que têm origem, têm classe e tem gênero”, complementou.

A Iniciativa Negra, o Observatório da Mobilidade e o Instituto Fogo Cruzado lançarão, entre essa sexta-feira (18) e a próxima segunda-feira (21), um estudo sobre o impacto da insegurança pública na mobilidade urbana de Salvador. “E aí a gente vai perceber que não apenas são os ataques de grupos armados, mas também operações e ações policiais que comprometem a mobilidade das pessoas na cidade, e assim comprometendo a mobilidade compromete o acesso à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho”, finalizou Dudu.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela