Especialistas explicam como o domínio das facções criminosas fez aumentar a circulação de armas no estado

Flexibilização do acesso às armas nos últimos anos e presença de facções nacionais na Bahia são apontados como motivações principais

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  • Larissa Almeida

Publicado em 11 de janeiro de 2024 às 05:00

PM apreende fuzil, submetralhadora, carregadores, munições e drogas em Itabuna
PM apreende fuzil, submetralhadora, carregadores, munições e drogas em Itabuna Crédito: Divulgação

Em 2023, foram apreendidos 54 fuzis na Bahia. O número é 145% maior em relação ao ano de 2022, quando 22 armamentos do tipo foram capturados das mãos de criminosos. Também em 2023, cerca de 6 mil armas foram confiscadas pela polícia em território baiano, conforme dados apresentados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) nesta quarta-feira (10). Segundo especialistas em segurança pública, o domínio das facções criminosas é o principal fator para o aumento da circulação de armas no estado.

De acordo com Horácio Hastenreiter, professor e coordenador de uma das turmas de Mestrado em Segurança Pública, Justiça e Cidadania da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a flexibilização do acesso às armas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro fez com que elas chegassem com maior facilidade até o crime organizado, o que, por sua vez, impulsionou a violência armada na Bahia.

“Com acesso a armamentos, como fuzis, há uma maior dificuldade de combater o crime organizado. Na Bahia, estamos falando de facções que colocaram muitas fichas na sua permanência no estado, então houve maior preparação para poder ficar tendo em vista as disputas entre facções”, afirma.

Horácio Hastenreiter ainda destaca o status de poder que a aquisição de um fuzil representa para uma organização criminosa. “Na hora que uma facção está armada com fuzis, é criada uma barreira ao combate ao crime, porque a polícia não vai entrar no local dominado pelos criminosos com qualquer operação. As operações precisam ser mais bem estruturadas, planejadas, com mais investimentos e equipes maiores. Então, não é como se eles fossem usar o fuzil toda hora, mas a simples posse já é uma demonstração de poder”, ressalta.

Em setembro do ano passado, três fuzis foram apreendidos junto com uma carabina, uma submetralhadora, três pistolas, carregadores, munições, rádios comunicadores e peças de uma motocicleta roubada. A operação foi comandada por equipes da Polícia Civil (PC) e Federal (PF) durante ações de combate ao crime organizado, no bairro de Periperi, no Subúrbio Ferroviário de Salvador.

Em continuidade a essa operação, cerca de 100 policiais civis do Departamento Especializado de Investigações Criminais (DEIC), agentes federais do Comando de Operações Táticas (COT) e do Grupo de Pronta Intervenção (GPI) cumpriram mandados de busca e apreensão em imóveis usados por integrantes de uma facção que confrontou policiais no bairro de Valéria. O ataque teve a participação de 50 criminosos. Na situação, o agente da PF, Lucas Caribé, foi morto e outros dois agentes ficaram feridos.

Na semana seguinte ao crime, o colunista do CORREIO Bruno Wendel apurou que a operação teve resultado desastroso porque foi planejada sem os policiais militares da 31ª CIPM e da Rondesp, que conhecem todo o território disputado pelas facções Bonde do Maluco (BDM) e Katiara. Quando entrou no matagal vigiado pelas facções, a tropa de agentes ficou perdida na vegetação e acabou na mira dos criminosos que estavam em posse de armas longas e abriram fogo contra o Comando de Operações Tática (COT), principal unidade de elite da PF, resultando na morte de Lucas Caribé.

A obtenção de armamentos pesados, como fuzis, por facções locais ocorre em decorrência da vinda para a Bahia de organizações criminosas antes restritas ao Sudeste do país, conforme aponta Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública, coordenador do curso de Direito da Estácio e coronel reformado da Polícia Militar da Bahia (PM-BA).

“Houve um movimento de expansão tanto do Comando Vermelho (CV) quanto do Primeiro Comando da Capital (PCC), semelhante ao que acontece com as empresas. Podemos até dizer que são crimes em moldes empresariais. Com facções locais se aliando a essas facções nacionais, houve mais acesso a matérias-primas dos seus negócios, como também ao tráfico de armas”, destaca.

Antônio Jorge Melo diz que, em aliança, o Comando Vermelho e o Comando da Paz disputam territórios com o Bonde do Maluco, facção baiana que avança pelo estado. “O Bonde do Maluco se associou ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção paulista que não está diretamente presente na Bahia. E, no início deste ano, outro rival do CV, o Terceiro Comando Puro, se aliou ao Bonde do Maluco”, pontua. “Já a Katiara, não tem uma aliança fixa com nenhuma das facções cariocas ou paulistas, [somente] acordos comerciais”, completa.

Em maio de 2023, três fuzis foram apreendidos na Baixa de Mirante, no bairro do Periperi, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. Um era da marca CZCCH, Small Arms e dois de marca Colt's com cinco carregadores, além de grande quantidade de munição calibre 556. As armas, que eram as mesmas usadas por países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e também das Forças Armadas dos Estados Unidos (EUA), haviam sido adquiridas pelo BDM por pelo menos R$240 mil.

Cada fuzil Colti 5.56 foi comercializado para as facções narcotraficantes que operam na Região Metropolitana de Salvador pelo valor aproximado de R$ 80 mil, segundo afirmou o juiz Walmir Viana Ribeiro Júnior, da Vara de Audiência de Custódia da Comarca de Salvador, em decisão do dia 14 de maio de 2023, a qual o CORREIO teve acesso com exclusividade.

No dia seguinte a apreensão dos três fuzis na Baixa de Mirante, a Polícia Militar prendeu um homem com um fuzil calibre 7,62 na Rua 13 de Maio. Além da arma, ele estava com carregadores, munições e porções de maconha.

Diante desse cenário, o professor Horácio Hastenreiter analisa que o estabelecimento das facções nacionais na Bahia se deu de maneira rápida justamente pela posse do poder bélico. “A migração das facções organizadas para o Nordeste teve uma subida radical e disruptiva. O Nordeste rapidamente passou de região menos violenta para a região mais violenta do país, num espaço de aproximadamente 15 anos. Isso ocorre pela chegada de vez dessas organizações criminosas, que vêm com poder bélico diferenciado e mudam completamente a realidade do local onde se estabelecem”, finaliza.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo